Visão do Direito

Reforma Tributária e serviços de streaming: entenda as mudanças que estão por vir

"Não é de hoje que essas plataformas convivem com incertezas tributárias, sobretudo em modelos de download ou híbridos"

Por Rafaela Canito e Luiza Moretti* e Karen Coutinho** — Em meio a frequentes conflitos de competência entre entes da Federação, disputas judiciais bilionárias e interpretações controversas de normas tributárias, a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) surge como medida de simplificação da tributação sobre o consumo no país.

Embora a reforma tenha esse objetivo, trará desafios de adaptação para setores específicos da economia — como o de streaming, hoje presente em grande parte dos lares brasileiros.

Não é de hoje que essas plataformas convivem com incertezas tributárias, sobretudo em modelos de download ou híbridos. O Superior Tribunal de Justiça define streaming como tecnologia que permite transmissão contínua de dados pela internet, sem download dos arquivos. Ainda assim, sua tributação foi alvo de disputas entre estados e municípios.

Em 2017, a Lei Complementar nº 157 incluiu na lista do ISS a disponibilização de conteúdos digitais sem cessão definitiva, abrangendo formalmente o streaming. No mesmo ano, porém, o Confaz editou o Convênio ICMS nº 106, que disciplinava a cobrança de ICMS sobre bens e mercadorias digitais transferidos eletronicamente, reacendendo a controvérsia. Em 2021, o STF declarou o convênio inconstitucional, firmando que o ICMS não incide sobre licenciamento ou cessão de uso de softwares e que o streaming não envolve circulação de mercadoria nem serviço de telecomunicação.

Com IBS e CBS, espera-se o fim desse conflito, já que tais tributos terão base ampla de incidência sobre operações onerosas, independentemente da natureza jurídica. Isso cria um marco mais claro para a tributação do setor.

É certo, porém, que a carga nominal tende a aumentar: ISS e PIS/Cofins (até 5% e 9,25%) serão substituídos por IBS e CBS, cuja alíquota mínima de referência é 26,5% (ainda em definição). Esse impacto, contudo, dependerá da não cumulatividade plena, que permitirá créditos sobre todas as aquisições tributadas — inclusive, direitos de exibição de conteúdos —, somada a um novo sistema de ressarcimento. A depender da estrutura de custos de cada empresa, a carga efetiva poderá ser menor, mas não se descarta repasse ao consumidor, elevando preços de assinaturas.

Além disso, os prestadores de serviços enfrentarão desafios práticos. O primeiro é a definição do município competente para arrecadação. Hoje, o ISS é recolhido no local do prestador; com a reforma, valerá o princípio do destino: o imposto será devido onde está o usuário. Para tanto, a legislação exige ao menos dois critérios não conflitantes entre: endereço declarado, informações comerciais relevantes, cadastro do arranjo de pagamento e IP ou geolocalização. Assim, plataformas terão de atualizar cadastros e sistemas, o que pode gerar fricções na experiência do usuário e até incentivar migração para concorrentes.

Outro ponto é o acompanhamento das alíquotas municipais — mais de 5.000 —, exigindo parametrização adequada dos sistemas de arrecadação. Some-se a isso regras específicas para operações continuadas e a obrigatoriedade de emitir documento fiscal eletrônico para cada operação, sem previsão atual de simplificação como emissão globalizada por município ou período.

Diante disso, empresas de streaming devem avaliar desde já os impactos jurídicos e práticos da reforma em suas operações, revisando procedimentos de cadastro, fornecedores e parametrização de sistemas de emissão e registro fiscal, de modo a se adaptarem em tempo hábil às mudanças que começam a valer em 2026.

Respectivamente, sócia e advogada da equipe de tributação sobre consumo do escritório de advocacia Lefosse*

Counsel de direito público e regulação do escritório de advocacia Lefosse**

 

 


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postado em 28/08/2025 03:30
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