Visão do Direito

Golpe do "falso advogado": um desafio para OAB, polícia e Judiciário

"Essa prática, que se aproveita das brechas dos sistemas da Justiça e da burocracia, fere a credibilidade da advocacia ao se mascarar de legitimidade para enganar e extorquir"

José Adão Rezende, advogado criminalista, delegado da Polícia Civil do DF aposentado -  (crédito:  Arquivo pessoal)
José Adão Rezende, advogado criminalista, delegado da Polícia Civil do DF aposentado - (crédito: Arquivo pessoal)

Por José Adão Rezende* — Em tempos de hiperconectividade e exposição digital crescente, a confiança tornou-se uma moeda rara. E é justamente sobre ela que criminosos têm se debruçado para aplicar golpes que não apenas geram prejuízos financeiros, mas minam o que há de mais sagrado numa democracia: a fé na Justiça.

O golpe do falso advogado tem aumentado, gerando preocupação entre os profissionais da área e prejuízos aos seus clientes. Essa prática, que se aproveita das brechas dos sistemas da Justiça e da burocracia, fere a credibilidade da advocacia ao se mascarar de legitimidade para enganar e extorquir.

O golpe do falso advogado tornou-se uma fraude cada vez mais sofisticada e recorrente. Estelionatários se passam por advogados ou servidores do Judiciário para abordar diretamente partes envolvidas em processos reais. Com base em dados obtidos, muitas vezes pela facilidade de acesso aos sistemas eletrônicos do Judiciário, constroem narrativas altamente convincentes, repletas de "juridiquês" e, em muitos casos, amparadas por documentos falsificados com aparência oficial.

Os criminosos dominam a linguagem jurídica, ensaiam discursos cuidadosamente planejados e criam um clima de urgência para pressionar as vítimas a tomar decisões impulsivas. A manipulação emocional é parte essencial da estratégia: eles exploram o medo, a ansiedade e a expectativa de quem já está fragilizado pela complexidade do processo judicial.

O modus operandi envolve o uso de engenharia social, especialmente por meio de aplicativos de mensagens, como WhatsApp. Os golpistas fazem as vítimas acreditarem que têm valores a receber, decorrentes de precatórios, indenizações ou decisões judiciais, e que, para a liberação dos créditos, seria necessário arcar previamente com "taxas judiciais", "custas cartorárias" ou "tributos obrigatórios".

A pressão emocional, o senso de urgência e a aparência de legalidade são os principais instrumentos usados para induzir a vítima a fazer o pagamento imediato por transferência bancária.

É fundamental que a população seja orientada a desconfiar de qualquer contato inesperado, mesmo quando os dados apresentados pareçam legítimos. A aparência de legalidade é justamente o que torna o golpe tão perigoso e sua eficácia, tão devastadora. Depois do prejuízo, resta apenas o lamento e o difícil caminho da reparação.

Casos recentes escancaram a gravidade do golpe dos falsos advogados. No Distrito Federal, as ocorrências dispararam nos últimos meses, com dezenas de denúncias sendo registradas pela polícia e pela OAB. Um dos episódios de maior repercussão ocorreu com a deflagração da segunda fase da "Operação Fallere", conduzida pela Polícia Civil do DF.

Os estelionatários se valiam do prestígio do escritório como isca, induzindo as vítimas a realizar transferências bancárias sob o pretexto de liberar supostos valores judiciais. Em pelo menos um dos casos apurados, a vítima relatou um prejuízo superior a R$9 mil. As apurações revelaram o uso sofisticado de engenharia social, falsificação de documentos e contatos cuidadosamente encenados para transmitir legitimidade.

Do ponto de vista jurídico, estamos diante de uma prática que configura, em tese, os crimes de estelionato (art. 171 do Código Penal) e falsidade ideológica (art. 299 do CP). Em alguns casos, pode haver ainda o exercício ilegal da advocacia (art. 47 da Lei de Contravenções Penais), quando o criminoso realiza atos privativos da profissão, como orientação jurídica, captação de clientes ou cobrança de honorários.

