Meio ambiente

Racismo ambiental: crise climática aprofunda desigualdades

Falta de acesso a recursos básicos e exposição a riscos ambientais fazem parte da realidade de comunidades periféricas e indígenas em todo o país. Lideranças tentam levar questões sociais para o centro do debate da COP30

João do Clima:
João do Clima: "Se a gente não tem uma justiça social, se a gente não tem direitos garantidos da periferia, da juventude, a gente nunca vai ter uma justiça climática" - (crédito: Felipe Martins/TEDxAmazônia)

Belém (PA) — No Brasil, pessoas pretas, pardas e indígenas estão entre as mais impactadas pela escassez de recursos e pela exclusão de direitos — fatores que as deixam especialmente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. Essa relação desigual se manifesta na falta de acesso a recursos básicos, na exposição a riscos ecológicos e na dificuldade de acesso à Justiça em casos de crimes ambientais.

Racismo ambiental é um termo relativamente novo e ainda pouco difundido, que busca explicar essa equação que aprofunda desigualdades. "O racismo ambiental é uma das formas mais severas de exclusão, porque, muitas vezes, ele não é percebido pelas próprias pessoas que o sofrem", afirma Antonieta Luisa Costa, conhecida como Nieta, professora e uma das vozes mais importantes do movimento negro de Mato Grosso.

Com formação em pedagogia e geografia, Nieta possui mais de quatro décadas de atuação pelo direito das mulheres negras e promoção da justiça social, é fundadora e presidente do Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (Imune-MT) e coordenadora do Centro Cultural Casa das Pretas.

Em sua pesquisa em comunidades urbanas da bacia do Córrego Gumitá, localizado na região norte da cidade de Cuiabá, a maior constatação é a falta de coleta de lixo. "Falar de racismo ambiental também é falar do que não é visto, do que não é percebido. Nesses lugares, em que a maioria da população é empobrecida, a dinâmica é perversa, e não é culpa da população."

A capital mato-grossense já é conhecida por suas altas temperaturas devido a uma combinação de fatores geográficos e urbanos. Além disso, a falta de infraestrutura e áreas verdes, combinada com o adensamento populacional, torna as pessoas mais vulneráveis aos efeitos do calor.

"Como que eu quero a mudança do meio ambiente se eu não consigo criar políticas para acesso a condições mínimas? Muitas políticas públicas não dão certo porque tratar desiguais como iguais gera desigualdade. A população pode sim fazer a sua parte, mas isso é difícil quando se vive em um ambiente e um espaço que nada se permite", enfatiza Nieta.

Saneamento

A falta de saneamento, especialmente em áreas periféricas, com grande concentração de pessoas negras e indígenas, é um dos principais mecanismos de racismo ambiental. Essa forma severa de exclusão foi constatada em alguns dados do último Censo, realizado em 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O levantamento mostra que 83,5% das pessoas brancas têm esgotamento sanitário considerado adequado, enquanto o número diminui para 75% das pessoas pretas, 68,9% das pardas e 29,9% das indígenas. A situação revela a necessidade de uma atenção especial das políticas públicas para a região Norte, em que, dos 78% dos moradores que se declaram pretos e pardos, apenas 46,4% — menos da metade dos seus 17,2 milhões de habitantes — têm saneamento básico.

O Censo aponta, ainda, que cerca de 9,1% da população não tem acesso à coleta direta ou indireta de resíduos. A cobertura mais baixa também é no Norte do país, de 21,5%. A falta de abastecimento adequado de água atinge 6,2 milhões de brasileiros, sendo 72% declarados pretos e pardos.

Já a falta de acesso a serviços de saneamento básico, como água tratada e esgoto, e a poluição por falta de infraestrutura impactam desproporcionalmente essas comunidades, agravando suas condições de vida e saúde. Para Aparecida Matos, professora e pesquisadora de saberes tradicionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT), racismo ambiental é um termo novo que precisa ser mais debatido.

Em seu trabalho com mulheres de comunidades quilombolas, Aparecida relata vivenciar as mais diversas formas de exclusão encontradas no ambiente rural. "Trabalhamos em lugares em que não têm banheiros nas escolas, isso é racismo ambiental. Falta coleta de lixo nas comunidades, isso é racismo ambiental", ressalta. "A escola não é um local só de livros. A escola precisa de luz, precisa de água, de banheiros. A escola precisa ser um local de acolhimento, não de abandono", emenda.

A professora considera, ainda, impossível falar na agenda de combate às mudanças do clima sem abordar a falta infraestrutura básica nessas regiões e faz um alerta sobre o tema: "Sustentabilidade não se mede com carbono, se mede com afeto".

Existe uma preocupação real de que o racismo ambiental não receba a devida atenção nas discussões da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30, marcada para novembro deste ano, em Belém. Movimentos sociais, lideranças indígenas, comunidades quilombolas e organizações da sociedade civil têm alertado que, embora o tema ganhe cada vez mais visibilidade, ainda é marginalizado nas negociações internacionais sobre clima.

Esses temores foram expostos durante o TEDxAmazônia 2025, evento que ativistas para antecipar algumas das demandas que a sociedade civil espera que cheguem na Cúpula do Clima. Segundo a pesquisa Justiça Urbana, realizada pelo Greenpeace, pessoas da classe C e D se sentem mais inseguras com eventos climáticos (70%) do que pessoas da classe A e B (56%). A preocupação também é maior entre negros (64%), em comparação aos brancos (58%).

