
Por Julia Pazos* e Samara Carvalho** — A terceirização da produção é uma prática comum na fabricação e confecção de produtos de uma determinada marca, incluindo os produtos do mercado de luxo. Essa estratégia permite que marcas consolidem sua presença global sem a necessidade de internalizar todas as etapas produtivas, o que pode ser financeiramente vantajoso, mas também apresenta desafios relacionados ao controle de qualidade e à proteção da propriedade intelectual. Nesse contexto, para regular essas relações, as práticas comerciais denominadas "White Label" e "Private Label" são amplamente utilizadas pelas marcas.
O "White Label" permite que produtos genéricos sejam fabricados por um fornecedor e revendidos sob a marca daquele que irá inserir o produto no mercado. Esse modelo é amplamente utilizado em diversos setores, desde a produção de conjuntos de louças e utensílios domésticos até o desenvolvimento de softwares e aplicativos que são comercializados sob diferentes marcas, sem que o consumidor final tenha conhecimento do real fabricante. Em razão dos ajustes comerciais entre as partes e da ausência da marca do fabricante no produto, o contratante tem a possibilidade de adicionar sua própria identidade visual e marca ao produto adquirido.
Por ser um modelo de negócio no qual não há, em princípio, exclusividade da produção para uma única empresa, esse tipo de ajuste comercial costuma ser atrativo - justamente por acabar tendo custos mais baixos. No entanto, a falta de exclusividade pode resultar na circulação de produtos idênticos sob diferentes marcas, reduzindo a percepção de exclusividade e diferenciabilidade no mercado e trazendo à tona questões relacionadas à propriedade intelectual.
Já os contratos sob o modelo "Private Label" seguem um modelo totalmente diferente e são aqueles nos quais uma determinada marca contrata um terceiro para produzir, de forma única, exclusiva e seguindo determinados padrões, o produto que será colocado à venda. Esse modelo faz com que a empresa em questão tenha maior controle sobre a qualidade, design e a autenticidade da peça. Em resumo, no modelo "Private Label", a produção é realizada sob demanda, com o fornecedor sendo contratado diretamente pela marca para fabricar um produto com características específicas, com base nas diretrizes da marca. Esse arranjo é amplamente utilizado no mercado de luxo justamente por garantir a unicidade dos produtos, fator essencial para a manutenção do valor simbólico da marca.
Apesar de ser vantajoso em termos de eficiência operacional, é fundamental garantir que as especificações acordadas no "Private Label" sejam seguidas rigorosamente para preservar a exclusividade da propriedade intelectual do contratante. Falhas nesse gerenciamento podem prejudicar a imagem e a reputação da marca no mercado, gerando, consequentemente, desconfiança entre os seus consumidores.
Para garantir essa proteção, é essencial que os contratos firmados entre as empresas envolvidas no arranjo de "Private Label" estabeleçam de forma clara e detalhada as condições da parceria. Esses instrumentos devem prever cláusulas que assegurem a exclusividade na produção dos itens conforme as especificações fornecidas, bem como proibições expressas quanto ao uso do design, das embalagens, das formulações e de outros elementos característicos. Ao definir juridicamente tais restrições, os contratos contribuem para preservar a identidade da marca no mercado e evitar o uso indevido de ativos intangíveis que compõem sua imagem perante o consumidor.
Esse cuidado é ainda mais relevante no mercado de luxo, que se distingue pelos valores de exclusividade, autenticidade e narrativas simbólicas. Esses elementos, aliados à promessa de excelência, transcendem a funcionalidade do produto e conferem um status diferenciado aos consumidores. Portanto, a reprodução e disseminação de designs exclusivos no mercado pode resultar em danos reputacionais ao diluir a imagem de singularidade construída por meio de investimentos contínuos na identidade da marca.
Tanto é assim que marcas da alta-costura, como Louis Vuitton, Bulgari e Dior vêm utilizando a tecnologia blockchain em suas cadeias de produção para verificar a autenticidade de seus produtos e registrar transações, monitorando todas as etapas de sua produção até o consumidor final. A iniciativa permite que o consumidor tenha acesso a todo o seu histórico, bem como à prova de autenticidade do produto, fortalecendo ainda mais o elo de transparência e confiança na relação marca x consumidor.
Recentemente, um incidente chamou a atenção da internet e da mídia brasileira. Uma consumidora da marca Tania Bulhões encontrou, durante uma viagem à Tailândia, uma xícara idêntica a uma das coleções da marca, mas com o logo de uma empresa diferente, gerando questionamentos sobre a autenticidade e exclusividade dos produtos da grife brasileira. Vários consumidores começaram a investigar suas peças e descobriram que algumas xícaras e itens tinham o selo "made in Turkey", gerando preocupações sobre a origem dos produtos. Em resposta, a marca descontinuou quatro de suas coleções em fevereiro, alegando falhas na gestão de seus ativos de propriedade intelectual, o que afetou a exclusividade da marca no mercado.
O caso Tania Bulhões exemplifica a importância da gestão eficaz da propriedade intelectual, da transparência na produção e da confiança do consumidor, especialmente em se tratando das marcas de luxo. A escolha de contratos bem estruturados, que garantam exclusividade, sigilo e impossibilidade da fabricação dos mesmos produtos para outras empresas são essenciais para preservar a reputação de uma marca no mercado.
Além disso, com a adoção de tecnologias emergentes e inovadoras, como a blockchain, as marcas podem fortalecer sua conexão com os consumidores e garantir a confiança no valor de seus produtos. A falha em atender a essas expectativas pode resultar em danos irreparáveis à imagem da marca, demonstrando que, na visão do consumidor contemporâneo, a ética e a clareza no posicionamento de uma marca são tão valiosas quanto o próprio produto em si.
Sócia de propriedade intelectual, inovação e tecnologia do Cescon Barrieu*
Advogada associada do Cescon Barrieu**
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