
A advogada Lenda Tariana se une a muitas mulheres que querem ver o sucesso feminino na sociedade. O Judiciário, que dá a palavra final para tantos temas, é um caminho estratégico para que a voz delas seja considerada. Neste momento de sucessão no Supremo Tribunal Federal (STF), com a aposentadoria antecipada do ministro Luís Roberto Barroso, é hora de gritar que não é aceitável a realidade do nosso país: em 134 anos de história do STF, apenas três mulheres vestiram a toga para deliberar sobre as questões constitucionais. A advogada Lenda Tariana, presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do DF (CAA/DF), ex-vice-presidente da OAB-DF, decidiu se engajar na causa. Ela lançou o manifesto nas ruas e nas redes sociais "Por que não elas?". Lenda sustenta que há muitas mulheres capazes e a escolha pelo presidente Lula de uma ministra seria uma providência em favor da igualdade. A advogada cita uma, mas defende a competência de várias juristas lembradas como possíveis brilhantes ministras. "Vou exemplificar com os dados de um gabinete de mulher: o da ministra Daniela Teixeira, no STJ, um dos nomes citados para a vaga do STF. Ela assumiu no final de 2023, com 12 mil processos no acervo. E todo dia via que chegavam mais processos para julgar. O que ela fez? Usou estratégias comuns às nossas características de mulheres em posição de liderança, seja em casa, seja numa grande corporação: organizou, priorizou e decidiu", afirma Lenda.
A senhora lançou um manifesto a favor da indicação de uma ministra para o STF. Por que é fundamental ampliar o espaço feminino no Supremo?
O STF deve refletir minimamente a sociedade que representa. Se mulheres são cerca de metade da população brasileira, excluir ou quase excluir sua presença no STF mostra um evidente desequilíbrio. A presença feminina reforça que decisões judiciais sejam fruto de diversas perspectivas de vida. Se estamos entre as maiores democracias no mundo, com eleições livres, instituições democráticas funcionando, é porque tivemos um passado de lutas sociais, e entre elas as lutas das mulheres por inclusão, por ter voz, educação, autonomia, direitos sobre si em todos os sentidos e participar dos espaços de poder. As mulheres sempre carregaram o piano. Está na hora de tocar o piano e participar da orquestra de modo igualitário, não como um acontecimento extraordinário. A luta das mulheres é plural, de todas e em todos os estratos sociais. A desigualdade entre homens e mulheres é reflexo de uma sociedade ultrapassada e que não traz as melhores soluções para a vida das pessoas.
O ministro Luís Roberto Barroso defendeu que seja sucedido por uma mulher. Qual a importância dessa manifestação?
Esse gesto de defender que seu sucessor seja mulher ajuda a alinhar discurso e prática. Historicamente, vagas no STF são preenchidas por homens. Um posicionamento explícito desse tipo gera pressão concreta para que a "quase inevitabilidade" da indicação masculina seja contestada. As mulheres têm um olhar para frente em relação às demandas e urgências da sociedade. Sabemos que as mulheres estão cada vez mais escolarizadas, ocupamos a maioria dos bancos da faculdade. O fato é que ele nos apoia quanto a vencer barreiras invisíveis ao crescimento das mulheres. Numa sociedade como a nossa, que evolui para a corresponsabilidade entre homens e mulheres, é sim muito bem-vinda a manifestação do ministro e esperamos que sensibilize o principal jogador nesse campo da história, o presidente Lula.
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O ministro Barroso, como presidente do CNJ, foi um defensor da paridade de gênero nos tribunais de segunda instância. Não seria emblemático se ele fosse sucedido por uma mulher?
Ele falou e agiu com coerência. Ter uma mulher em sua saída do STF é, inclusive, homenagear a trajetória dele. É interessante perceber, especialmente com esse gesto dele, que o movimento que quer mulheres no STF não é sectário quanto aos homens. Antes e ao contrário: queremos homens aliados à possibilidade de ascensão das mulheres. Como tivemos, por exemplo, na OAB-DF que, desde 2019, é uma casa paritária. Esse exemplo foi levado ao Conselho Federal e hoje é regra em todo o país: a advocacia já pratica paridade. E por que isso não pode crescer no sentido de o Judiciário deixar de ser desigual nos altos escalões? Em todas as Cortes nós, mulheres, temos sub-representação. Somos 35% de mulheres apenas, quando, na sociedade, somos mais de 50%.
Pode citar bons nomes de mulheres que poderiam ser escolhidas?
O Correio Braziliense trouxe, na edição de domingo passado (coluna Eixo Capital), bons nomes em sua cobertura: Daniela Teixeira, ministra do STJ; Dora Cavalcanti, advogada, integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDESS); Edilene Lobo, ministra do TSE; Maria Elizabeth Rocha, presidente do Superior Tribunal Militar (STM); Monica de Melo, defensora pública; Sheila de Carvalho, secretária nacional de Acesso à Justiça e Vera Lúcia Araújo, ministra do TSE, e além desses nomes temos inúmeras grandes advogadas, como Fernanda Hernandez e Cris Romano. Essa é uma lista exemplificativa, mas não se esgota nesses nomes.
Que impacto prático a presença feminina traz para o STF?
Somos produtivas, dedicadas e apresentamos resultados. Vou exemplificar com os dados de um gabinete de mulher: o da ministra Daniela Teixeira, no STJ, um dos nomes citados para a vaga do STF. Ela assumiu no final de 2023, com 12 mil processos no acervo. E todo dia via que chegavam mais processos para julgar. O que ela fez? Usou estratégias comuns às nossas características de mulheres em posição de liderança, seja em casa, seja numa grande corporação: organizou, priorizou e decidiu. Resultado foi ela ter proferido mais de 25 mil decisões, reduzindo o seu estoque inicial. Algo extraordinário!
Qual é a marca a ministra Cármen Lúcia está deixando?
A ministra Cármen Lúcia segue na Corte. Li na mídia especulações de que ela poderia sair, antecipadamente, e torço para que não. Que ela fique conosco até 2029, pois creio que a sua trajetória de mulher com muita sabedoria e poesia internalizada, algo que ela nos deixa perceber em entrevistas e votos, é fundamental na jornada de agora. Ela é icônica para nós e para a sociedade pensar sobre nossa presença no Judiciário e não são raras as vezes em que ela aborda as discrepâncias de gênero, enaltecendo o combate à violência e a promoção de uma sociedade mais justa.
Acredita que algum dia as mulheres estarão em igualdade quantitativa nos tribunais do país?
Não será automático ou inevitável. Terá que ser construído. Precisamos estar imbuídos no espírito de muita luta e de muita união entre nós, mulheres — uma erguendo a outra — e com o apoio de homens como o ministro Barroso. Com políticas atuantes, mobilização social e compromisso institucional chegaremos lá. Acredito nisso e é isso que move tantas de nós.