
Premiado, inquieto e comprometido com o ofício, Caio Horowicz segue trilhando um caminho marcado pela versatilidade e pela busca constante por papéis que desafiem seu corpo e sua mente. Conhecido por seu trabalho no teatro e em filmes como Califórnia — onde debutou —, Ainda estou aqui — que deu ao seu currículo um Oscar — e o recém-lançado A Batalha da Rua Maria Antônia, o ator de 29 anos ganhou visibilidade ao participar da produção biográfica Hebe, que pode ser vista no streaming, assim como as séries Boca a boca, Lov3, 5x Comédia e Da ponte pra lá.
Ainda no clima de Copa do Mundo que tomou conta do país com a vitória do Brasil no Oscar, Caio pondera sobre a sua participação em Ainda estou aqui, de Walter Salles, que ganhou como Melhor Filme Estrangeiro. "A gente sabia que uma coisa muito importante estava sendo feita ali, que a história do cinema brasileiro e do cinema mundial estava sendo escrita", garante o paulistano.
Porém, antes disso, o artista assinalou uma conquista memorável no currículo: ele também foi destaque na disputada lista Under 30 da Forbes Brasil, reconhecimento que atesta sua relevância no cenário artístico nacional. "Sucesso para mim é conquistar cada vez mais a minha identidade, autoralidade, a minha maneira autêntica de ser no mundo. Eu acho que o sucesso tem a ver com isso de não ceder às pressões do mundo e continuar criando, da maneira que eu acredito... Também tem a ver com fazer parcerias que eu acredito, que eu admiro", defende ele.
Sobre seu trabalho de maior visibilidade, o ator reafirma o desafio que foi interpretar Marcelo Camargo, filho da apresentadora Hebe. "Sempre é muito desafiador fazer pessoas que existem, ainda mais que estão vivas, uma responsabilidade dobrada. Você tem que ser respeitoso com a história da pessoa, você tem que honrar a história da pessoa e, ao mesmo tempo, tem as nossas licenças poéticas da ficção que a gente está criando. Então não quer dizer que eu vou imitar a pessoa, não quer dizer que a gente vai seguir estritamente o que aconteceu, mas claro que eu conversei muito com Marcelo", recorda.
Constante movimento
Caio encara a atuação como um ofício em constante movimento. "Eu acho que as coisas se alimentam, se retroalimentam, os trabalhos por mais diferentes que eles possam parecer, seja um trabalho no teatro, no streaming, na tevê, no cinema, eles se retroalimentam, para falar da minha experiência específica. Essas coisas, querendo ou não, são um exercício único, que é o treinamento da musculatura da atuação. Você poder ser outros, poder imaginar mundos diferentes que não do nosso cotidiano, do nosso dia a dia. Eu acho que isso tudo anda junto. Então, acaba que a energia não é dividida, ela é multiplicada, na verdade. E acho que essa beleza é o trabalho da atuação", afirma.
Ao falar sobre o desejo de fazer uma novela, gênero que ainda não experimentou, Caio aponta a rotina intensa como um verdadeiro exercício diário da atuação. "Você recebe o texto, às vezes, um dia antes, para fazer vinte cenas no dia seguinte. É insano e maravilhoso", explica. Mais do que o ritmo acelerado, o que o atrai nesse formato é a possibilidade de ampliar o alcance do seu trabalho: "Tenho muita vontade de furar essa bolha, de chegar em mais gente. Novela chega aonde o streaming e o cinema muitas vezes não chegam. Isso é muito forte", argumenta.
Mesmo com uma carreira já consolidada, o aquariano deseja romper estereótipos e se reinventar. "Quero fazer mais comédia, tenho formação como palhaço com a Cristiane Paoli Quito, um dos grandes nomes do mundo. Quero fazer playboys, vilões, personagens da música brasileira... Enfim, sair do lugar comum do outsider e explorar outras facetas." O humor, segundo Caio, faz parte de sua essência, e é um terreno fértil que ainda quer explorar mais.
Entrevista | Caio Horowicz
Você é um artista multifacetado, atuando em teatro, cinema e streaming. Como você gerencia sua criatividade e sua energia para lidar com tantos projetos diferentes?
