Visão do Direito

Split payment e responsabilidade civil das instituições de pagamento

"Em que pese a nova metodologia trazer um potencial de modernização no sistema de arrecadação, na prática há diversos pontos de atenção"

Ana Helena Silva Lavigne de Souza, advogada tributária no escritório Gaia Silva Gaede Advogados e Théo Meneguci Boscoli é sócio no escritório Gaia Silva Gaede Advogados -  (crédito: Divulgação)
Ana Helena Silva Lavigne de Souza, advogada tributária no escritório Gaia Silva Gaede Advogados e Théo Meneguci Boscoli é sócio no escritório Gaia Silva Gaede Advogados - (crédito: Divulgação)

Por Ana Helena Silva Lavigne de Souza* e Théo Meneguci Boscoli** — O split payment é um dos temas da Reforma Tributária que, mesmo antes de regulamentação plena e sem prazo de implementação, já gera insegurança entre contribuintes e, especialmente, instituições de pagamento.

Isso porque a Emenda Constitucional nº 132/2023, que instituiu a Reforma Tributária em nível constitucional, passou a prever a possibilidade de o recolhimento do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) ocorrer na liquidação financeira da operação.

Essa sistemática, prevista para regulamentação por lei complementar, foi detalhada pela Lei Complementar nº 214/2025, que instituiu também o IBS, a CBS e o Imposto Seletivo.

Em linhas gerais, o split payment é um método automatizado de arrecadação dos novos tributos em operações pagas por meios digitais (Pix, transferências, boletos etc.), permitindo que o valor chegue ao fornecedor já líquido dos tributos.

Diferentemente do sistema atual, em que a apuração e o recolhimento são mensais e feitos diretamente pelos contribuintes, geralmente instrumentalizados por documento de arrecadação gerados diretamente nos sítios eletrônicos dos entes tributantes, o novo modelo prevê recolhimento transação a transação, ainda que a apuração continue mensal, de acordo com a norma complementar.

Em que pese a nova metodologia trazer um potencial de modernização no sistema de arrecadação, na prática há diversos pontos de atenção. Um deles é sobre a quem será atribuída a complexa responsabilidade de processar, apurar, recolher e distribuir os pagamentos aos respectivos destinatários (órgãos gestores dos tributos e fornecedores).

De acordo com a LC 214/2025, caberá aos prestadores de serviços de pagamento eletrônico e às instituições operadoras de sistemas de pagamento (meios de pagamento) a segregação e recolhimento do IBS e da CBS ao Comitê Gestor do IBS e à Receita Federal do Brasil, respectivamente.

Além dessas atribuições, a Lei Complementar também delega aos meios de pagamento a obrigação de coletar as informações das transações, que serão disponibilizadas pelos fornecedores, conforme regulamentação específica. Com base nestas informações, os meios de pagamento deverão consultar os sistemas da Receita e do Comitê Gestor do IBS sobre os valores a serem segregados e recolhidos (que, em tese, já serão a diferença entre os débitos e os créditos incidentes na operação).

Sem aprofundarmos nos prementes efeitos tributários e financeiros que a nova sistemática de recolhimento poderá causar (possíveis impactos no fluxo de caixa do fornecedor pela antecipação dos tributos e eventual descasamento entre os débitos e créditos apurados no split payment e a apuração do contribuinte, por exemplo), os meios de pagamento já contam com uma elevada carga de preocupações.

Além de os meios de pagamento serem instados a absorver a demanda operacional e sistêmica necessária para implementação do split payment, outros desdobramentos podem vir à tona quando o sistema estiver em operação, tais como a segurança dos dados fiscais dos contribuintes e a responsabilização, na esfera cível, por eventuais danos causados por instabilidades nos sistemas operacionais, como atraso no processamento dos pagamentos, recolhimento indevido ou a maior dos tributos, ou mesmo a sua ausência, por exemplo.

Destaque-se que, ao fim e ao cabo, os meios de pagamento prestarão mais um serviço ao longo da cadeia de pagamento, notadamente a retenção dos tributos. Logo, se assim o é, poderá ser aventada a possibilidade da aplicação da legislação consumerista em caso de erro na realização do split payment, atraindo, entre outros, a sua responsabilização independente de culpa.

Ainda que o tema careça de regulamentação, vislumbramos que, em caso de não realização do split payment, o meio de pagamento poderá ficar exposto às consequências da mora do fornecedor (multa e juros), mas não ao valor dos tributos (principal), notadamente pelo fato desse não ser legalmente o responsável tributário da obrigação.

Como a breve análise deste recorte demonstra, o período de transição da Reforma Tributária exigirá reflexão, adaptação e envolvimento de todo o meio empresarial e seus efeitos extrapolarão as esferas fiscais e tributárias, abrangendo efeitos cíveis e consumeristas. 

Advogada tributária no escritório Gaia Silva Gaede Advogados*

Sócio no escritório Gaia Silva Gaede Advogados**

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Por Opinião
postado em 28/08/2025 03:00
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