Violência

Do discurso à busca de soluções para conter a violência contra a mulher

Em menos de duas semanas, uma sequência de crimes violentos transformou o noticiário em um retrato diário de horror. Os episódios recentes reacenderam protestos por respostas mais efetivas do Estado

Mulheres violência 07/12 -  (crédito: Caio Gomez)
Mulheres violência 07/12 - (crédito: Caio Gomez)

A sucessão de crimes contra mulheres coincidiu com os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, campanha internacional que, neste ano, ganhou caráter quase emergencial no Brasil. Não se tratava mais de conscientização simbólica, mas de sobrevivência concreta.

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No Judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, levou o debate ao centro da agenda institucional ao citar o caso de Catarina durante encontro nacional da magistratura. O tom foi de alerta e cobrança. "Romper o silêncio sobre esse tema é urgente, com o enfrentamento de padrões enraizados que acabam tendo influência na violência contra as mulheres, seja ela dentro dos lares, nos ambientes de trabalho e até em espaços públicos."

Em sessão plenária, o ministro também expressou solidariedade às famílias e reforçou o compromisso do Judiciário.

"O Judiciário expressa sua solidariedade irrestrita às famílias e às pessoas próximas às vítimas dessas atrocidades. Àquelas que perderam mulheres queridas, mães, filhas, irmãs, companheiras, colegas de trabalho, oferecemos nosso respeito, compaixão e compromisso de lutararem por justiça, reparação e memória."

Números apresentados por órgãos oficiais durante a semana ajudaram a dimensionar a tragédia. Em 2024, o país registrou 1.450 feminicídios. No mesmo período, mais de 2,4 mil mulheres foram vítimas de homicídio doloso ou morreram em decorrência de lesões corporais. A violência sexual também atingiu patamar extremo: cerca de 71 mil casos de estupro foram registrados em um único ano, uma média de 196 por dia. A maior parte das vítimas são meninas com até 13 anos, violentadas dentro de casa, em geral por pessoas conhecidas.

A desigualdade racial também se impõe nos dados: mais de 60% das mulheres adultas vítimas de violência são pretas ou pardas, o que evidencia a intersecção entre gênero, raça e vulnerabilidade social.

Indignação

Ao Correio, a especialista em direito Lúcia Bessa, que também é presidente do Instituto Viva Mulher — Direitos e Cidadania, disse que a sequência de casos de violência contra a mulher que ganharam repercussão recentemente é motivo de "profunda preocupação e indignação". Para ela, os episódios não podem ser tratados como estatísticas apenas, pois "cada manchete não é apenas um número, mas a história interrompida de uma mulher ou menina", o que, segundo destacou, representa o "fracasso coletivo de uma sociedade em garantir o direito fundamental à segurança e à vida".

"A solução para essa crise exige uma abordagem multifacetada que combine urgência na proteção e profundidade na prevenção, que passa pelo aprimoramento da Resposta Judicial e Policial. E estamos falando de implementação imediata e padronizada de medidas protetivas, pois, é inadmissível que o cumprimento destas ainda seja falho. Também é necessário o uso de monitoramento eletrônico (tornozeleiras) para agressores com histórico de ameaça ou violência, como prioridade e com padronização em todo o território nacional, além de outros mecanismos dentro do próprio sistema de segurança", disse Lúcia.

  • Leia também: Família denuncia "vaquinhas" falsas para mulher atropelada em SP

Ana Izabel Gonçalves de Alencar, que atua como advogada da mulher, da família e dos direitos humanos, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-DF, afirma que, embora a justiça e a polícia estejam se empenhando em salvar as mulheres, com a aplicação correta da lei e socorrendo-as o mais rápido possível, é preciso criar uma estratégia preventiva e que estimule as pessoas a denunciarem amigos, parentes e vizinhos que estejam praticando qualquer violência contra a mulher e contra seus familiares.