Eu acho que as coisas se alimentam, se retroalimentam, os trabalhos por mais diferentes que eles possam parecer, seja um trabalho no teatro, no streaming, na TV, no cinema, eles se retroalimentam, para falar da minha experiência específica. Agora, eu estava com três trabalhos aí: uma peça da Companhia do Latão, estreando o filme A Batalha da Rua Maria Antônia, e fazendo um outro filme, Isabel. Essas coisas, querendo ou não, são um exercício único, que é o treinamento da musculatura da atuação. Você poder ser outros, poder imaginar mundos diferentes que não do nosso cotidiano, do nosso dia a dia. Isso tudo anda junto, então, acaba que a energia não é dividida, ela é multiplicada, na verdade. E acho que essa beleza é o trabalho da atuação.
Como foi sua experiência trabalhando em Ainda estou aqui, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional?
A experiência no Ainda estou aqui foi muito surreal, muito especial e única. Claro, cada experiência é uma experiência, nenhuma é igual a outra, mas, desse porte, é muito raro acontecer, são poucas vezes na nossa vida. Para dar uma dimensão de como era, lembro que eu cheguei em um primeiro ensaio do filme, eu estava numa sala, a gente já estava ensaiando na nossa locação que a gente filmou na Urca, no Rio de Janeiro, e aí eu olhava para o lado e tinha o Walter Salles, olhava para o outro tinha a Fernanda Torres, o Selton Mello, o Dan Stulbach, a Camila Márdila, a Helena Albergaria, o Humberto Carrão, a Valentina Herszage, a Amanda Gabriel que é preparadora de elenco, a Daniela Thomas... Sabia-se que uma coisa muito importante estava sendo feita ali, que a história do cinema brasileiro e do cinema mundial estava sendo escrita. A gente tinha essa dimensão. Claro, não se tinha dimensão de que ia ganhar um Oscar porque eu acho que isso é uma coisa muito impensável para nós, que estamos à margem do mundo do cinema mundial, no sentido do mercado, mas não à margem no sentido da criatividade das ideias, da dimensão que o nosso cinema tem, o tamanho que nosso cinema brasileiro tem, que está entre os maiores do mundo certamente. A gente começou a imaginar que isso poderia acontecer quando ganhou em Veneza o prêmio de melhor roteiro; aí começou uma torcida muito forte.
O que você acha que contribuiu para o sucesso do filme?
Eu acho que o filme conquistou o que conquistou porque tem um elenco brilhante, roteiro brilhante e a direção brilhante do Walter... Acho que uma história que toca em um tema, em um período obscuro e traumático da nossa história, que foi a ditadura militar brasileira, mas toca nesse trauma de uma maneira que é impossível concordar com os algozes da ditadura... É impossível você estar do lado errado da história e, depois de assistir ao filme, eu acho que esse é o mérito do filme: contar a história dessa mulher que é a Eunice Paiva, que é brilhantemente encarnada por Fernanda Torres. Acho que tudo isso fez do filme o que é, e eu pude ter o privilégio e o prazer e a honra de estar ao lado de gigantes ali dentro.
Seu último filme, A Batalha da Rua Maria Antônia, recria um dos confrontos mais marcantes da resistência estudantil contra a ditadura militar no Brasil. Como você se preparou para interpretar um jovem nesse contexto histórico?
A Batalha da Rua Maria Antônia foi um filme muito ensaiado. São 21 planos sequências, 16 milímetros, preto e branco. A gente não podia pensar em errar, coisa que, quando a gente filma com digital, a gente pode se dar o luxo de fazer, que é errar. Dessa vez, não. O filme foi muito ensaiado. A Vera Egito, diretora do filme, criou um grupo de atores e atrizes, um elenco maravilhoso, e fez desse grupo um coletivo quase de teatro. A gente ensaiou muito, durante bastante tempo, especificamente três semanas mais puxadas de ensaio. E eu fiz um mergulho intenso no personagem, que é o Benjamin, que é um personagem que tem paralelos com pessoas que existiram, que estavam lá no dia da batalha. Pude conversar com pessoas que estavam lá, mergulhar em coisas específicas dessas pessoas, em jeitos, em comportamentos, na subjetividade dessas figuras, tentar trazer isso como material para minha personagem e também a oportunidade de estudar um evento histórico de perto, que é tão importante para a história do nosso país, que foi a Batalha da Rua Maria Antônia. A gente fazia dois planos por dia, a gente geralmente filma mais, a gente filmou em 12 dias, que é muito raro para o cinema, geralmente a gente filma em mais dias também, quatro semanas, por aí, cinco semanas. Dessa vez, a gente fez em duas semanas. Foi um filme muito rápido de se fazer, mas, ao mesmo tempo, muito demorado para se maturar. A Vera tinha esse projeto já fazia 12 anos. Foi um filme gestado por muito tempo e, aí, nasceu muito rapidamente. Foi uma experiência incrível estar no set, como se a gente estivesse em um palco de teatro, com esse coletivo tão azeitado e tão bem coordenado pela Vera, pela Maria Laura, que é a preparadora de elenco, por tanta gente incrível da equipe.
