
Numa sessão com muitas homenagens, que mostram o apreço e o respeito conquistados em quatro décadas de magistratura, o desembargador Getúlio Vargas de Moraes Oliveira despediu-se da toga nesta semana pela segunda vez.
Em 2006, ele decidiu se aposentar. Retirou-se do cargo, mas cinco anos depois, em 2011, retornou. É que o Tribunal de Contas da União (TCU) refez as contas de seu tempo de serviço e considerou que ele ainda tinha alguns anos para se dedicar à magistratura.
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Pode-se dizer que o período da volta foi um dos mais marcantes de sua trajetória. O magistrado exerceu a presidência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal
e Territórios no biênio 2014-2016. Na sua gestão, inaugurou fóruns, instalou 16 novas varas, empossou 48 novos juízes e 729 servidores e implantou o processo judicial eletrônico, além do Projus (Programa de ) que permitiu que as custas geradas no tribunal pertencessem ao próprio TJDFT.
Discreto e rígido, ele impediu que filhos e parentes exercessem cargos comissionados durante a sua gestão na presidência. Sempre considerou que um magistrado precisa demonstrar integridade em todas as ações.
Nascido em uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, Monte Carmelo, a 500 km de Belo Horizonte, o desembargador descobriu ainda adolescente a vocação para a magistratura.
Tinha entre 16 e 17 anos quando "proferiu" a primeira sentença. Ele leu o processo, preparou o veredito e submeteu a obra ao juiz da comarca em que trabalhava auxiliando a vara em audiências, como exímio datilógrafo, e teve a decisão aprovada com apenas alguns ajustes. O magistrado disse: "vou assinar como se fosse minha".
A vocação é uma questão de família. Getúlio tem um irmão, Eduardo Alberto Moraes Oliveira, que é desembargador aposentado, cujo filho, James Moraes Oliveira, seguiu o caminho do pai e do tio. Também é desembargador do TJDFT. Uma das filhas de Getúlio, Raquel Mundim Moraes Oliveira, é juíza, e casada com um juiz, Rodrigo Otávio Donatti Barbosa, filho do ex-presidente do TJDFT Otávio Augusto Barbosa.
Brasília foi o destino da família mineira. Getúlio estudou em Uberaba e advogou em Monte Carmelo, mas fez um compromisso consigo mesmo de que exerceria a magistratura no Distrito Federal. Brasília foi a cidade escolhida para viver, trabalhar e criar os filhos.
Ao receber o título de cidadão honorário de Brasília, na Câmara Legislativa, em 2016, ele contou uma passagem de sua vida: "Em 1960, ainda criança, amparado pelas mãos dos meus pais, Jesus Rosa de Oliveira e Selva de Moraes Alves Oliveira, na plataforma superior da rodoviária de Brasília, enquanto aguardávamos o ônibus, lancei sobre esta magnífica cidade o primeiro olhar. Aquela imagem me fascinou porque os prédios, alguns ainda em obras, confundiam-se com o horizonte e pareciam um recorte no céu. Aquela imagem tornou-se-me uma memória permanente que teve repercussão em toda a minha vida".
O magistrado chegou na capital para morar em 1980, aos 28 anos, depois de ser aprovado em concurso público para juiz no ano anterior. Meses depois de assumir, ele se titularizou como juiz e apenas 12 anos depois foi promovido a desembargador.
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Sua passagem pela Corregedoria foi marcante. Entre 2002 e 2004, o desembargador promoveu uma reestruturação e correição nos cartórios extrajudiciais, e cassou a autorização de um dos tabeliães mais antigos da capital, Maurício de Lemos, por irregularidades. A medida foi aprovada pelo Tribunal de Justiça.
Getulio conhece o assunto. Ele é filho, neto e bisneto de tabeliães. Cresceu vendo o pai trabalhar. Hoje sua filha Cristina Mundim Moraes Oliveira seguiu a tradição da família. É tabeliã em Camaçari, na Bahia.
Na sua trajetória como juiz, segundo ele conta, um dos processos o marcou fortemente. Foi o episódio em que teve de decidir se uma criança, de um ano, deveria ou não se submeter a uma cirurgia no coração em que o risco de morte superava 95%.
A menina nasceu com um problema no coração que a deixava azul pela falta de ar. Uma cirurgia poderia salvá-la e era o que a mãe optara por fazer. Mas o pai não queria colocar a criança em risco tão alto. O caso foi parar na Justiça e coube a Getúlio tomar uma decisão tão dificil.
Ele lembra que foi para casa redigir a sentença que depois leu para os pais da menina. Houve choro e comemorações. A decisão foi a favor da cirurgia. A menina enfrentou o procedimento e sobreviveu, depois de uma cirurgia de 10 horas em São Paulo. "Esse processo marcou profundamente. Daí em diante eu que já tinha muita admiração pela magistratura passei a encará-la como como quem vê qualquer causa perante um altar".
Outras decisões de Getulio marcaram a jurisprudência. Em fevereiro, ao julgar recurso envolvendo uma idosa que caiu dentro de um restaurante, Getúlio fixou uma indenização de R$ 20 mil a ser paga pelo estabelecimento que falhou ao não sinalizar e isolar a área, configurando negligência e falha na prestação de serviços.
Em 2021, determinou que o DF pagasse R$30 mil a uma mulher que teve o útero perfurado ao inserir um DIU. Ressaltou que houve falha no protocolo médico. Outro voto que repercutiu veio de um processo em que o tribunal confirmou condenação da operadora Claro ao pagamento de R$ 16mil por ligações repetitivas.