
"Vai me devolver o celular ou a gente vai resolver de outra maneira?", teria indagado um estudante ao professor após ser flagrado com o aparelho em sala de aula e ter o objeto confiscado. Na terça-feira (18/2), um docente, deficiente visual, foi agredido com quatro socos, desferidos por dois alunos, em um ponto de ônibus próximo ao Centro de Ensino Vale do Amanhecer, em Planaltina. O motivo da agressão teria sido a atitude do professor, de fazer cumprir a lei que determina a proibição de celulares na sala de aula.
A determinação da escola é de que os alunos coloquem o celular todo dia em bolsas lacradas e entreguem à diretoria no início do turno. No entanto, durante a aula, o professor flagrou o aluno com o aparelho e avisou à diretoria, que confiscou o telefone. Revoltado, o estudante teria ameaçado o professor, pois queria que o docente devolvesse o celular a ele antes do fim das aulas. "Foi você, né, seu cagoeta?", teria questionado o aluno após ser obrigado a entregar o aparelho à diretoria.
Na saída da escola, o professor pegou o mesmo ônibus que o aluno e, ao descerem da condução, o estudante, de 17 anos, e outro aluno da mesma idade, passaram a seguir o professor. Os alunos deram o primeiro soco na cabeça dele, pelas costas. O segundo soco foi nas costas, o terceiro na nuca e o quarto, no olho direito. "Eu tenho deficiência visual justamente nesse olho, que agora está mais sensível ainda à luz", relatou o docente ao Correio, consternado e com a voz trêmula.
Dali, mesmo fragilizado, ele seguiu para a 16ª Delegacia de Polícia, de Planaltina, para registrar boletim de ocorrência. "Depois fui ao Instituto Médico Legal (IML) fazer exame de corpo de delito", contou. "Eu queria ter tido mais apoio da escola depois do que aconteceu. Tive que ir sozinho à delegacia, mesmo machucado", completou. Segundo o professor, não há policiamento ao redor do centro de ensino. "É preciso mais do que transferir os alunos. São necessárias políticas públicas mais efetivas voltadas ao combate à violência nas escolas", frisou.
Medidas
Procurada pelo Correio, a Secretaria de Educação do DF (SEDF) informou que a pasta e a Coordenação Regional de Ensino de Planaltina adotam medidas para garantir o acolhimento e o suporte necessários à comunidade escolar. "A Coordenação Regional esteve na escola acompanhada de representantes do Sindicato dos Professores (Sinpro) e de profissionais da área de saúde, incluindo psicólogos, para oferecer apoio ao professor e aos demais docentes. Além disso, a SEDF está em articulação com o Ministério Público para a realização de oficinas de acolhimento e mediação de conflitos", escreveu a pasta em nota.
A SEDF afirmou que a Assessoria Especial de Cultura de Paz promove programas educativos voltados à valorização do respeito, da empatia e da convivência pacífica no ambiente escolar. Destacou ainda que, "de acordo com o regimento escolar, a direção pode adotar a aplicação das providências disciplinares necessárias, a seu critério. A pasta repudia qualquer ato de violência e reforça seu compromisso em garantir um ambiente escolar seguro e respeitoso. A SEDF segue acompanhando a situação e implementando ações para fortalecer a segurança e o bem-estar da comunidade escolar."
Segundo a pasta, os alunos não serão expulsos e "a direção da unidade acionou os responsáveis para que as medidas cabíveis sejam adotadas".
Perguntada sobre intensificar o policiamento na região após o ocorrido, a tenente-coronel Renata Cardoso, comandante do Batalhão de Policiamento Escolar (BPESC), informou que o policiamento já é reforçado em todo o DF. "O BPESC atua por meio de rondas, cumprindo um roteiro de policiamento ostensivo de acordo com as informações recebidas pelo registro de ocorrências."
Histórico
A equipe do Correio esteve na escola e tentou contato com a diretora da unidade, mas foi informada de que a gestora não estava autorizada a conceder entrevistas. Em frente ao portão, responsáveis e alunos aceitaram falar, sob a condição de não revelarem suas identidades.
"Eu falo, mas não digo meu nome. Aqui (no bairro) é tanta violência, que é perigoso virem atrás de mim. Todos os dias tem briga, a polícia nunca vem, só depois da tragédia, e olhe lá. Ontem (terça-feira) duas meninas, alunas do fundamental, estavam brigando", afirmou uma mãe, indignada, enquanto esperava o transporte em uma parada de ônibus próxima à escola.