Como podemos comparar essa produção à Ainda estou aqui?
Eu acho que o filme é primo do Ainda estou aqui, porque toca no mesmo trauma, que é a ditadura militar, mas o diferencial do Batalha é que é um filme que fala do movimento estudantil brasileiro. São poucos os filmes que tocam nesse aspecto, nesse viés da ditadura militar, que foi a repressão violenta contra o movimento estudantil. É um filme que mostra a beleza e a força da luta dos jovens estudantes do Brasil.
Você entrou para a lista da Forbes, a Under 30, em 2022, na categoria Artes Dramáticas. Como você se sente sobre essa conquista e o que você acha que é o segredo do sucesso?
Ah, eu fiquei muito honrado de estar na Forbes, ao lado de tanta gente incrível que já passou e que passa por lá. Acho que a principal honra é me ver ali ao lado de tanta gente que eu admiro e que eu acredito no trabalho, então isso é uma medida para me dizer que o caminho está certo, que o caminho está legal. É uma alegria imensa estar ali. Eu acho que sucesso para mim é conquistar cada vez mais a minha identidade, a autoralidade, a minha maneira autêntica de ser no mundo. Eu acho que o sucesso tem a ver com isso de não ceder às pressões do mundo e continuar criando, da maneira que eu acredito... Também, o sucesso, para mim, tem a ver com fazer parcerias que eu acredito, que eu admiro, estar perto de pessoas que eu admiro, criando junto com pessoas que eu admiro, e disso eu não posso reclamar, eu tenho privilégio de ter passado e ter encontrado tanta gente maravilhosa na minha trajetória. São pessoas impecáveis e que eu sou eternamente grato de ter cruzado minha trajetória com eles. Então, para mim, o sucesso tem a ver com isso.
Você já trabalhou em diversos filmes e séries. Qual é o seu processo de escolha de projetos e o que você procura em um papel?
O meu processo de escolha tem muito a ver com quem está no projeto. Quem são as pessoas que estão dirigindo, quem são as pessoas que estão produzindo, quem são as pessoas que estão no elenco. Esse é o primeiro termômetro para eu saber se vale a pena ou não. O outro é a história que está sendo contada, que também é principal nesse processo de escolha. E eu tive o grande prazer de poder contar histórias que eu acredito, no cinema, na TV, no teatro, e fazer personagens que eu acho que são relevantes, que têm material a ser explorado, a ser cavucado, a ser desenvolvido, a ser buscado, achado, posto à prova.
Um dos seus trabalhos de maior visibilidade foi Hebe. Como foi dar corpo fictício a um personagem real e ainda vivo?
O processo do Hebe foi uma grande alegria porque eu estava ao lado de Andréa Beltrão e Maurício Farias, dois grandes criadores impecáveis e contar essa história dessa mulher impressionante e muito autêntica. Fazer o Marcelo, o filho dela, foi um grande desafio porque sempre é muito desafiador fazer pessoas que existem, ainda mais que estão vivas, uma responsabilidade dobrada, você tem que ser respeitoso com a história da pessoa, você tem que honrar a história da pessoa, e ao mesmo tempo tem as nossas licenças poéticas da ficção que a gente está criando. Não quer dizer que eu vou imitar a pessoa, não quer dizer que a gente vai seguir estritamente o que aconteceu, mas claro que eu conversei muito com Marcelo. Na época, ele era muito solícito, muito querido comigo, foi uma pessoa que que estava junto, e visitou set um dia, a gente teve oportunidade de conversar ao vivo, me contou histórias... Poder ouvir a pessoa que eu estou interpretando, ouvir as histórias, ouvir a voz, conhecer os trejeitos, isso tudo é material de inspiração para a hora de ir para a cena e dá mais consistência ao meu trabalho.
Como você se sente sobre a plataforma de streaming e o que você acha que é o futuro da indústria do entretenimento?
