
Por Karina Macedo Marra Leal* — O Sistema S é, por excelência, um exemplo vivo de inovação institucional. Sua autonomia, reconhecida, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), confere às suas entidades a liberdade de atuarem de forma estratégica e eficiente, por meio de regulamentos próprios. Trata-se de uma das mais sólidas parcerias entre o Estado e a sociedade, construída ao longo de gerações. Essa prerrogativa não é um privilégio, mas sim um legado institucional.
Ainda assim, observa-se certa hesitação das próprias entidades em exercer essa autonomia, motivada pelo receio de responsabilizações futuras, o chamado "direito sancionador do medo".
Para se ter ideia da relevância do Sistema S, segundo a Agência Brasil, suas entidades já formaram mais de 70 milhões de trabalhadores, contribuindo diretamente para o aumento da produtividade e da empregabilidade no país.
Na prática, o que tem minado o potencial dos regulamentos internos é a adoção, por parte de gestores, de modelos próprios da Administração Pública direta, mesmo quando incompatíveis com a natureza do Sistema S. Trata-se, muitas vezes, de uma renúncia velada à identidade institucional, em troca de uma falsa sensação de proteção.
Nesse contexto, ganha relevância o princípio da deferência administrativa, o reconhecimento do mérito das decisões legítimas dos gestores, considerando seus fundamentos técnicos, os contextos e os obstáculos enfrentados. Não se trata de tolerância com irregularidades, mas de um sinal de maturidade institucional.
Manter a excelência que distingue o Sistema S no cenário nacional exige coragem para reafirmar sua autonomia. Isso inclui formar quadros técnicos capacitados para decidir com base nos regulamentos próprios e, sobretudo, romper com o ciclo de insegurança.
Para que essas entidades sigam exercendo seu papel transformador, não basta contar com boas normas: é preciso ter bravura para aplicá-las. Liderar em um ambiente institucional complexo exige ousadia para afirmar a autonomia sem ceder ao medo de interpretações punitivistas. Essa é a liderança que o momento histórico exige daqueles que conduzem a inovação no setor público de forma ampliada.
Esse caminho, no entanto, só será viável com uma mudança no relacionamento com os órgãos de controle. É hora de substituir a lógica da fiscalização intimidadora por uma visão de controle voltada ao aperfeiçoamento. Um modelo em que a atuação técnica dos gestores seja respeitada e em que o controle externo atue como parceiro na construção de soluções.
Superar o paradigma punitivista é essencial para criar um ecossistema institucional onde inovação e conformidade coexistam de forma virtuosa, gerando benefícios concretos à sociedade.
Cabe também às lideranças do Sistema S assumirem um papel pedagógico, tanto internamente quanto externamente. No âmbito interno, investindo na formação de quadros conscientes da extensão e dos limites da sua autonomia decisória. No externo, comunicando com clareza à sociedade e aos órgãos fiscalizadores que a autonomia regulatória não é um cheque em branco para desvios, mas sim, um instrumento estratégico para entregas mais ágeis, eficazes e alinhadas às demandas contemporâneas. Esse esforço de comunicação é fundamental para desconstruir narrativas que ainda confundem inovação com risco institucional.
A advocacia institucional, por sua vez, precisa deixar de lado o papel meramente defensivo e adotar uma postura propositiva. Mais do que blindar decisões, os departamentos jurídicos devem atuar como parceiros estratégicos, capazes de mapear riscos e construir fundamentações robustas que deem segurança aos gestores. Essa mudança de mentalidade jurídica é fundamental para romper o ciclo de autocensura que ainda paralisa tantas iniciativas inovadoras no âmbito do Sistema S.
Por fim, é preciso compreender que a verdadeira proteção contra responsabilizações indevidas não reside na inércia nem no excesso de cautela, mas na construção de decisões sólidas, bem documentadas e juridicamente alinhadas com a missão institucional e com a visão do Sistema S. A determinação, aqui, não é apenas uma virtude desejável: é uma necessidade vital para que essas entidades continuem sendo agentes de desenvolvimento econômico e social no país.
É nesse equilíbrio entre autonomia e deferência que reside o futuro do Sistema S e, por consequência, os rumos da inovação e do progresso nacional.
Sócia do escritório Deborah Toni Advocacia. Advogada com formação em direito administrativo, pós-graduada em direito público e em licitações e contratos*
Saiba Mais