Visão do Direito

Empate e legalidade: julgamento de habeas corpus no colegiado da Justiça Eleitoral

"Esse movimento trouxe desafios interpretativos. Um dos mais sensíveis diz respeito à solução jurídica diante do empate em julgamentos de habeas corpus nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs)"

 Eixo Capital. Zilmar Antonio Drumond, mestre em direito pelo UniCEUB e procurador regional eleitoral do Distrito Federal -  (crédito:  Divulgação)
Eixo Capital. Zilmar Antonio Drumond, mestre em direito pelo UniCEUB e procurador regional eleitoral do Distrito Federal - (crédito: Divulgação)

Por Zilmar Antonio Drumond* — A Justiça Eleitoral, tradicionalmente voltada à fiscalização do processo democrático e à lisura das eleições, passou nos últimos anos por um importante alargamento de competência. Por força da decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Inquérito nº 4435, reconheceu-se que os crimes comuns conexos aos crimes eleitorais devem ser julgados pela própria Justiça Eleitoral. A consequência prática foi imediata: Os processos da Operação Lava-Jato foram remetidos à Justiça Eleitoral e, com eles, renomados advogados criminalistas passaram a atuar com frequência neste ramo especializado, trazendo consigo sua expertise em processo penal — e, em contrapartida, a necessidade de compreender os institutos e peculiaridades do processo penal eleitoral.

Esse movimento trouxe desafios interpretativos. Um dos mais sensíveis diz respeito à solução jurídica diante do empate em julgamentos de habeas corpus nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Advogados têm sustentado, equivocadamente, que, diante da alteração promovida pela Lei nº 14.836/2024, a aplicação do art. 615, §1º do Código de Processo Penal (CPP), que prevê decisão favorável ao réu em caso de empate em recurso em sentido estrito. Contudo, essa norma não se aplica ao habeas corpus.

O art. 615, §1º está no Título II - Do Processo em Grau de Recurso, Capítulo I - Do Recurso em Sentido Estrito, com aplicação restrita aos recursos criminais típicos. Já o habeas corpus está regulado no Título III - Dos Processos Especiais, Capítulo X - Do Habeas Corpus e do Mandado de Segurança. Lá está o art. 644, parágrafo único, que dispõe expressamente: "Se o julgamento não se completar, por falta de maioria, o presidente da Câmara ou turma terá voto de desempate."

Ignorar o art. 644 para aplicar o 615 é descuidar de norma específica em favor de regra geral, contrariando princípios elementares de hermenêutica. O habeas corpus é ação autônoma com rito próprio. Quando a lei prevê de forma clara o voto de qualidade do presidente, não há espaço para se invocar outra regra por conveniência. O princípio da legalidade, especialmente no processo penal, exige observância estrita das normas aplicáveis ao caso concreto.

 

Na Justiça Eleitoral, há reforço normativo. O Código Eleitoral (art. 28, §1º) e os regimentos internos dos TREs confirmam que, em caso de empate, o presidente da Corte profere voto de desempate. Essa solução é compatível com a lógica institucional de tribunais com composição votante paritária, em que o voto do presidente assegura a conclusão do julgamento.

A defesa da liberdade deve respeitar a legislação vigente. Não se promove garantismo jurídico com inovações interpretativas ou atalhos convenientes. O habeas corpus é, sim, um instrumento essencial de tutela da liberdade, mas ele também está sujeito ao devido processo legal — e nele se inclui, na Justiça Eleitoral, o voto de qualidade do presidente em caso de empate, como previsto expressamente na legislação processual penal e eleitoral. 

Mestre em direito pelo UniCEUB e procurador regional eleitoral do Distrito Federal*

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Por Opinião
postado em 26/06/2025 03:30
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