Sobre a briga citada pela entrevistada, a Polícia Militar informou que foi acionada por volta das 15h50 de terça-feira. "O BPESC atendeu uma ocorrência de briga entre meninas dentro do colégio. A diretora informou que houve uma desavença e discussão entre algumas meninas dentro da escola. Contudo, não houve necessidade de deslocamento para registro, pois ambas fizeram as pazes na direção. A diretora tomou as medidas cabíveis de suspensão para as envolvidas", escreveu a corporação.
Quem atua em comércios próximos à unidade educacional afirma que as brigas são rotina. "Há duas semanas, a diretora foi separar uma confusão e levou uma 'cadernada' nas costas." Enquanto a equipe estava no local, observou que adolescentes fumavam nas proximidades, sem medo de serem repreendidos. Enquanto isso, outros comentavam sobre o episódio de agressão e diziam que "quem bateu nele vai ter o que merece!".
Um funcionário da escola, que preferiu não se identificar, afirmou à reportagem que a violência é maior no período da tarde, mas que o Batalhão Escolar apoia a instituição. Por outro lado, os alunos afirmam que a presença da polícia é raridade no perímetro escolar.
Segundo Raphael Cardoso, psicólogo e pesquisador colaborador do Laboratório de Etologia da Universidade de Brasília (UnB), há vários fatores para a manifestação da violência. "Os jovens refletem, de certa maneira, uma sociedade também violenta; essa mesma sociedade não habilita suas crianças e jovens a lidar com frustração e, tampouco, a internalizar regras sociais de convivência; negligência da família e comunidade no acompanhamento e formação das crianças e jovens. No caso da agressão perpetrada pelos jovens contra um professor, reflete também a desvalorização e a perda da autoridade de professores e profissionais da educação. Essa condição é muitas vezes estimulada por representantes do poder público."
Crime
O delegado-adjunto da 16ª Delegacia de Polícia (DP) de Planaltina, Veluziano de Castro, afirmou que os dois menores envolvidos foram identificados. "O registro foi feito aqui, porque o fato ocorreu em nossa área, no Vale do Amanhecer, mas, por se tratar de dois adolescentes, a investigação será da DCA (Delegacia da Criança e do Adolescente). Todas as oitivas e declarações de testemunhas serão feitas lá", afirmou.
Os menores não foram apreendidos, uma vez que não houve flagrante. "Sobre punição, a pena máxima para adolescentes que cometem crimes envolvendo violência e grave ameaça é de três anos. Eles podem ficar internados, provisoriamente, por 45 dias, mas, no máximo, por três anos. Isso será avaliado na representação." O professor foi orientado a procurar o Instituto Médico Legal (IML) para ser submetido ao exame de corpo de delito.
Sobre os direitos do professor, a advogada Jéssica Marques, especialista em direito penal, apontou que a vítima possui o direito de requerer indenização pelos danos morais e materiais sofridos em decorrência da agressão.
A advogada lembrou que os pais são os responsáveis legais pelos filhos menores de idade. Logo, os prejuízos de ordem moral ou material ocasionados pelos filhos serão responsabilidade deles.
Relembre casos de violência contra professores do DF
2008: assassinato do diretor Carlos Ramos Mota, no Lago Oeste
O caso mais grave de violência contra um profissional da educação no DF ocorreu em 2008, quando Carlos Ramos Mota, diretor de uma escola pública no Lago Oeste, foi assassinado por um ex-aluno e dois estudantes a mando de um traficante da região.
O educador, que tentava impedir a venda de drogas na escola, havia confrontado Gilson de Oliveira, criminoso local, que planejou a execução de Carlos. Na madrugada do crime, Mota ouviu barulhos no quintal de casa e acionou a polícia. Antes da chegada da viatura, foi baleado no peito, ao sair para verificar a movimentação, e morreu.
A investigação revelou que o assassinato foi cometido por Alessandro José de Souza, Carlos do Nascimento e Benedito Alexandre do Nascimento, sob ordens de Gilson. Todos foram presos e condenados. O colégio, posteriormente, foi rebatizado como Centro Educacional Carlos Ramos Mota em homenagem a ele.
2019: professor de matemática é agredido por aluno em Ceilândia
No caso mais recente, um professor de matemática foi espancado com uma voadora, chutes e socos por um aluno de 16 anos, que se irritou com a correção de um exercício de raciocínio lógico. Segundo a Coordenação Regional de Ensino de Ceilândia, o professor, identificado como Giuliano Rodrigues Santos, 36 anos, discutiu com o adolescente, que cursava a quinta série na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Nervoso com as correções do educador, o jovem amassou a folha de questões, arremessou contra o professor e saiu da sala.