Racismo ambiental 3006
Racismo ambiental 3006 (foto: Lucas Pacífico)
 

 

Garimpo

A liderança indígena Alessandra Munduruku descreveu sua infância livre no território indígena e expôs os efeitos nocivos dos avanços do garimpo e do desmatamento. Ela menciona que, na sua região, na década de 1960, já havia atividade de mineração, e que as pessoas estavam doentes e não sabiam por quê.

Para fazer a separação entre o ouro e outros materiais, garimpeiros usam com frequência o mercúrio, substância que é altamente tóxica e prejudicial à saúde. No processo, o mercúrio acaba sendo lançado de forma incorreta no solo, na água e no ar, contaminando a floresta e as pessoas. “Porque as pessoas, as crianças estão morrendo dentro da aldeia? E aí quando veio o resultado (do exame), soubemos que as mulheres têm o seu útero contaminado com mercúrio, o leite materno contaminado com mercúrio”, relata.

Considerada uma das principais vozes indígenas do Brasil, Alessandra alerta para os perigos que o garimpo e o desmatamento representam para a floresta e para a vida dos povos originários, sobretudo em sua região, no Médio Tapajós, no Pará. “Tem lugares que não têm água potável. Será que alguém está preocupado com o que está acontecendo com a nossa casa e o nosso corpo?”, diz a líder, que também questiona se a COP30 trará soluções para os problemas que afligem os povos tradicionais.

Esperança na juventude

O jovem ativista João Victor da Costa da Silva, 15 anos, conhecido nas redes como João do Clima, tornou-se uma referência na luta ambiental das comunidades insulares amazônicas. Morador da Ilha de Caratateua, mais conhecida como Outeiro, uma das principais ilhas do arquipélago que circunda Belém, localizada a cerca de 25 km do centro da capital paraense, ele conta que sua infância foi marcada por curiosidade e questionamentos sobre o porquê das coisas acontecerem, quem detinha o poder e qual o papel da sociedade nisso.

"Eu sempre fui muito perguntador", diz em entrevista ao Correio. Sua primeira ação comunitária foi contra um lixão em sua rua. Desde então, João vem se destacando na defesa pela justiça climática. Em 2023, participou da Cúpula dos Países Amazônicos, tornando-se embaixador do Fórum das Ilhas.

Primeiro adolecente a fazer parte do fórum, ele progrediu para a criação da primeira coordenação da juventude das ilhas. "Eu sempre falo que eu nasci com essa missão de representar meu território, de representar as ilhas, não só de Belém, mas do mundo todo, que são invisibilizadas e isoladas do poder público e da cidade."

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Atualmente, João do Clima é conselheiro jovem do Unicef Brasil e voluntário na Cooperação da Juventude Amazônida para o Desenvolvimento Sustentável (Cojovem). Segundo ele, as mudanças climáticas já são sentidas no dia a dia dos moradores da região, principalmente com as altas temperaturas e a falta de saneamento básico, e seu lema é: "não há justiça climática sem justiça social".

As juventudes periférica e das ilhas são a geração mais afetada pela crise climática, de acordo com o jovem ativista. "Então, mais do que a gente tem que falar, mais a gente tem que se envolver, a gente tem que ocupar espaços, porque muitos eventos, muitos debates e diálogos acontecem sobre a gente, sobre a periferia, sobre as ilhas, sobre os ribeirinhos, sobre o povo tradicionário, mas nós não estamos tirando esses espaços e ocupando esses espaços", afirma.

COP30

Uma política habitacional é a demanda central das comunidades insulares no momento, especialmente para a Ilha de Caratateua. Um outro desafio enfrentado pelas comunidades paraenses é como levar as demandas da sociedade civil para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP30.

A ideia é de que a pauta dessas comunidades chegue ao fórum global por meio de uma parceria entre a coordenação da Juventude das Ilhas e o Unicef Brasil. O objetivo é apresentar uma "carta da juventude insular e das comunidades insulares" à conferência, garantindo que suas demandas e questões sejam ouvidas e valorizadas pelos tomadores de decisão e formuladores de políticas públicas.

João define o engajamento da juventude na luta contra as mudanças climáticas como crucial. "Não há justiça climática sem justiça social, porque o social e as mudanças climáticas estão todos envolvidos", enfatiza. "Se a gente não tem uma justiça social, se a gente não tem direitos garantidos da periferia, da juventude, a gente nunca vai ter uma justiça climática." 

  • Alessandra Munduruku é considerada uma das principais vozes indígenas do Brasil
    Alessandra Munduruku é considerada uma das principais vozes indígenas do Brasil Felipe Martins/TEDxAmazônia
  • Para Aparecida Matos, pesquisadora de saberes tradicionais da UFT, racismo ambiental é um termo novo que precisa ser mais debatido
    Para Aparecida Matos, pesquisadora de saberes tradicionais da UFT, racismo ambiental é um termo novo que precisa ser mais debatido Felipe Martins/TEDxAmazônia
  • Com formação em pedagogia e geografia, Antonieta Costa, a Nieta, possui mais de quatro décadas de atuação pelo direito das mulheres negras e promoção da justiça social
    Com formação em pedagogia e geografia, Antonieta Costa, a Nieta, possui mais de quatro décadas de atuação pelo direito das mulheres negras e promoção da justiça social Felipe Martins/TEDxAmazônia
  • João do Clima
    João do Clima Felipe Martins/TEDxAmazônia

*A repórter viajou a convite da Coca-Cola


postado em 30/06/2025 04:00 / atualizado em 30/06/2025 06:39
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