ENTREVISTA

"Desorganização na distribuição de varas cria cidadãos de segunda categoria", diz presidente da OAB-DF

Levantamento revela sobrecarga em regiões administrativas e defende reorganização urgente da estrutura do TJDFT

 Eixo Capital.  Presidente da OAB-DF, Paulo Mauricio Siqueira, o Poli -  (crédito:  Divulgação)
Eixo Capital. Presidente da OAB-DF, Paulo Mauricio Siqueira, o Poli - (crédito: Divulgação)

Uma investigação da Ordem dos Advogados do Brasil seccional DF (OAB-DF) apontou distorções na distribuição de varas de Justiça nas regiões administrativas do Distrito Federal. São disparidades que levam à demora no julgamento de demandas em algumas cidades e agilidade em outras. O trabalho mostrou, segundo o presidente da OAB-DF, Paulo Maurício Siqueira, o Poli, que a situação acaba criando cidadãos de segunda categoria no sistema de Justiça. A boa notícia é que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) demonstrou disposição em resolver o problema.

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Levantamento da OAB-DF identificou discrepâncias no atendimento das varas do TJDFT. O que exatamente foi encontrado?

Nosso TJDFT é um excelente tribunal, mas infelizmente identificamos distorções graves na 1ª instância, principalmente quando comparada à estrutura das varas de Brasília com as de algumas regiões administrativas. Por exemplo, o quadro de servidores incompleto nas varas e, portanto, sobrecargas de trabalho; número elevadíssimo de processos em tramitação e de novas causas concentradas em poucas varas, enquanto há outras com baixa movimentação de casos; necessidade de estudo sobre criação de varas especializadas; possibilidade de desmembramento ou redistribuição de competência de algumas varas, como do Tribunal do Júri e nos juizados cíveis e criminais, o que pode se agravar ainda mais com a possibilidade de elevação do teto do valor da causa de 40 para 60 salários mínimos.

Quais as consequências?

O atendimento à advocacia e à população se mostra bastante deficitário em algumas cidades. Há muita morosidade na apreciação dos casos. Temos relatos de divórcio consensual por anos sem definição, pessoas aguardando por muito tempo uma reintegração de posse de imóvel em ação estagnada. Esses e mais casos de pessoas que aguardam soluções que não chegam em suas vidas. Como disse Rui Barbosa, nosso patrono: "A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta".

Por que a OAB-DF decidiu fazer esse levantamento?

O estudo foi motivado pelo aumento das reclamações da advocacia do DF sobre a tramitação de demandas e descumprimento das prerrogativas em algumas regiões administrativas. Foram analisados aspectos, como o quadro de servidores, volume processual, distribuição de feitos e a demanda populacional atendida por cada unidade.

Acredita que haja um tratamento diferenciado entre os cidadãos com demandas nas regiões administrativas e no Plano Piloto?

É o que o estudo nos traz em evidência. Fizemos esforço coletivo contando com os quadros da OAB/DF, das subseções, e com a colaboração de servidores ao responderem nossos questionamentos para diagnóstico e a proposição de soluções, com vistas a aprimorar a eficiência e a equidade na distribuição do atendimento pela Justiça no DF, corrigindo distorções que são históricas.

Há cidadãos de segunda categoria no atendimento da Justiça?

Entendo que não é uma intenção deliberada, mas infelizmente é o que nos pareceu dos números apurados. É uma questão estrutural. A organização do Poder Público traz resquícios históricos de concentração de atendimento. E sabemos que o caminho para o bem-viver das populações está na descentralização. Assim como fazemos na OAB/DF, valorizando e fortalecendo subseções, temos de ver o Judiciário dar passos significativos na valorização do atendimento nas regiões administrativas.

Quais são as soluções necessárias?

As soluções dependem mais de uma boa estratégia de governança do que do aporte de recursos financeiros. É possível pensar na redistribuição de varas cíveis de Brasília para fóruns mais sobrecarregados. Atualmente, temos 25 varas cíveis em Brasília, e o maior volume de processos está concentrado nelas. A proposta que encaminhamos ao TJDFT compreende realocar duas ou três varas para circunscrições com maior demanda e menor estrutura, buscando equilibrar a distribuição de trabalho. Guará e Planaltina são exemplos de onde a criação de uma nova vara cível é urgentemente necessária para desafogar o volume processual. De outro lado, em circunscrições onde o volume de processos de júri é baixo (como Samambaia, com apenas 11 processos de júri distribuídos mensalmente; e Planaltina com 17), pode-se propor a unificação dessas unidades. A 2ª Vara Criminal e o Juizado de Violência Doméstica de Águas Claras, e as Varas Criminal e Juizado de Violência Doméstica do Recanto das Emas, assim como Santa Maria e Planaltina, precisam de mais servidores — é possível realocar pessoal. Veja quão grave é a situação do Guará, por exemplo: o Fórum tem mais de 13 mil processos em tramitação e apenas 26 servidores para atender a demanda de serviços. Lá, a população é de mais de 120 mil habitantes e conta com apenas uma Vara Cível principal, além de juizados; e o Plano Piloto (Brasília), com pouco mais 198 mil habitantes, possui 25 varas cíveis. Podemos perguntar: é justo isso? Ou ainda: como fazer justiça atuando no Guará? São soluções que apontamos em nosso relatório ao TJDFT e contamos com o apoio de lá para resolver os graves problemas que têm emergência. Não pode haver mais demora para equilibrar o atendimento e oferecer condições adequadas para servidores e magistrados, advocacia e a população, principal beneficiária de melhorias que vierem a ser implementadas.

Como foi a reação do corregedor do Tribunal de Justiça do DF, desembargador Mario-Zam Belmiro?

Muito cordial. Ele nos atendeu muito bem. Demonstramos que estamos todos imbuídos das mesmas intenções. Aqui não tem pedra ou vidraça. Sabemos que o TJDFT já identifica, por seu próprio conhecimento interno, que há necessidade de melhorias. Esperamos que, com o nosso estudo, possamos somar esforços e que as soluções sejam adotadas na maior brevidade possível. O objetivo é um só: que a prestação jurisdicional seja de excelência para toda a sociedade, nos quatro cantos do DF.

Se essas diferenças no atendimento ocorrem no DF, acredita que ocorra também em situações ainda mais graves no interior do país?

Não tenho dúvidas de que estamos vivendo em um país onde há muita desigualdade a ser reparada. Agimos aqui, no DF, e esperamos que este movimento possa inspirar mais iniciativas que corrijam distorções no Brasil. Felizmente, para isso, destaco que vivemos numa era em que a comunicação é ferramenta para transformações. Esse pode ser um "case de sucesso" para o país: a reorganização da Justiça para atender os direitos dos cidadãos.

 


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postado em 20/11/2025 05:30 / atualizado em 20/11/2025 06:36
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