Visão do Direito

Equidade de gênero no Judiciário: o papel constitucional do CNJ

"A medida não cria privilégio indevido — corrige distorções históricas que mantêm as mulheres sub-representadas nos espaços de Poder do Judiciário"

"Temos presenciado, lamentavelmente, a tentativa de retrocesso com a movimentação na Câmara dos Deputados em sustar a eficácia da Resolução 492/2023 por meio de Projetos de Decreto Legislativo", afirma a advogada - (crédito: Mariana Lins )

Por Cristiane Damasceno* — O compromisso do Brasil com a igualdade de gênero não é uma opção política eventual, mas uma obrigação jurídica e constitucional. A Constituição Federal de 1988 consagra, em seu artigo 5º, inciso I, a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Vai além: em seu artigo 3º, inciso IV, estabelece como objetivo fundamental da República promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Esses preceitos dialogam diretamente com convenções internacionais ratificadas pelo Brasil, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) e a Declaração de Pequim, que reforçam o dever do Estado em adotar ações afirmativas para corrigir desigualdades históricas e estruturais.

Nesse contexto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) — órgão de controle externo do Judiciário, criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004 (art. 103-B da Constituição) — tem a atribuição de zelar pela observância do artigo 37 da CF, que impõe os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência à administração pública. Sua competência normativa inclui expedir atos regulamentares e recomendações, visando aprimorar a atividade judicial e garantir a efetividade dos direitos fundamentais.

Foi com base nessas atribuições que o CNJ editou a Resolução nº 512/2023, determinando a alternância de listas para promoção por merecimento: ora exclusivamente compostas por mulheres, ora por homens. A medida não cria privilégio indevido — corrige distorções históricas que mantêm as mulheres sub-representadas nos espaços de Poder do Judiciário.

Da mesma forma, a Resolução nº 492/2023, que torna obrigatório o uso do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, é instrumento essencial para coibir práticas de violência institucional e desigualdade processual, assegurando que decisões judiciais respeitem o princípio da dignidade humana (art. 1º, III, CF) e o direito à igualdade material.

Contudo nos últimos dias, temos presenciado, lamentavelmente, a tentativa de retrocesso com a movimentação na Câmara dos Deputados em sustar a eficácia da Resolução 492/2023 por meio de Projetos de Decreto Legislativo que, por sua vez, carecem de fundamento jurídico, baseando-se em argumentos genéricos, sem consistência teórica. O CNJ exerce função administrativa e normativa, dentro dos limites constitucionais, sem usurpar competências legislativas do Congresso. Essas resoluções não inovam o ordenamento jurídico em sentido material, mas regulamentam a aplicação de princípios constitucionais e de tratados internacionais com força de lei.

Portanto, a defesa da paridade de gênero e do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero não é apenas legítima: é constitucionalmente obrigatória. Trata-se de reafirmar o compromisso do Brasil com a Justiça, a equidade e o cumprimento de suas responsabilidades internacionais.

Advogada criminalista*

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Por Opinião
postado em 03/07/2025 04:30 / atualizado em 04/07/2025 12:28
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