Visão do direito

A prisão de um ex-presidente por atentar contra a democracia

Especialistas avaliam a condenação de Jair Bolsonaro pelo STF

 Recolhimento, proibição e silêncio: a nova rotina de Jair Bolsonaro -  (crédito:  AFP)
Recolhimento, proibição e silêncio: a nova rotina de Jair Bolsonaro - (crédito: AFP)

Por que o Supremo acertou ao condenar Bolsonaro

Por Luiz Eduardo Peccinin* — Nesta semana, pela primeira vez em nossa História, militares foram presos por tramarem um golpe de Estado. A condenação de Jair Bolsonaro e do núcleo golpista não foi apenas correta: era um dever imposto às instituições pela lei, pelas provas colhidas e pela nossa trágica trajetória marcada por rupturas, regimes de exceção e breves períodos de normalidade democrática.

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Em primeiro lugar, as condutas praticadas por Bolsonaro e seus aliados não são triviais. São crimes previstos na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (Lei nº 14.197/2021), aprovada democraticamente pelo Congresso e sancionada pelo próprio Bolsonaro, que ironicamente a submeteu ao seu primeiro teste. Mesmo sob intensa pressão (interna e externa), o STF não transigiu com o vandalismo institucional. Ao contrário, aplicou a lei de autodefesa democrática de forma rigorosa, sob o crivo do devido processo e com ampla defesa assegurada a todos os réus.

Segundo, porque as provas não deixam dúvidas sobre a intentona golpista, planejada muito antes das eleições de 2022. Desde o início do governo, Bolsonaro seguia o roteiro típico de líderes autocráticos contemporâneos: difundia alegações falsas de fraude eleitoral, atacava a imprensa e opositores e, quando não conseguia capturar instituições — como ocorreu na PGR —, investia contra elas para corroer sua credibilidade junto à população. Apostava no desgaste institucional para colher o caos, o que culminou no 8 de janeiro de 2023, em evidente simetria com o 6 de janeiro de 2021 nos Estados Unidos.

Do ponto de vista probatório, há pouco espaço para contestação. A maior parte das evidências foi produzida pelos próprios envolvidos: tramas registradas em conversas de WhatsApp, documentos recuperados de lixeiras em computadores, planos de assassinato político e minutas de golpe impressas e apresentadas aos comandos das forças dentro da estrutura do governo. O golpe só não ocorreu por um detalhe. Com o avanço das investigações, a delação do principal ajudante de ordens apenas reforçou um enredo que, nem no mais criativo romance, pareceria plausível: a própria organização golpista produzindo os elementos que a incriminaram.

Por fim, a decisão é correta e necessária porque defender a democracia exige que o país deixe de repetir seus erros. Desde a Independência, o Brasil sofreu ao menos nove golpes de Estado e mais de vinte tentativas. Antes de 1964 — que nos submeteu a duas décadas de ditadura —, já haviam ocorrido três anistias recentes. Passou da hora de romper esse ciclo. Democracia alguma sobrevive quando, diante de ataques, escolhe olhar para o lado. Agora, pela primeira vez, a história não se repetiu por inércia: as instituições reagiram e a democracia sobreviveu.

A condenação de Bolsonaro e seus aliados na trama golpista, portanto, dá uma resposta ao passado autoritário, realiza um compromisso democrático com o presente e dá um recado ao futuro, de que qualquer tentação golpista não mais será tolerada. Isso é um legado valioso para as futuras gerações.

Advogado, doutor em direito do Estado e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral Político (ABRADEP)*

  2025. Eixo Capital. Luiz Eduardo Peccinin, advogado, doutor em Direito do Estado e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP)
2025. Eixo Capital. Luiz Eduardo Peccinin, advogado, doutor em Direito do Estado e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) (foto: Divulgação)

O risco de um julgamento sem garantias

Por Cristiane Rodrigues Britto** — A prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro é o resultado de um processo com intensa conotação política que não tem precedente na história das democracias modernas. É fruto de uma sequência de decisões juridicamente questionáveis e de um alinhamento institucional atípico, cuja excepcionalidade não encontra paralelo recente nas democracias constitucionais. Tais movimentos revelam um padrão que merece uma atenção rigorosa por parte da nação, sobretudo pelos impactos que produz sobre o devido processo legal e sobre a integridade das garantias fundamentais.

