
Por Luis Carlos Alcoforado, advogado
Ao longo da história, havia o sentimento de que a diplomacia brasileira consistia no ponto alto da administração pública, pela qualidade de seus quadros e pela formulação de ideias políticas, sem alinhamentos radicais.
Nos últimos tempos, contudo, assiste-se à escalada de escolhas no complexo tabuleiro mundial que desautoriza a compreensão de normalidade, principalmente com a migração para o Oriente, em divórcio com a nossa vocação de cerrar fileiras com o Ocidente.
Certamente, o Brasil não pode se tornar refém de cidadelas excludentes e, falsamente, solidárias, como blocos econômicos, políticos ou culturais. Devem-se fortalecer as escolhas que se identificam com as idiossincrasias do povo brasileiro, como critério de fixação de parceiros ou aliados, cujos valores exprimam simpatias e professem os inexoráveis valores da democracia, representativa e participativa.
Mas, nos negócios internacionais, afinidades ideológicas ou políticas são preteridas, haja vista que prevalecem os resultados alcançados pela balança comercial, em conformidade com a influência da geopolítica.
O povo brasileiro, quase sempre alheio às questões internacionais, mais recentemente tomou ciência da participação do Brasil na formação do Brics. O Brics, acrônimo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e, posteriormente, África do Sul, configura-se como uma aliança político-econômica de caráter internacional, cuja finalidade é promover a cooperação entre países emergentes, em busca de maior protagonismo no cenário global.
A adesão do Brasil ao Brics suscita relevantes questionamentos acerca de sua natureza jurídica e, sobretudo, sobre os limites constitucionais da participação do Estado brasileiro em compromissos internacionais assumidos sem a convocação do povo, por meio de plebiscito, referendo ou iniciativa popular.
O Brics não se constitui formalmente como uma organização internacional dotada de personalidade jurídica própria, a exemplo da ONU ou da OMC. Cuida-se, antes, de um foro intergovernamental de cooperação, estruturado por meio de reuniões periódicas de chefes de Estado e acordos multilaterais que se desdobram em iniciativas de caráter econômico, político e financeiro, como a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) e o Arranjo Contingente de Reservas (ACR), curiosamente atreladas ao dólar americano.
Diz-se que a natureza do Brics é, essencialmente, interestatal e intergovernamental, sem estatuto jurídico unitário e vinculante, o que reforça sua flexibilidade institucional, mas, também, evidencia a ausência de mecanismos de controle direto pela população dos Estados-membros.
A Constituição Federal de 1988 estabelece que compete privativamente ao presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional (art. 84, VIII).
O modelo jurídico evidencia que a participação do Brasil em organismos e blocos internacionais se dá por meio de seus representantes eleitos, e não mediante manifestação popular direta. No entanto, importa destacar que a Constituição prevê hipóteses de consulta popular — plebiscito, referendo e iniciativa popular (art. 14, CF) — como instrumentos de exercício da soberania popular.
Os institutos constitucionais, contudo, não têm sido utilizados para a adesão do Brasil a blocos econômicos ou políticos, como ocorreu no caso do Mercosul e, mais recentemente, do Brics. A integração brasileira ao Brics foi resultado de decisão governamental e articulação diplomática, sem a convocação de plebiscito ou referendo. O povo jamais fora ouvido.
A ausência de participação popular direta levanta debates jurídicos e políticos sobre a legitimidade democrática de tais escolhas, sobretudo se considerados os efeitos dos acordos firmados, com repercussão de forma significativa na economia nacional, nas políticas públicas e no posicionamento geopolítico do país.
Embora não haja obrigatoriedade constitucional expressa de submeter tais decisões à consulta popular, o argumento democrático poderia sustentar que a incorporação a blocos que impactam de maneira profunda a vida econômica e política da nação deveria, ao menos em tese, ser legitimada pelo povo, em conformidade com o princípio da soberania popular (art. 1º, parágrafo único, CF).
A participação do Brasil no Brics revela a tensão entre a prática constitucional vigente — que centraliza nos Poderes Executivo e Legislativo a competência para adesão a compromissos internacionais — e o ideal democrático de maior participação direta do povo em decisões de grande envergadura.
Embora juridicamente válida, a integração sem consulta popular direta pode ser criticada sob o prisma da legitimidade democrática. Esse debate se mostra ainda mais relevante na atualidade, diante da crescente interdependência internacional e da necessidade de alinhar compromissos externos com os anseios internos da população brasileira.
Em casos de profundas interferências na vida nacional, a consulta popular se torna imperiosa para legitimar escolhas e caminhos, com reflexo direto nas relações internas e internacionais de que participe o Brasil.
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