Visão do Direito

A maldição do vencedor e as licitações

"A maldição do vencedor é um fenômeno descrito pela economia comportamental em referência à situação em que o vencedor de uma competição — v.g. um leilão — acaba enfrentando perdas financeiras ou resultados abaixo dos esperados por superestimar os retornos de suas decisões"

Luiz Carlos Quintella Neto, advogado no Escritório Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados. Mestre em direito e ciências jurídicas pela Universidade de Lisboa. Especialista em direito público pela Faculdade Baiana de Direito -  (crédito: Divulgação)
Luiz Carlos Quintella Neto, advogado no Escritório Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados. Mestre em direito e ciências jurídicas pela Universidade de Lisboa. Especialista em direito público pela Faculdade Baiana de Direito - (crédito: Divulgação)

Por Luiz Carlos Quintella Neto*— No dia a dia daqueles que trabalham com contratações públicas — agentes públicos, advogados, professores —, é possível ouvir relatos de empresas experientes que têm enfrentado grande dificuldade em obter contratos, em razão da aparição de novos concorrentes no mercado que oferecem propostas de preços em valores demasiadamente baixos, inclusive, sob o risco de executá-los em prejuízo.

Situações como essa ensejam uma reflexão sobre a maldição do vencedor, bem examinada em artigo redigido pelo economista e vencedor do Prêmio Nobel, Richard H. Thaler. 

A maldição do vencedor é um fenômeno descrito pela economia comportamental em referência à situação em que o vencedor de uma competição — v.g. um leilão — acaba enfrentando perdas financeiras ou resultados abaixo dos esperados por superestimar os retornos de suas decisões.

O conceito foi inicialmente concebido na literatura em 1971, por Capen, Clapp and Campbel, todos os três engenheiros da companhia americana Atlantic Richfield. O cenário ilustrativo era um ambiente de disputa, por várias empresas, pelo direito de explorar petróleo em um terreno específico. Cada uma dessas empresas faz uma estimativa sobre o valor desse direito com a ajuda de seus especialistas. O problema é que essas estimativas podem variar muito, pois é difícil prever com precisão a quantidade de petróleo existente no local. 

Assim, algumas empresas podem superestimar o valor do direito de exploração, enquanto outras podem subestimá-lo. Durante o leilão, mesmo que todas as empresas façam lances um pouco menores do que o valor estimado por seus especialistas, aquelas cujos especialistas fizeram previsões mais altas tendem a dar lances mais agressivos. Isso poderá conduzir a situação em que será vencedora do leilão precisamente a empresa que fez a estimativa mais otimista — e, portanto, poderá ter pago um valor acima do real. 

A empresa sofrerá a maldição do vencedor, a qual, no caso teorizado, pode ocorrer de duas formas: i. a empresa vencedora paga mais do que o valor real do terreno e tem prejuízo; ou ii. o terreno vale menos do que o esperado, o que não necessariamente gerará prejuízo, mas resulta em um lucro menor do que o estimado. 

Trata-se de fenômeno que tende a ocorrer em mercados que possuem a competitividade como princípio e pressuposto, como as licitações. Isso porque, quanto maior o número de competidores, mais agressivos serão os lances parasagrar-se vencedor de um certame. Ao mesmo tempo, num ambiente de muitos competidores, maiores são também as chances de que o vencedor, para ganhar dos demais, tenha superestimado o valor do objeto disputado. 

Imagine-se, nesse sentido, um pregão — como aqueles disputados pelo cliente —, cujo critério de julgamento é sempre o menor preço e cuja fase de lances estimula uma disputa acirrada entre os licitantes. Nesse cenário, um licitante pode, movido pelo desejo de vencer, reduzir sucessivamente seu preço para superar os demais, sem avaliar corretamente os custos reais da execução do contrato. Assim, ao sagrar-se vencedor, pode perceber que sua proposta é financeiramente insustentável, levando-o a executar o contrato com prejuízo.

Ainda que o exemplo do pregão simplifique o entendimento, a maldição do vencedor não se restringe a essa modalidade licitatória. O fenômeno também pode ser observado em contratações mais complexas e de valores mais elevados, as quais, em tese, atraem licitantes com maior capacidade econômico-financeira e apoiada por equipe técnica com aptidão a contribuir de forma qualificada na elaboração das propostas.

Em concorrências para concessões e Parcerias Público-Privadas — PPPs, por exemplo, os licitantes competem para oferecer as condições mais vantajosas ao poder público, seja em termos de outorga, seja tarifa ao usuário ou investimentos exigidos. A lógica é similar: para vencer a disputa, um concorrente pode subestimar riscos e custos operacionais, comprometendo a sustentabilidade do contrato a longo prazo. 

Deixa-se de considerar possíveis problemas relacionados a cláusulas contratuais excessivamente rigorosas — exigências de desempenho de difícil alcance, sanções severas, por exemplo —, deficiências na matriz de risco, fórmulas de revisão tarifária desfavoráveis, dificuldades pertinentes ao local de execução contratual — acessibilidade, condições climáticas, propriedades do solo — entre outros riscos relevantes.

Não por acaso, observa-se atualmente um movimento de renegociação de concessões firmadas nas primeiras rodadas de privatizações e PPPs no Brasil, em que operadores percebem que suas projeções iniciais eram excessivamente otimistas, demandando revisões contratuais para garantir a continuidade dos serviços essenciais.

Mesmo os licitantes mais experientes estão suscetíveis à maldição do vencedor. Richard Thaler explica isso, tratando sobre a probabilidade que há, mesmo para aqueles que conhecem os riscos, de sofrer a maldição do vencedor, ainda que não enfrentando prejuízos, mas por reduzirem mais do que seria necessário o seu lucro.

O autor apresenta, ainda, que, em certa medida, outros participantes de um certame competitivo podem estar adotando medidas irracionais, de forma que aquele competidor que percebe o erro de seus concorrentes tem duas opções: reduzir seus lances e lidar com as consequências, ou desistir de concorrer — o que não é uma solução satisfatória. 

É precisamente a situação vivenciada pelo cliente que, notando que as projeções de seus concorrentes estão equivocadas, não está disposto a seguir nas licitações, mas também não pretende sair do mercado em que atua há tanto tempo, com excelência.

Para Thaler, uma possível solução é compartilhar o conhecimento, de forma que mais e mais competidores conheçam os riscos da maldição do vencedor e deixem o "jogo" mais rentável para os competidores. 

É o que se pretende com este breve artigo. Quiçá, essas reflexões sobre a maldição do vencedor cheguem até os agentes privados que exercem suas atividades empresariais por meio de contratações públicas e as licitações tenham competidores menos propensos a diminuir de forma irresponsável suas propostas de preço.

Aos operadores do direito, cabe seguir agindo com diligência, contribuindo, por meio das ferramentas jurídicas disponíveis, com o aperfeiçoamento dos editais das licitações, que devem apresentar informações precisas sobre o objeto a ser contratado, e das diligências realizadas nas licitações, de forma a afastar empresas aventureiras e munir as bem-intencionadas, de forma a evitar que a gana de vencer enseje a oferta de propostas que futuramente se mostrarão inexequíveis. 

Advogado no Escritório Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados.Mestre em direito e ciências jurídicas pela Universidade de Lisboa. Especialista em direito público pela Faculdade Baiana de Direito*

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Por Opinião
postado em 03/07/2025 04:00
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