
O consumo de medicamentos para disfunção erétil, especialmente a tadalafila, cresceu de forma acelerada no Brasil. Dados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostram que em 2020 foram comercializadas 21,4 milhões de cartelas do medicamento, número que saltou para 64,7 milhões em 2024 — um aumento de mais de 200% em apenas quatro anos. A preocupação com o uso não supervisionado do medicamento não é novidade, mas é a combinação com bebidas energéticas que vem acendendo o alerta de especialistas.
A inquietação com o consumo desenfreado vem justamente de uma subnotificação de casos, que não são levados às autoridades. De acordo com o Painel de Farmacovigilância, de 2018 até o momento foram registradas 76 notificações de eventos relacionados ao uso de tadalafila, sendo 46 em São Paulo, 1 no Rio de Janeiro e as outras sem informação de estado de origem. De acordo com a Secretaria de Saúde (SES-DF), nos últimos três anos foram registrados 10 casos de intoxicação com efeitos graves por sildenafila (uma das variantes desse tipo de medicamento).
O vendedor Daniel Taaft*, 28 anos, morador da Estrutural, nunca havia usado estimulantes sexuais antes e resolveu tentar em um dos encontros com a namorada. A escolha não teve resultado positivo. "Nunca precisei disso, mas resolvi testar de tanto ouvir amigos falarem. Lembro-me que comecei a sentir muito frio e enjoo. Sentia meu coração batendo além da conta e depois de um tempo, acabei vomitando", relembra.
Bebidas energéticas
Se não bastasse o perigo do consumo desenfreado do medicamento, outro produto vem ganhando espaço no carrinho de compras dos consumidores. O consumo de bebidas energéticas também ganhou força no Brasil. Em 2024, alcançou 38% dos lares do país — que hoje somam-se em 90 milhões. Segundo levantamento da Kantar, plataforma de pesquisa de mercado, até setembro do ano passado, essa categoria de bebida conquistou 22 milhões de novos domicílios, consolidando-se como uma das mais presentes no carrinho de compras dos brasileiros. Fora de casa, o avanço também foi expressivo: os energéticos chegaram a 22% da população, com cerca de 9 milhões de novos compradores.
Remston Alves*, 25, morador do Gama, tomava energético desde os 17 anos até sentir os efeitos. "Sempre que ia em festas tomava combo (vodka e energético). Ajudava a ficar mais alegre e aguentar as festas. No dia a dia, também tomava para ficar mais acordado. Até que passei a ter insônia com mais frequência e também ansiedade (com alguns episódio de vômito e dificuldade para respirar). Foi aí que o médico pediu parar, se eu não quisesse piorar", disse.
Perigo
Para piorar, o crescimento conjunto do consumo dos dois produtos revela um cenário alarmante. Segundo o professor da Universidade de Brasília (UnB) e médico, Rômulo Maroccolo Filho, mesmo dentro das indicações médicas, a tadalafila e suas variantes pode trazer efeitos colaterais, como dores de cabeça intensas, dores musculares prolongadas e desconfortos gastrointestinais. "Se até quem realmente precisa do medicamento enfrenta riscos, imagine quem faz uso sem necessidade clínica. Trata-se de uma pessoa que não terá benefício comprovado e ainda estará exposta aos mesmos efeitos adversos", alerta.
O médico destaca que, antes de prescrever o fármaco, é necessário avaliar a condição cardiovascular do paciente, pois o efeito vasodilatador pode agravar problemas preexistentes. No entanto, o uso sem prescrição médica ocorre de forma indiscriminada, sem qualquer avaliação especializada. "Ninguém procura um cardiologista antes de tomar tadalafila para ir à academia, mas esse deveria ser o caminho. Toda medicação traz riscos indeterminados, inclusive reações alérgicas ou complicações graves que não estão descritas na bula", afirma.
Maroccolo Filho também chama a atenção para a busca por desempenho sexual imediato entre jovens saudáveis. "A tadalafila não é afrodisíaco. Se um homem jovem tem dificuldades de ereção, muitas vezes isso está ligado a questões emocionais, como ansiedade e estresse, ou até a doenças em estágio inicial, como hipertensão e diabetes. Ao mascarar esses sinais com o remédio, ele pode deixar de investigar a real causa do problema e agravá-lo no futuro", explica.