Suprimir direitos como a liberdade de expressão por meio da censura (inclusive religiosa) e perseguir opositores diuturnamente com o uso do aparato policial do Estado para reprimir e controlar a vida dos cidadãos, é a clássica definição de ditadura. Há tempos que a sociedade brasileira está assistindo a tudo isso acontecer com o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes contra o Estado Democrático de Direito, o que não faltam são argumentos técnicos de juristas renomados que apontam os erros cometidos ao longo do processo que culminou com a prisão do ex-presidente. A lista é extensa, mas é de fundamental importância passarmos a limpo o ponto central da acusação contra Bolsonaro: a delação do tenente-coronel Mauro Cid. Ao longo do processo, ele apresentou diversas versões que foram sendo alteradas ao "sabor dos ventos", o que inviabilizaria por completo o uso da sua delação por conta daquilo que juridicamente chamamos de vícios legais.

Além disso, nunca um ex-presidente da República foi julgado em uma única instância, sem direito ao segundo grau de jurisdição, garantido constitucionalmente a qualquer cidadão. Se a nossa democracia estivesse funcionando a pleno vapor, algo desta natureza jamais estaria acontecendo. Como se não bastasse, a execução da pena antes do exaurimento recursal é de uma gravidade ímpar.

O fato é que se a nossa Constituição também estivesse sendo respeitada, juízes da Suprema Corte não agiriam politicamente perseguindo opositores do governo e nem atravessariam as prerrogativas do Congresso Nacional no papel de legislar. Juízes da Suprema Corte jamais deveriam criar um regulamento para censura, muito menos afirmar que fazem parte de um "poder moderador". Juízes da Suprema Corte apenas julgam matérias constitucionais e se pronunciam nos autos; eles não devem subir em palanque para declarar que derrotaram o "bolsonarismo". A justiça não pode ter lado.

A justiça não pode ter preferência política. São muitos os motivos que fazem a luz vermelha acender, e o que mais preocupa é que, quando se é um juiz, principalmente da Suprema Corte, as suas preferências ideológicas não podem interferir nos seus julgamentos. Infelizmente, não é o que estamos presenciando a olhos nus atualmente aqui no Brasil, que, aliás, está próximo de se tornar uma Nicarágua, onde o Judiciário do país cooptou e caçou todos os políticos da direita. Depois, usaram o aparato estatal por meio dos mecanismos de coerção e propaganda para impedir que a população fosse às ruas protestar. As consequências desse precedente jurídico serão devastadoras para os jurisdicionados das próximas gerações. Da forma como as coisas estão indo, pode acontecer com qualquer um de nós.

Advogada especialista em direito eleitoral e partidário, ex-ministra sa Mulher, Família e dos Direitos Humanos, e ex-secretária Nacional de Políticas Públicas para Mulheres**

Cristiane Rodrigues Britto, advogada especialista em direito eleitoral e partidário, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e ex-secretária Nacional de Políticas Públicas para Mulheres
Cristiane Rodrigues Britto, advogada especialista em direito eleitoral e partidário, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e ex-secretária Nacional de Políticas Públicas para Mulheres (foto: Divulgação)

  •   2025. Eixo Capital. Luiz Eduardo Peccinin, advogado, doutor em Direito do Estado e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP)
    2025. Eixo Capital. Luiz Eduardo Peccinin, advogado, doutor em Direito do Estado e integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) Foto: Divulgação
  • Cristiane Rodrigues Britto, advogada especialista em direito eleitoral e partidário, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e ex-secretária Nacional de Políticas Públicas para Mulheres
    Cristiane Rodrigues Britto, advogada especialista em direito eleitoral e partidário, ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e ex-secretária Nacional de Políticas Públicas para Mulheres Foto: Divulgação
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postado em 27/11/2025 06:30 / atualizado em 27/11/2025 12:55
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