AQUECIMENTO GLOBAL

Oceano é peça-chave no combate à crise climática, alertam especialistas

Cobertura marítima é responsável por absorver 30% do carbono emitido, mas já começa a sentir os efeitos das altas emissões

oceano, poluição por plásticos -  (crédito: Naja Bertolt Jensen/Unsplash)
oceano, poluição por plásticos - (crédito: Naja Bertolt Jensen/Unsplash)

Com os recordes de calor nos últimos anos, as discussões sobre reduzir as emissões de carbono se tornaram mais frequentes, mas há um fator importante nessa equação que merece mais destaque: os oceanos. Neste mês, governos, pesquisadores e organizações da sociedade civil participaram da Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos (Unoc, na sigla em inglês).

O evento, sediado em Nice, na França, chama atenção para a importância da proteção dos oceanos tanto em territórios nacionais quanto águas internacionais, aquelas que não estão sob jurisdição de nenhum país. 

Classificado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como “o maior aliado do mundo contra as alterações climáticas”, o oceano absorve cerca de 30% de todo o carbono emitido no planeta, além de capturar 90% do calor gerado pelas emissões. “O oceano é o maior ecossistema do planeta, portanto, todos nós dependemos do oceano de uma forma ou de outra”, destaca a vice-presidente adjunta da Oceana, Vera Coelho. 

A especialista destaca que é fundamental que a discussão esteja na agenda climática, com destaque na Conferência das Partes (COP) e na 80ª sessão da Assembleia Geral da ONU, que acontece em setembro. “É graças ao oceano que nós ainda não sentimos os piores impactos da crise climática matemática”, pontua. “No entanto, o oceano também já está a atingir o seu limite. Começamos realmente a ver impactos claros, fenômenos meteorológicos mais extremos, cheias, secas, tempestades, ondas de calor no mar, que têm um impacto devastador na vida marinha”. 

Uma das pautas mais urgentes é o Tratado de Alto Mar, que protege águas internacionais. O acordo alcançou 55 ratificações, mas precisa de 60 para entrar em vigor. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) declarou que o Brasil vai ratificar o tratado neste ano. 

Vera Coelho, Oceana Europa
Vera Coelho, Oceana Europa (foto: Divulgação/Oceana)

Desafios 

A importância do ecossistema marinho levou a ONU à criação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 14. A meta prevê a conservação dos oceanos, mares e os recursos marinhos. 

Ainda assim, a bióloga e doutora em meio ambiente Carolina Cardoso, da Painel Mar, destaca que as ações ainda são insuficientes e o financiamento climático está abaixo do necessário. “Seriam necessários cerca de US$ 175 bilhões por ano para alavancar os objetivos da ODS14, mas foram mobilizados de fato cerca de US$ 10 bilhões de novos financiamentos”, comenta. 

Leia também: O alerta dos novos peixes-palhaço sobre o estado dos oceanos no mundo

Apesar da defasagem, Cardoso aponta avanços nas discussões, como a adesão do Brasil e outros países à Meta 30×30, que busca incluir 30% dos oceanos nas áreas protegidas até 2030. 

Neste ano, um dos desafios das organizações é fazer com que os países incluam metas específicas para preservação dos oceanos na Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), documento que detalha quais as estratégias para conter a crise climática. 

A discussão é também fundamental à medida que a COP30 se aproxima e alguns países ainda não entregaram as NDCs, o que pode representar falta de compromisso com a agenda climática. 

A especialista, no entanto, aponta contradição nas políticas brasileiras. Na última terça-feira (17/6), uma semana após a Unoc, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) iniciou o leilão para concessão de blocos exploratórios de petróleo. A oferta inclui a bacia da foz do Rio Amazonas e outras áreas marítimas brasileiras. “Hoje, existem muitos blocos de exploração de petróleo sobrepostos a ambientes extremamente sensíveis com recifes de coral”, alerta. 