O alto consumo de energéticos vem para somar ainda mais carga explosiva a essa verdadeira bomba-relógio. O cardiologista Renato David, coordenador do serviço de arritmologia do Hospital Anchieta explica que os riscos vão desde complicações cardiovasculares, como hipertensão, isquemia miocárdica e arritmias, até impactos psiquiátricos e neurológicos, como irritabilidade, insônia, dependência e até crises convulsivas. "Esses efeitos são ainda mais pronunciados em populações de risco, como crianças, adolescentes e pessoas com doenças cardíacas. Por isso, não recomendamos o uso regular desses estimulantes", ressalta.
Embora ainda faltem estudos conclusivos sobre o limite seguro, o especialista afirma que a ingestão de até 400mg de cafeína por dia pode ser considerada aceitável para adultos saudáveis. No entanto, ele reforça que doses menores são indicadas para populações vulneráveis, como gestantes, cardiopatas e jovens. "Crianças e adolescentes são os mais expostos a complicações graves, justamente por suas características fisiológicas e pelo neurodesenvolvimento ainda em curso. Nesses grupos, os efeitos cardiovasculares, neurológicos e psiquiátricos podem ser mais intensos", explica.
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Contra a venda ilegal
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) informou que a tadalafila, que é disponibilizada no Ambulatório do Homem do Hospital Regional da Asa Norte (Hran), só é permitida a pacientes que estão em acompanhamento hospitalar. "Esse medicamento é prescrito no Hran, sendo acessível apenas aos pacientes acompanhados nesse serviço", destaca a pasta.
De acordo com a Diretoria de Vigilância Sanitária (Divisa), a tadalafila está entre os estimulantes sexuais mais vendidos no DF, ao lado de outros fármacos da mesma categoria, como a sildenafila e a vardenafila. A Divisa destaca, porém, que não possui dados relacionados ao comércio on-line. "A fiscalização do mercado digital de medicamentos representa um desafio significativo para as autoridades sanitárias em todos os níveis, devido à dinâmica e complexidade envolvidas", informa o órgão.
No âmbito nacional, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforça que a comercialização de medicamentos sem registro é proibida. Recentemente, a agência determinou a suspensão da fabricação, distribuição e propaganda do produto Metbala, da empresa FB Manipulação Ltda., por não possuir qualquer tipo de regularização. "De acordo com a legislação, medicamentos só podem ser comercializados por farmácias e drogarias e precisam estar registrados na agência", explicou a Anvisa, lembrando que o registro é a garantia de eficácia, segurança e qualidade do produto.
A agência também alerta para os riscos da automedicação e para a gravidade de anúncios enganosos envolvendo medicamentos sem registro. "Esses produtos não são inofensivos. Quem faz a propaganda de produtos irregulares também comete infração sanitária e está sujeito a penalidades, incluindo multas", reforçou a instituição.
*Nome fictício para preservar a identidade dos entrevistados
Riscos do consumo
- Complicações cardiovasculares: O consumo pode causar hipertensão, isquemia miocárdica (redução do fluxo sanguíneo para o coração) e arritmias (batimentos cardíacos irregulares)
- Problemas neurológicos: Os efeitos incluem irritabilidade, insônia, dependência e até crises convulsivas
- Efeitos colaterais da tadalafila: Mesmo com indicação médica, o uso pode provocar dores de cabeça intensas, dores musculares prolongadas e desconfortos gastrointestinais
- Agravamento de problemas preexistentes: A tadalafila tem um efeito vasodilatador que pode piorar condições cardiovasculares já existentes
- Mascaramento de doenças: Em vez de tratar a causa de problemas como disfunção erétil, o uso da tadalafila pode apenas mascarar os sintomas, impedindo o diagnóstico de doenças como hipertensão e diabetes em estágio inicial
- Riscos para grupos vulneráveis: Crianças, adolescentes, gestantes e pessoas com doenças cardíacas são mais suscetíveis a complicações graves, pois seus corpos e sistemas neurológicos estão em desenvolvimento ou estão comprometidos
Conscientização
O Agosto Azul e Vermelho foi criado em 2021 para alertar a população sobre a prevenção e os cuidados com a saúde vascular. A escolha está relacionada ao Dia do Cirurgião Vascular, comemorado em 15 de agosto. A campanha de conscientização visa ampliar o conhecimento sobre doenças que afetam artérias, veias e vasos linfáticos, responsáveis por parcela relevante das mortes e incapacidades no Brasil e no mundo. As cores da campanha representam o sistema vascular: azul para o sangue venoso, com menor concentração de oxigênio, e vermelho para o sangue arterial, rico em oxigênio.
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