“Quando uma pessoa se furta a denunciar em prol da proteção de um agressor, ela indiretamente também cooperou para que o feminicídio acontecesse. É uma situação de urgência. Os feminicídios e as tentativas têm ocorrido em variados espaços, tanto públicos como particulares. Embora a população esteja sendo esclarecida sobre como funciona a violência em si, é importante trabalhar com os sinais do início dessa violência como prevenção.  Então, sugiro que sejam mais divulgadas nas redes sociais campanhas exaustivas de prevenção à violência e como agir diante de sinais de relacionamentos abusivos, assim como a criação de mais redes de apoios e exercitarem a sororidade para mudar emergencialmente esse quadro gritante de sofrimento”, pontuou.

Redpills

Além da violência física, autoridades e movimentos apontam para o avanço de discursos de ódio nas redes sociais como fator que agrava o cenário. Nesta semana, por exemplo, ganhou grande repercussão o caso envolvendo o influenciador conhecido como “Calvo do Campari”, identificado como Thiago Schutz. Ele foi preso após ser denunciado por sua então namorada, Laís Angeli Gamarra, por agressões. A mulher relatou o episódio em vídeos nas redes sociais, afirmando ter sido atacada dentro de casa.

O influenciador publicou vídeos afirmando que houve agressão mútua e negou tentativa de violência sexual, mas a Justiça concedeu medidas protetivas à vítima, impedindo qualquer aproximação.

O caso reacendeu o debate sobre a influência de conteúdos associados ao chamado movimento “redpill”, que disseminam discursos de desprezo às mulheres, negação da violência de gênero e exaltação de relações de poder baseadas na dominação. Para organizações feministas, esse ambiente digital contribui para a legitimação simbólica da violência, criando uma cultura que banaliza o abuso e dificulta denúncias.

O episódio também evidenciou o risco da visibilidade tóxica: quanto maior a audiência, maior o alcance de discursos que reforçam desigualdade, misoginia e controle emocional.

No Congresso, a presidente da Comissão da Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara, deputada Célia Xakriabá, afirmou que o país vive uma calamidade humanitária.

“Nós, enquanto presidenta da Comissão da Mulher, nós estamos vivenciando a maior pandemia da violência, que tem sido a arma mais letal. E eu sempre digo que, infelizmente, para essa violência não tem uma vacina. A vacina vai ser, inclusive, os homens se comprometendo a entrar nessa campanha, que é pela vida das mulheres, mas também é pela vida das crianças”, disse a deputada em declaração enviada ao Correio, na qual tabém apontou que a escalada recente confirma o colapso da proteção estatal: 

“O Brasil teria que decretar uma emergência humanitária ou uma emergência mulheritária diante desse momento, quando nós acompanhamos, sobretudo mais intensificado nas últimas semanas, que nós estamos perdendo mulheres para o feminicídio, como se nós estivéssemos numa zona de guerra”, disse ela que também tratou as mortes por feminicídio como uma questão e humanitária”.

No Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também se pronunciou na última quarta-feira (3/12) e fez um apelo direto aos homens.“É preciso criar um grande movimento nacional contra os homens que batem e maltratam as mulheres”, declarou o petista que

Em tom pessoal, ele citou conselhos da mãe, Eurídice Ferreira de Mello, conhecida como “Dona Lindu”. “Ela dizia que nenhuma briga se resolve com violência. Nenhum motivo justifica levantar a mão contra uma mulher”.

Já a ministra das Mulheres, Márcia Lopes, afirmou que a naturalização da violência precisa ser enfrentada de forma direta. “Não podemos, jamais, naturalizar essa situação, como parte da sociedade acaba fazendo ao longo dos anos. É inacreditável essa cultura, quase que incorporando a violência como um ato normal de uma relação, pelo machismo, pela misoginia, por tudo aquilo que a gente tem historicamente na sociedade.

Segundo a ministra, o governo ampliou a integração com estados e municípios, reforçou o canal Ligue 180, expandiu a rede de acolhimento e inseriu ações de prevenção em escolas e universidades.

Entre dados, crimes e discursos públicos, o que emerge é a constatação de que a violência contra mulheres no Brasil deixou de ser exceção para se tornar padrão. A cada novo caso, a urgência é renovada. E a cada silêncio, mais vidas são colocadas em risco.

Em meio à escalada de violência contra a mulher, uma pergunta ecoa nas ruas, nas redes e nas instituições: quantas ainda precisarão morrer para que medidas estruturais saiam do papel?

 


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Por Wal Lima
postado em 07/12/2025 04:48
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