E, se comprovado o uso indevido de dados pessoais, também pode incidir a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018), especialmente quando houver vazamento de informações sensíveis sem consentimento.

A proliferação desses golpes revela fragilidades preocupantes: a facilidade com que se obtém dados processuais e pessoais das vítimas e de seus advogados e a dificuldade das autoridades em rastrear e reprimir os autores dessas fraudes. Tais fragilidades criam o terreno perfeito para a fraude.

A vítima, emocionalmente abalada por um processo longo e desgastante, vê no suposto advogado uma tábua de salvação. Convencida por mensagens que imitam a linguagem jurídica, recebe PDFs com brasões da República e é pressionada por prazos fictícios. Então cede e paga. E só depois descobre que caiu num golpe.

Assiste-se a uma inversão perversa de papéis: o advogado, que deveria ser a linha de defesa do cidadão contra fraudes e abusos, passa a ser também alvo da criminalidade. Quando sua identidade é indevidamente utilizada por estelionatários, ele não apenas perde o controle sobre sua imagem profissional como também é arrastado para o centro de uma crise que não provocou, mas da qual passa a fazer parte, involuntariamente.

O desgaste é duplo: além de lidar com a desinformação daqueles que foram lesados, precisa reconquistar a confiança de seus próprios clientes e limpar o nome em meio aos danos colaterais provocados pela fraude.

A utilização criminosa de informações de processos judiciais e nomes de advogados revela um sistema vulnerável, que não protege adequadamente os seus próprios operadores. Enquanto a Ordem dos Advogados do Brasil e o Poder Judiciário não enfrentarem essa realidade com a devida urgência e firmeza, continuarão permitindo que a advocacia seja usada como fachada para o crime.

E nesse silêncio institucional, a confiança, bem mais valioso que qualquer honorário, é o que mais se perde.

Nesse contexto, a OAB Nacional lançou a plataforma ConfirmADV, em abril deste ano, permitindo a qualquer cidadão verificar gratuitamente se o advogado que o contatou está realmente inscrito na Ordem. A iniciativa é louvável, mas ainda insuficiente. Não basta reagir ao golpe; é preciso antecipá-lo.

No enfrentamento dessas situações, é importante a atuação do Judiciário reforçando a segurança dos seus sistemas eletrônicos; da Polícia Civil criando núcleos especializados para investigar esse tipo de crime digital; e do Ministério Público tratando esses casos com a mesma prioridade dada aos crimes cibernéticos. E que a OAB intensifique sua atuação fiscalizatória, inclusive, com ações contra advogados e estagiários que emprestam suas credenciais para terceiros, ainda que por negligência.

É necessário que os escritórios de advocacia adotem protocolos rigorosos de identificação, transparência e comunicação com seus clientes. Qualquer tentativa de cobrança por meios informais, como mensagens de WhatsApp enviadas por números desconhecidos, deve acender imediatamente um sinal de alerta. A informalidade, nesse contexto, é o solo fértil onde prosperam os estelionatários.

Quando um crime como esse ocorre, a vítima deve imediatamente registrar um boletim de ocorrência, reunindo todas as provas disponíveis; comunicar à OAB e procurar seu advogado para avaliar possibilidades de reparação. Da mesma forma, o advogado que teve seu nome indevidamente utilizado deve informar a seccional da OAB e, se necessário, adotar medidas judiciais para proteger sua imagem e interromper o uso fraudulento de sua identidade.

Em um cenário em que a atuação de um advogado pode ser facilmente simulada de forma fraudulenta, o sistema de Justiça e, sobretudo, a Ordem dos Advogados do Brasil precisam agir com firmeza e prontidão. Se os criminosos se aproveitam da aparência de legalidade para enganar, cabe a nós, operadores do direito e cidadãos, impedir que a fraude se naturalize e que a mentira se sobreponha à Justiça.

Advogado criminalista, delegado da Polícia Civil do DF aposentado*

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Por Opinião
postado em 10/07/2025 04:00
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