
O Congresso Nacional deu um passo significativo na proteção de crianças e adolescentes no ambiente virtual com a aprovação do Projeto de Lei nº 2.628/2022, conhecido como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Digital. A matéria, que seguiu para sanção presidencial, cria regras para a garantia de direitos e proteção de menores de idade na internet.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Especialistas ouvidos pelo Correio consideram a medida um avanço, mas ressaltam que ainda há lacunas a serem enfrentadas. O projeto integra um movimento mais amplo no Congresso, moldado por intensos debates e denúncias sobre os riscos enfrentados por crianças e adolescentes no ambiente virtual.
O tema ganhou repercussão nacional após o influenciador Felipe Bressanim, conhecido como Felca, denunciar em vídeo a adultização e a exploração sexual de menores para produção de conteúdo on-line.
- Leia também: PL da Adultização passa e vai a sanção de Lula
Para a procuradora do Trabalho e coordenadora nacional de Combate ao Trabalho Infantil e de Promoção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Coordinfância) do Ministério Público do Trabalho (MPT), Luísa Carvalho Rodrigues, decisões judiciais recentes contra grandes plataformas já indicam progresso, mas ainda são apenas passos iniciais diante da urgência em assegurar proteção integral a crianças e adolescentes.
"Sendo um primeiro passo, outros devem vir na sequência. Quando falamos de crianças e adolescentes, esses passos devem vir com urgência, com prioridade absoluta, para garantir uma proteção integral", destaca.
"Por isso, o MPT considera ainda mais urgente conseguir fazer com que a legislação que nós temos, além da que foi recentemente aprovada, mas todo o arcabouço normativo de proteção de crianças e adolescentes no Brasil, que é muito robusto, de fato seja efetiva", acrescenta a procuradora.
Segundo Rodrigues, é necessário que a rede de proteção atue de forma integrada e que as empresas de tecnologia assumam suas responsabilidades legais, implementando políticas de prevenção e combate ao trabalho infantil. Ela enfatiza que a tarefa não recai apenas sobre as famílias, mas deve ser compartilhada entre Estado, sociedade e plataformas digitais, que também precisam responder por violações de direitos.
Trabalho infantil
Um dos maiores desafios, porém, é a invisibilidade do trabalho infantil no meio digital. Muitas dessas atividades deixam de ser reconhecidas como trabalho e acabam glamourizadas, o que dificulta a identificação dos riscos a que crianças e adolescentes estão expostos.
"Trata-se de uma situação de trabalho antes da idade mínima permitida por lei ou fora das condições legais, que preveem uma série de direitos, inclusive, o direito fundamental ao não trabalho pelas diversas razões, partindo do fato de que crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento, que tem uma condição peculiar de desenvolvimento", explica a procuradora.
Após a repercussão sobre o tema, o YouTube removeu canais acusados de explorar e comercializar a imagem de crianças e adolescentes. Nesse contexto, a procuradora considera que denúncias públicas são consideradas fundamentais para expor a gravidade da situação e sensibilizar a sociedade.
Rodrigues destaca que pais e responsáveis têm o dever legal de proteger os menores, mas afirma que empresas e demais beneficiários desse tipo de exploração também devem ser responsabilizados pela omissão no cuidado e no cumprimento da lei.
Anne Wilians, advogada e fundadora do Instituto Nelson Wilians (INW), afirma que o debate sobre a adultização impulsionou a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e acelerou a aprovação do ECA Digital. Ela ressalta que combater essa exposição precoce de crianças e adolescentes na internet não é censura, mas uma medida responsável para protegê-los de violência, aliciamento sexual e danos emocionais e psicológicos.
Para Wilians, as empresas de internet desempenham um papel "imprescindível, obrigatório e crucial" nesse esforço coletivo. Ela considera a nova lei uma "atualização oportuna", já que o ECA original, de 1990, foi criado antes da disseminação da internet e da emergência dos riscos atuais.
"Ninguém imaginaria que crianças pudessem ser aliciadas por meio de mensagens instantâneas, vivenciarem perigos de desafios virais ou serem expostas a conteúdo nocivo em plataformas on-line", diz a advogada. "Proteger nossas crianças e adolescentes, em todos os seus espaços de convivência, inclusive, os digitais, é um dever do Estado, da sociedade e das famílias", complementa.
Regulação das redes
A secretária Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Pilar Lacerda, reforça que a regulação das plataformas não configura censura, mas visa garantir a segurança e exigir responsabilidade, em alinhamento com o artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece a proteção de crianças e adolescentes como prioridade absoluta.
Apesar da importância do ECA Digital, Lacerda alerta que "não basta a lei ser aprovada". Ela ressalta a necessidade de regulamentar a legislação e investir em divulgação e capacitação para que todos entendam as mudanças.
"Em muitos lares, cada pessoa está em seu próprio dispositivo na hora do jantar, sem diálogo. Para a formação e educação de crianças e jovens, o diálogo é transformador, e os adultos também precisam disciplinar seu uso dessas tecnologias", comenta a secretária, que reforça a importância de apoiar as famílias sem culpabilizá-las, destacando o lançamento de um guia federal sobre o uso de telas para orientar pais e responsáveis.
*Estagiário sob a supervisão de Rafaela Gonçalves
Saiba Mais