
Por Fernando Dantas, advogado, economista e mestre em direito urbanístico
Brasília vive um momento decisivo. A revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot), em debate na Câmara Legislativa, definirá como o Distrito Federal será ocupado nos próximos 10 anos. Mais do que um documento técnico, o PDOT é um pacto social que influencia a vida de todos: onde vamos morar, como nos deslocaremos, que áreas serão preservadas e quais se abrirão ao desenvolvimento. É hora de perguntar: qual Brasília queremos para o futuro?
Existem, de fato, duas Brasílias. A primeira é a capital federal, símbolo do poder nacional, eternizada em imagens da TV e no imaginário coletivo pelo urbanismo singular de Lucio Costa. A segunda é a cidade real dos brasilienses, que pulsa dentro do quadrilátero do DF, em permanente transformação desde 1960. É essa Brasília concreta que o novo Pdot impactará diretamente.
O último plano, de 2009, sofreu alterações em 2013 por vícios de constitucionalidade e já deveria ter sido revisto desde 2019. A pandemia, porém, adiou o processo. Desde 2018, técnicos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) trabalham em diagnósticos e propostas que agora chegam ao Legislativo, na forma do PLC 78/2025.
E o que está em jogo? O Pdot é o principal instrumento da política urbana. Ele estabelece o limite entre áreas urbanas e rurais, define densidades habitacionais, regras de regularização fundiária, parâmetros de expansão e até como serão distribuídos os custos sociais da ocupação do solo. Em suma, o plano decide como o território do DF será usado e a que preço.
A proposta é conservadora em relação à expansão urbana: preserva quase integralmente a macrozona definida em 2009, promovendo apenas ajustes pontuais de zoneamento, sem alterar a densidade habitacional máxima. O setor produtivo, no entanto, reage. Para construtoras e incorporadoras, a oferta de terras já não atende ao crescimento natural da população, acrescido da migração anual de cerca de 50 mil pessoas para o DF. A tendência é de forte pressão sobre o mercado habitacional e de desafios crescentes para garantir moradia regular.
Um ponto de atenção é a regularização fundiária. O Pdot aposta na incorporação das ocupações informais em Áreas de Regularização de Interesse Social (Aris) e de Interesse Específico (Arine). Embora necessária, essa opção carrega dilemas: ao formalizar ocupações irregulares, o poder público corre o risco de premiar práticas ilícitas, transferindo para toda a sociedade o custo de infraestrutura enquanto poucos lucram com a renda imobiliária irregular. Uma solução possível seria aplicar de forma efetiva a contribuição de melhoria, prevista no próprio plano, de modo que quem se beneficia diretamente da regularização arque com parte dos custos.
É possível ver avanços. O novo texto sistematiza instrumentos previstos no Estatuto das Cidades que não figuravam no Pdot de 2009, como a transferência do direito de construir e o pagamento por serviços ambientais. Também fortalece a integração do DF com municípios vizinhos da Região Metropolitana, passo importante diante da interdependência já existente. Instrumentos inovadores, como o Termo Territorial Coletivo, podem inaugurar formas inéditas de gestão urbana, ainda que cercadas de incertezas.
Contudo, há preocupação com a consequência do dispositivo que abre brecha para condomínios rurais. Permitir múltiplas edificações no módulo rural mínimo pode estimular o parcelamento irregular de áreas agrícolas para fins urbanos, expandindo de fato a cidade sem o devido planejamento. Seria mais prudente delimitar as zonas específicas para essa possibilidade.
O Pdot não é um tema distante, restrito a técnicos e legisladores. Ele influencia a mobilidade, o emprego, o meio ambiente e a qualidade de vida de todos. Brasília, seja a dos símbolos nacionais, seja dos brasilienses de carne e osso terá sua próxima década moldada pelo Plano. A escolha que fizermos agora determinará se teremos uma capital mais justa, sustentável e organizada. Ou se repetiremos os erros que custam caro às gerações futuras.
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