Eu acho que os streamings vieram para o Brasil com muita coisa legal, mas acho que têm coisas delicadas. Eu acho que, no processo das plataformas, no sentido de que o público brasileiro é um público diferente do público de fora do Brasil, no sentido de que a gente tem interesse de consumir coisas que são da nossa cultura, a gente quer ver coisas da nossa cultura, então eu vejo cada vez mais os streamings preocupados em contar histórias. Acho que chegou um ponto em que os streamings perceberam que as histórias que devem ser contadas são as histórias brasileiras, e não histórias importadas, mesmo em termos de forma, de como vai se contar. Eu acho que não adianta querer contar histórias brasileiras com linguagens e formas norte-americanas, porque aqui a gente tem jeitos diferentes de ver o mundo, tem visões de mundo diferentes, cosmologias diferentes. E eu acho que isso precisa ser levado em consideração cada vez mais pelos streamings, sabe? Isso é um desafio, que, se os streamings se propuserem realmente a encarar esse desafio, têm muito a crescer nas produções, e muito a crescer também a nossa cultura.
Você nunca fez novelas, mas aponta esse desejo. O que você acha que é o maior desafio em trabalhar em novelas e o que você espera de uma possível experiência nesse formato?
Acho que o maior desafio de fazer uma novela é o exercício diário da atuação. Essa linha de produção insana e maravilhosa, que é você estar em exercício de atuação diariamente, com textos que você recebe uma semana antes, às vezes um dia antes, uma semana, eu estou sendo muito generoso. Talvez, às vezes um dia antes, para fazer uma, sei lá, 20 cenas no dia seguinte. Eu acho que isso é o principal desafio, que é um desafio de treinamento mesmo, de musculação, a musculação da atuação. Talvez é o que mais me interesse numa novela. Também a capacidade de chegar em públicos que o streaming não chega, que o cinema não chega. De chegar em uma pessoa que vive em uma cidade que só chega sinal de TV, que às vezes não tem nem internet, mas ela está assistindo a uma novela das sete, das nove, das seis. Isso é muito forte, e eu tenho muita vontade de furar essa bolha, de chegar em mais gente, fazer coisas populares, que tem tanta qualidade, as novelas brasileiras têm tanta qualidade dramatúrgica de direção. Isso me interessa muito.
Qual é, para você, o papel do teatro na sociedade contemporânea?
Para mim, o papel do teatro é um papel político. Político no sentido de como o teatro ocidental que a gente conhece surgiu lá na Grécia Antiga, a pólis grega, política, que vem dessa palavra polis, que era cidade, então o papel do teatro na construção de uma cidade, na construção da identidade de um sujeito que é social, que é político, que tem direitos, que tem deveres. A maneira como a gente se relaciona com as coisas públicas da vida e, obviamente, para mim eu tenho referências que tem a ver com esse jeito de pensar o teatro. Temos aí nomes, a Companhia do Latão, que eu tive a alegria de trabalhar junto, o Marcio Abreu com a Companhia Brasileira de Teatro, tem Felipe Hirsch, a própria Daniela Thomas, pessoas que eu admiro no teatro... Janaina Leite, Grace Passô... Figuras que eu acho que pensam o teatro dessa maneira também, o teatro na formação de sujeitos que pensam o mundo, que pensam as nossas questões sociais, sem deixar de lado a subjetividade, o caráter emocional, a capacidade de você se afetar com uma história que está sendo contada, com a forma como essa história está sendo contada. Eu quero fazer esse tipo de teatro, e estou fazendo, em alguma medida. Acredito que estou trazendo essas parcerias para eu poder fazer isso acontecer cada vez mais.
Você tem um tipo físico que te leva a personagens muito voltados a essa aparência. Que tipo de papel você gostaria de fazer que desafiasse essa tendência?
Eu quero fazer personagens cômicos, eu quero fazer mais comédia. Eu tenho uma formação de palhaço com um dos grandes nomes de palhaço não só do Brasil, mas mundial, que é Cristiane Paoli Quito. E eu gosto muito do viés da comédia, eu sou uma pessoa que leva a vida na bagaceira de um jeito engraçado. Eu já fiz papéis mais engraçados, voltados para comédia, mas poucos, então, quero explorar mais esse viés. Eu quero fazer personagens também que fujam do outsider, que é uma coisa que eu já fiz bastante, o outsider em vários jeitos possíveis... Eu gosto de pensar em personagens mais playboys, sabe? Vilões também, eu quero explorar coisas que são diferentes de mim e que tenho muita vontade de fazer. Também personagens que têm a ver com música, figuras da música brasileira. Têm algumas figuras que eu sonho em interpretar...