
No dia 6 de agosto, o Brasil voltou os olhares para o tema da adultização de crianças e adolescentes nos ambientes on-line, em especial para o caso do influenciador Hytalo Santos, que ganhou notoriedade justamente por explorar essa prática. A exposição de menores em suas redes sociais ocorria há anos, mas o caso só ganhou ampla atenção pública após o youtuber Felipe Bressanim Pereira (Felca) publicar um vídeo denunciando a situação.
Segundo João Ataíde, especialista em direito digital, a "adultização" consiste em expor ou induzir crianças e adolescentes a papéis, códigos estéticos ou comportamentos próprios do mundo adulto, muitas vezes de caráter sexualizado, mercantilizado ou performático, antes da maturidade biopsicossocial. Isso se manifesta nas redes sociais por meio de roupas e poses erotizadas, coreografias com conotação sexual, promoção de produtos inadequados para a idade e coleta de dados que segmentam menores para conteúdos adultos.
O conteúdo de Hytalo correspondia a essa definição. O influenciador ganhou fama no TikTok e, junto do marido, Israel Nata Vicente, conhecido como Euro, mantinha uma casa em que reunia diversos adolescentes e compartilhava a rotina deles em formato de "reality show", incentivando a sexualização precoce. Em seus perfis, publicava vídeos de coreografias com meninas que chamava de "filhas" e meninos a quem se referia como "genros".
As investigações começaram no final de 2024, após denúncias de vizinhos sobre festas com drogas, bebidas e preservativos espalhados pelo chão. Contudo, só após a repercussão do vídeo de Felca, o processo ganhou celeridade. Em 12 de agosto de 2025, a Justiça determinou o bloqueio das redes de Hytalo e proibiu seu contato com menores. No dia seguinte, houve busca e apreensão em seu condomínio de luxo e, em 15 de agosto, foi decretada a prisão preventiva de Hytalo e de seu marido.
Segundo Amaury Andrade, advogado criminalista e especialista na defesa de crianças e adolescentes, ambos são investigados por tráfico de pessoas e exploração sexual infantil, com indícios de aliciamento e uso de menores em vídeos de conotação sexual para fins de lucro. A apuração também indica a prática de trabalho infantil artístico irregular, sem autorização judicial e em condições ofensivas à moralidade, além da manutenção de uma "casa de influenciadores" onde adolescentes eram expostos a situações sugestivas em formato de entretenimento.
As condutas investigadas podem se enquadrar nos arts. 149-A, 218 e 232 do Código Penal, além dos arts. 240 e 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), configurando exploração, exposição constrangedora e corrupção de menores, bem como violações à CLT e passíveis de responsabilização pelo Ministério Público do Trabalho.
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"Somando-se as penas mínimas, e considerando sua primariedade, ele pode receber ao menos 10 anos de reclusão em regime fechado. Na dosimetria, o juiz poderá aplicar agravantes previstos no Código Penal, o que pode aumentar ainda mais a pena", afirma Andrade.
João Ataíde observa que a exposição de crianças e adolescentes nas redes sociais pode configurar crime a depender do conteúdo e do contexto. Publicações com teor sexualizado ou exploratório enquadram-se no ECA, além de outras figuras típicas, como calúnia e difamação envolvendo menores ou a divulgação indevida de imagens íntimas (MCI, art. 21, que prevê remoção célere).
O advogado também adverte que o uso da imagem de crianças e adolescentes em conteúdos monetizados por pais ou terceiros pode caracterizar exploração do trabalho infantil, especialmente quando houver habitualidade, onerosidade e substituição do brincar e estudar por atividades laborais, sem autorização judicial e sem salvaguardas legais (ECA, art. 149; CLT, arts. 402-441; CF, art. 7º, XXXIII). Essa é justamente a realidade constatada na mansão Hytalo Santos, onde as investigações apontaram que os adolescentes permaneciam longos períodos afastados da escola.
"A monetização digital por crianças e adolescentes — fenômeno conhecido como kidfluencers — deve observar critérios rígidos de proteção, incluindo a necessidade de alvará judicial para atividades artísticas e de entretenimento, controle da carga horária e a destinação dos rendimentos a favor do menor", afirma Ataíde.
Atualmente, a legislação brasileira combina diversos mecanismos de proteção: a Constituição Federal (art. 227), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Marco Civil da Internet (MCI). Além disso, a jurisprudência tem evoluído: o Brasil passou do modelo de ordem judicial prévia para retirada de conteúdo (MCI, art. 19) para admitir a remoção imediata em casos de ofensa evidente a direitos de menores após notificação. Em 2025, o STF consolidou parâmetros mais amplos de responsabilização de plataformas e influenciadores diante de omissões sistêmicas.
Segundo a psicóloga Juliana Paim, é essencial garantir que as crianças e adolescentes tenham assegurado o direito de se desenvolverem plenamente, protegidos de qualquer forma de agressão física, psicológica ou sexual. Ela afirma que a sexualização precoce traz impactos profundos no desenvolvimento, especialmente na formação da identidade e da personalidade
"Quando esse processo é antecipado, ocorrem prejuízos significativos: a criança ou o adolescente passa a entender a erotização do próprio corpo como uma forma legítima de interação com o mundo, comprometendo a autoestima, a habilidade de comunicação e o repertório social", explica.
A especialista explica que essa distorção faz com que essas crianças não aprendam a diferenciar o que é público do que é privado, nem a identificar e se proteger de situações de abuso ou exploração sexual. Como consequência, a sexualização precoce pode gerar adultos fragilizados, com maior propensão a desenvolver transtornos de ansiedade, depressão, vícios, disfunções sexuais e até parafilias.
Também aumenta a dificuldade de estabelecer relacionamentos saudáveis, com baixa consciência de limites próprios e alheios, favorecendo envolvimento em relações abusivas, dependência emocional, compulsões, além de sentimentos persistentes de culpa e vergonha.
A profissional também ressalta que a sexualização de crianças e adolescentes não é um fenômeno novo das redes sociais, mas algo que atravessa gerações. Muitas vezes, parte da própria família, seja ao expor os menores a situações sexuais no ambiente doméstico, a conteúdos erotizados em novelas, músicas e conversas sem filtro, ou ao reforçar estereótipos como o "já tem namoradinho?"