LITERATURA

'(In)verdades': livro reúne histórias incríveis de pessoas comuns

Brasília recebe, nesta sexta-feira (11/4), o lançamento da coletânea, que reúne contos de 16 escritores amadores dos mais diferentes estados brasileiros

Autores da coletânea '(In)verdades' em lançamentos ao redor do país -  (crédito: Beatriz Medaglini; João Motta; Annacris Andrades; João Reinaldo)
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Autores da coletânea '(In)verdades' em lançamentos ao redor do país - (crédito: Beatriz Medaglini; João Motta; Annacris Andrades; João Reinaldo)

Juntar pessoas até então desconhecidas, moradoras dos mais diferentes estados do Brasil e até do México, e com as mais distintas profissões em um só livro com histórias reais. Esta foi a ideia de Ana Paula Brandão, organizadora de coletânea (In)verdadesque reúne contos de oito homens e oito mulheres, e será lançada em Brasília nesta sexta-feira (11/4). 

A psicóloga e psicanalista do Rio de Janeiro, que publica como A.P. Brandão, conta ao Correio que a ideia do projeto era dar vida a “histórias incríveis de gente comum”. Como trabalha diretamente com pessoas há mais de 30 anos, sabe muito bem que elas têm muito a oferecer: “Acho as pessoas fascinantes”. 

“A proposta do livro sempre foi de reunir contos reais, não necessariamente dos autores”, explica o dentista de Brasília Luiz Guilherme Loivos, dono de duas das 32 mãos que produziram a obra. 

Ele reforça que, embora sejam os responsáveis por contar as histórias, nem sempre são os protagonistas delas — apesar de respeitarem, pelo menos neste primeiro volume, os gêneros dos respectivos eu-líricos que colocam no papel. Todos os homens escreveram sob pontos de vista de personagens homens, e todas as mulheres falam da perspectiva de personagens mulheres.  

Ana Paula afirma que sempre quis que as quantidades de escritores de cada gênero fossem iguais, até porque a ideia, no princípio, era ter metade do livro invertido — tanto no que diz respeito à troca de pontos de vista, quanto no que diz respeito à diagramação. A segunda etapa, porém, ficou para o próximo volume, garantem os dois autores, para que este não ficasse tão extenso. 

O que contam os contos

Relatos extremamente pessoais — com direito a luto e afetos juvenis em relações familiares —, os contos trazem sensações que levam da sensibilidade do choro à vivacidade da gargalhada. “Tem de tudo, de todos os gostos”, adverte Loivos. “Você vai das lágrimas ao riso mesmo. Tem contos que fazem você se emocionar, contos que fazem você gargalhar.” 

O texto de Ana Paula, por exemplo, traz o relato de uma paciente. Vítima de violências durante a infância, a personagem pediu, há cerca de 30 anos quando, à época muito doente, foi atendida pela psicanalista para “se reconciliar com o passado antes de morrer” —, para que a própria história fosse contada. “Acho que eu estou morrendo de silêncio”, ela teria dito. 

Essa frase marcou tanto a escritora, que guia os projetos literários dela até hoje. “Escrevo para não morrer de silêncios”, descreve a página no Instagram em que A.P. publica as próprias poesias e prosas poéticas para mais de 11 mil seguidores.  

Ana prometeu que contaria a história da Menina de tranças, a guardou durante 30 anos e, finalmente, fez surgir a oportunidade de contá-la. Ela acredita que a proposta do (In)verdades de trazer relatos reais foi um pretexto para soltá-la: “Acho que defini já com a intenção de contar essa história”. 

No conto que escreveu para a coletânea, Luiz Guilherme fala sobre o luto de uma irmã perdida; e os outros dois autores de Brasília, o economista e advogado Andrey Vilas Boas de Freitas e a advogada Perla Alessandra Tito Gomes — que já havia participado de outra coletânea com A.P., junto a outros três escritores — também trazem relatos um tanto quanto pessoais e ancestrais.

O texto de Andrey, Ninguém vai dormir, conta sobre uma situação que “marcou decisivamente” a relação dele com o avô materno, a quem define como “figura singular” na própria vida. “Meu avô era apaixonado por música clássica, ensinou a mim e a meus irmãos a apreciarmos também”, explica o escritor. “A história gira em torno da música Nessun dorma, daí o título do conto, e de como essa música marcou um momento especial — ou vários — de nossas vidas. Foi um momento de passagem para mim, de amadurecimento. O conto é uma homenagem a ele e uma declaração do meu amor por ele.”

O relato de Perla, Montanha-russa, também é retrato de carinho a gerações anteriores, desta vez na figura feminina. “É uma ode ao amor de vó — da minha avó”, introduz. “O texto me permitiu abraçar uma versão mais nova de mim e olhar com mais ternura para as montanhas-russas familiares que eu frequentava naquela época.”

Embrião 

Ana Paula conta que a ideia de produzir para além da área da saúde surgiu na pandemia. Na linha de frente de combate à covid em um hospital, ela carecia de um tempo de descanso que a tirasse das preocupações do dia a dia. “Foi um período muito pesado e eu precisava de uma beirada de barco”, relembra. “A escrita foi essa beirada de barco.” 

A.P. achou que seria interessante juntar pessoas que, como ela, procuravam, entre a rotina atarefada de profissões que não dizem respeito à escrita, “quase que um espaço de brincar” com as palavras. Depois de criar uma página no Instagram, ela decidiu usar a rede social para também entrar em contato com outros autores não profissionais. 

“Amadores das palavras” como os descreve, nos dois sentidos: não profissionais da área e apaixonados que escrevem por prazer —, esses trabalhadores dos mais diferentes campos foram unidos pela psicanalista por meio de mensagens tão suspeitas quanto convidativas. “Brincam comigo que eu sou uma assediadora”, ri.  