No corredor da instituição de ensino, Giuliano tentou acalmar o aluno, mas foi surpreendido pela agressão. Outros estudantes presenciaram o ataque, mas não interferiram. A vítima registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). O agressor, que já possuía histórico de indisciplina e havia sido reprovado em cinco disciplinas no ano anterior, foi suspenso e transferido para outra escola. Apesar das medidas adotadas, o professor decidiu mudar de unidade de ensino devido ao impacto do incidente.
2008: professor é espancado por ex-Aluno e comparsas em Ceilândia
Em outro episódio, em 2008, Valério Mariano, professor de história e coordenador pedagógico do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 04 de Ceilândia, foi violentamente agredido com socos e chutes por um ex-aluno e dois comparsas, após tentar impedir a entrada do jovem na escola.
O agressor, que havia sido expulso da instituição anos antes, tentou permanecer na unidade com a namorada dele, estudante do CEF 04. Diante da recusa do coordenador, ele iniciou a agressão dentro da escola e, em seguida, quebrou o vidro de um carro no pátio antes de fugir.
Valério o seguiu por duas ruas, mas foi surpreendido por outros dois homens, que se juntaram ao jovem para espancá-lo com socos e chutes até deixá-lo inconsciente. O professor foi socorrido por um colega e recebeu atendimento médico, ficando internado até o fim da noite. O caso gerou revolta entre a comunidade escolar e levou ao reforço da segurança no colégio pelo Batalhão Escolar da Polícia Militar.
Artigo - Como acabar com a violência nas escolas?
Garantir a segurança dos estudantes e demais pessoas da comunidade escolar, diante do atual contexto social, em que lidamos com constantes situações de enfretamento que, por muitas vezes, culminam em violência física ou psicológica, tem sido desafiador para os gestores escolares, seja qual for a classe econômica ou cultural do público atendido.
Lidar com a violência no ambiente escolar afeta não apenas a segurança física dos envolvidos, mas também o ambiente de aprendizagem, a convivência social e o bem-estar emocional dos estudantes e educadores.
Essa temática revela a urgência de um trabalho mais profundo sobre a prevenção à violência nas escolas, especialmente em um cenário onde o uso excessivo de celulares tem gerado conflitos no ambiente escolar. Esse é um importante momento que as equipes pedagógicas possuem para revisar as estratégias de atuação no que diz respeito aos programas preventivos e que buscam a cultura de paz nas escolas.
O papel das escolas é fundamental na formação de cidadãos críticos e respeitosos, e, por isso, precisam adotar iniciativas que trabalhem a conscientização e o respeito mútuo. Dessa forma, a implementação de projetos propostos pela gestão escolar deve envolver os estudantes, as famílias e demais membros da escola, para promover um ambiente saudável e seguro para todos.
Uma estratégia a ser adotada pode ser a educação para o respeito e convivência pacífica, com ênfase no respeito, na empatia e na boa convivência. Essa iniciativa deve incluir discussões sobre os direitos e deveres de todos os membros da comunidade, considerando sempre as diferenças e a inclusão.
Os programas de mediação de conflitos podem oferecer importante suporte aos professores, com técnicas de diálogo e comunicação não violenta, ajudando a resolver disputas de forma pacífica e construtiva. Estudantes que saibam lidar com suas emoções e aprendem a negociar diferenças têm menos chances de se envolverem em comportamentos violentos.
A respeito do trabalho com a inclusão digital e o uso consciente dos celulares, é fundamental que sejam desenvolvidas orientações claras sobre o uso desses dispositivos, que integrem a formação sobre o seu uso responsável.
A prevenção à violência escolar não deve ser uma responsabilidade exclusiva da escola. Para tanto, a parceria com os pais e a comunidade é essencial para definir a responsabilização de cada um, estabelecendo um entendimento comum sobre as normas de convivência e a importância da educação para a paz.
Joana Cândida Pinheiro Lima, psicóloga e especialista em educação do Grupo UBEC
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Letícia Guedes
RepórterBrasiliense nascida em 2003, jornalista formada pela Universidade Paulista e pós-graduanda em Jornalismo Investigativo. Como estagiária, atuou na produção do Repórter DF, antigo jornal local da TV Brasil, e na Revista do Correio. Atualmente, é repórter d