Bióloga e doutora em meio ambiente Carolina Cardoso, da Painel Mar
Bióloga e doutora em meio ambiente Carolina Cardoso, da Painel Mar (foto: Arquivo pessoal)

O Projeto de Lei nº 2159/21, conhecido como PL da Devastação, também é uma ameaça para os oceanos e comunidades que precisam da vida marinha para sobrevivência. “Pode parecer não ter uma ligação muito forte, mas ele fragiliza a implantação de empreendimentos e a gente tem hoje em dia uma série de empreendimentos nas áreas costeiras, isso torna os ambientes marinhos e costeiros mais vulneráveis à degradação”, alerta. “O PL também atinge direto os pescadores, que vão ter os seus ambientes de pesca muito fragilizados e expostos à implantação de grandes empreendimentos”. 

Ameaças 

Em 2021, a ONU declarou o período que se estende até 2030 como a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. A iniciativa busca estimular estudos, ações e políticas públicas para manter o ecossistema oceânico. 

O doutor em oceanografia e professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp) Ítalo Castro explica que a iniciativa leva em consideração a importância da biodiversidade dos oceanos para a manutenção das condições ambientais. “Em última instância, o ar que respiramos, a água que bebemos e a comida que comemos dependem dessa biodiversidade, sobretudo da biodiversidade oceânica”, afirma. 

Ele destaca a centralidade dos oceanos para o enfrentamento da tripla crise planetária, conceito usado por organizações científicas e pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para designar os três principais problemas enfrentados pela humanidade atualmente: mudanças climáticas, poluição e perda de biodiversidade. “O oceano é um sumidouro, porque ele tira o carbono da atmosfera, só que nós estamos jogando tanto que ele não dá mais conta de tirar sem sofrer alterações, como o aquecimento e a acidificação”, alerta. 

A vida marinha sofre ainda com a poluição por plásticos em seus variados tamanhos. Os macroplásticos podem causar efeitos drásticos aos animais, como sufocamento, obstrução do trânsito intestinal e até fazer com que alguns deles fiquem presos nos objetos e vulneráveis a predadores. Já os tão falados microplásticos, partículas de até 5 milímetros, podem ter uma série de efeitos ainda em estudo para a saúde humana e dos outros seres vivos.

Esses fragmentos derivados da composição do plástico se espalham facilmente, infiltram no solo, entra no corpo dos organismos, até mesmo dos humanos. “Já encontraram microplástico no topo do Everest, só não se encontrou microplástico ainda onde não se procurou”, pontua. 

A solução para a redução desses poluentes, diz o professor, não está só no descarte correto e na reciclagem, mas na própria redução da produção de produto. “Cabe ressaltar que a produção de plástico tem uma alta emissão de CO2”, afirma.

Ítalo Castro, doutor em oceanografia e professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp) Ítalo Castro
Ítalo Castro, doutor em oceanografia e professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp) Ítalo Castro (foto: Acervo pessoal)

Mas a discussão vai além, e leva ao tópico central dos debates em meio ambiente na atualidade. O abandono do petróleo e dos combustíveis fósseis é um fator essencial apontado pelos ambientalistas para a preservação dos oceanos e combate à crise climática.

Nos últimos três anos, a COP foi sediada em países petroleiros: Egito, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão. Embora a economia brasileira não seja baseada em petróleos nos mesmos percentuais dos antecessores, as discussões sobre o combustível fóssil devem enfrentar resistência de lobbies e conflitos de interesses em Belém.

  • Bióloga e doutora em meio ambiente Carolina Cardoso, da Painel Mar
    Bióloga e doutora em meio ambiente Carolina Cardoso, da Painel Mar Foto: Arquivo pessoal
  • Ítalo Castro, doutor em oceanografia e professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp) Ítalo Castro
    Ítalo Castro, doutor em oceanografia e professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp) Ítalo Castro Foto: Acervo pessoal
  • Vera Coelho, Oceana Europa
    Vera Coelho, Oceana Europa Foto: Divulgação/Oceana
postado em 30/06/2025 18:00 / atualizado em 30/06/2025 18:03
x