Um dos receptores da proposta, Luiz Guilherme confirma que a abordagem de Ana se deu, no ponto de vista dele, “a partir de convites bem aleatórios. 

A ideia improvável de contatar pessoas depois de ler os textos que elas publicavam nas redes sociais e gostar da forma que elas escreviam, porém, fez surgir encontros virtuais; dos encontros virtuais, duas coletâneas, publicadas em 2021 e 2023, um livro solo de Ana Paula e, finalmente, o (In)verdades — que é lançado em Brasília a partir das 18 deste dia 11, no Café Angelita, Asa Sul, depois de ter passado por estreias no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. 

  • Autores da coletânea (In)verdades em lançamentos ao redor do país
    Autores da coletânea (In)verdades em lançamentos ao redor do país João Reinaldo
  • Autores da coletânea (In)verdades em lançamentos ao redor do país
    Autores da coletânea (In)verdades em lançamentos ao redor do país João Reinaldo
  • Autores da coletânea (In)verdades em lançamentos ao redor do país
    Autores da coletânea (In)verdades em lançamentos ao redor do país Annacris Andrades
  • Autores da coletânea (In)verdades em lançamentos ao redor do país
    Autores da coletânea (In)verdades em lançamentos ao redor do país Beatriz Medaglini
  • Autores da coletânea (In)verdades em lançamentos ao redor do país
    Autores da coletânea (In)verdades em lançamentos ao redor do país João Motta

Reuniões e revisões 

Das produções conjuntas, além de novos escritores, nasceu confiança entre membros que não só doaram o próprio talento, mas auxiliaram na lapidação de um diamante coletivo. Se cada um escreveu o próprio conto de forma individual, os textos estão longe de serem impessoais ou desconectados uns dos outros devido ao processo de aprimoramento que tiveram.  

Leitura coletiva dos escritos, revisão, palpitestodas essas interferências produtivas faziam parte de encontros remotos semanais. O resultado, portanto, é fruto de “projeto conjunto de escrita”, conforme define Ana Paula. “Nós éramos os primeiros revisores uns dos outros.” 

Luiz Guilherme, que já participou de outras coletâneas e publicações em que trabalhou os próprios escritos de forma individual, reforça a melhoria proporcionada pela colaboração. Existe um trabalho coletivo em todo texto”, aponta. “Você tem o olhar de outras pessoas — no caso, de 15 outras pessoas — sobre o texto. É um aprendizado muito grande, tanto a leitura dos outros, como você abrir o coração para que eles façam sugestões sobre o texto. 

Perla conta que, no início, também estranhou a dinâmica ousada. Depois de dois encontros, porém, conforme lembra, tinha se torado um deles: “uma palpiteira cheia de razão”. 

Tempo precioso 

Apesar de ter sido cansativo conciliar as rotinas das respectivas profissões, durante um período de pouco menos de um ano, com a rotina semanal de escritores periódicos, as reuniões se tornaram “tempo precioso”, como descreve Ana Paula, para criação de textos e amizades. “É prazeroso, mas é sempre cansativo”, descreve Luiz Guilherme. 

A junção e a partilha de psicanalistas, dentistas, advogados, fonoaudiólogos, médicos que “escolhem o momento de escrever como um momento de lazer na vida delas”, que derramavam relatos pessoais e íntimos, de si ou de quem confiou nelas para isso, foi forma de estreitar laços. Era quase uma terapia, relembra A.P. “A gente falava muito sobre a gente. 

Depois do livro pronto, as reuniões foram usadas para resolver questões relacionadas a capa — feita por uma das autoras —, contrato, lançamentos, vendas, distribuição e, claro, manter o contato e amarrar bem os laços estreitados para a produção do próximo volume.  

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“O livro é uma pequena — pequeníssima, arrisco dizer — parte do que são nossos encontros, com um monte de gente doida e palpiteira”, explica Perla. “Entre risos, desabafos, impaciência e paciência de Jó, construímos mais do que histórias: vimos nascer amizades tão improváveis quanto reunir 16 pessoas que amam arte, literatura, boa comida e que, ainda por cima, são gente boa pra caramba.” 

(In)verdades 

“Verdades, o que são?”, indaga a orelha da coletânea. Segundo Ana Paula, “existem verdades que não são verdadeiras e existem mentiras que são verdadeiras”. Ao contarem um conto e aumentarem ou diminuírem pontos sobre histórias e pessoas reais, portanto, os autores desta coletânea colocaram as próprias verdades dentro do que escreveram. 

Por isso o título (In)verdades. “Verdades dentro do livro”, explica a organizadora. Luiz Guilherme complementa: “Dentro dele há inverdades, como no sentido de que nem toda verdade é absolutamente verdadeira e toda história contada é um pouco inventada”. 

As histórias nunca são tão só verdade, nem tão só mentira”, reforça A.P. Elas são perpassadas pelo que é de cada escritor.” 

“Se você me perguntar quanto de verdade tem no meu texto...”, pondera Perla. “Acho que tudo. Minhas invenções são verdadeiras, garanto. 

A advogada finaliza com convite ao leitor que ainda está indeciso sobre encarar a realidade da escrita de verdades advindas de tantas pessoas tão diferentes. “Vale a pena ler essas 16 histórias lindas de gente comum. Tenho certeza que você vai sorrir e, talvez, deixar escapar uma gotinha salgada do canto do olho.

Lançamento do livro (In)verdades 

Sexta-feira (11/4), das 18h às 22h, no Café Angelita (CLS 409, bloco D, loja 6, Asa Sul). 

postado em 09/04/2025 22:59