
Um dos mais longevos nomes da música popular do país, Odair José tem décadas de histórias para cantar e contar. O artista decidiu que a melhor forma de dividir isso com o público seria justamente continuar na estrada. Dessa forma, ele chega à Brasília com o show Clássicos, que será apresentado na 39ª edição do evento Arte Fato realizada no Teatro dos Bancários a partir das 20h de hoje. Os ingressos já estão esgotados.
O show pelos sucessos da carreirado músico que já dura pouco mais de 55anos de trajetória de Odair José. São 40 discos que começaram a ser lançados quando ele ainda era um jovem, mas tem canções amadas pelo público até hoje. Em Brasília, o repertório será no formato acústico e sem banda, o que não é um problema para o cantor. “Eu me viro nos 30, como dizem”, afirma.
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Porém o que mais chama atenção é um artista com a magnitude de Odair levar toda essa história para os palcos de Brasília. Entre encontros com fãs conversas com Raul Seixas e Reginaldo Rossi e muitos shows feitos, se apresentará em Brasília uma pessoa que ultrapassa opapel de cantor e que merece ser ouvido.
Entrevista // Odair José
Como é a sua relação tanto pessoal quanto da sua música com Brasília? Qual sua história com a capital?
Eu vou a Brasília desde o início da minha vida. Primeiro, eu nasci em Goiânia e já tinha uma relação por ser goiano. Mas, mesmo no meu trabalho, desde quando comecei a trabalhar em 1970, quando passei a viajar pelo Brasil. Desde então, eu sempre apareci em Brasília, uma cidade que nunca saiu da minha rota. O Brasil é muito grande e tem lugares que você fica até três anos sem ir. Porém, Brasília não é o caso. Nos últimos três anos, uma vez no ano pelo menos, eu voltei para Brasília. Já toquei em vários lugares aí e sempre com momentos muito especiais e o público participando. Eu gosto muito da cidade, tenho uma identificação distinta. Esquece a parte de capital, essas coisas federais, de política e tal. Eu gosto das pessoas da cidade, eu me identifico com isso.
Como foi a preparação desse show? Com tantos anos de carreira, comoé o seu processo atual de condensar toda essa história? Num show que te agrade e agrade ao público que está lá para te assistir seja pela primeira vez ou pela trigésima?
Isso é crucial no negócio. São 55 anos de estrada, com 40 discos gravados, com um total de quase 500 canções e, dessas 500 canções, com 50, 60 ou 70 clássicos que as pessoas amam. Você tem ali uma hora e meia. Então, eu diria que o repertório é complicado, porque sempre vai sair alguém dizendo: “ele não cantou minha música”. Isso é inevitável, porque é muito disco e muita música. Isso é uma batalha. Eu estou há anos pensando no que é o repertório. Tem coisas que entram, que saem, tem coisas que não saem. Você vai experimentando e testando. Buscando justamente agradar as pessoas, mas também músicas que me permitem apresentar um trabalho com dinâmica, com energia, com uma série de coisas que tem na história da carreirado artista, mas que funcionem no palco. Sempre de olho no que o povo conhece e quer ouvir. Não vou dizer para você que eu estou com o repertório perfeito ou certo, eu sei que muita coisa nele ainda pode ser mudada. No entanto, eu acho que eu estou perto do ideal.
Quais os caminhos que este show de clássicos vai tomar?
Ele vai ter desde o primeiro disco, de 1970, até o último. Evidentemente, tem discos no meio, que não entram, porque a gente acha que elas não são relevantes nem para mim, nem para o público. Eu só vou tocar em um tempo de por volta de uma hora e meia não mais do que isso. Para mim, é o tempo suportado para você não ficar chato e o ideal para criar o interesse do público. A gente está andando pelo Brasil há um tempo com esse mesmo show. No caso de Brasília, ele vai ser um acústico, um formato acústico mas o repertório é o mesmo do show com a banda. As pessoas dizem que quando você vê um artista fazendo uma coisa acústica, parece que você fica mais próximo dele. O que as pessoas vão ver é uma história musical do Odair José. Eu montei assim e por esse motivo se chama Clássicos. Eu andei uma época em que lançava um disco e tocava quase inteiro, um álbum novo. Passou um tempo e fui perceber que a nível de show não funciona. Então, vou tocar duas músicas do disco novo, mais as outras que o pessoal quer ouvir. Esse repertório de uma hora e meia, uma hora e quarenta, gira por volta de 27 canções: duas dessas músicas e o resto, eu vou desfilando por esses anos que eu estou aí na estrada. Espero que eu agrade o pessoal amanhã.
Você começou na era do vinil e darádio, passou por várias plataformas e agora tem fãs que podem ouvir sua discografia pelo Spotify. Isso fez uma nova leva de fãs descobrirem o seu trabalho. Como você lida com a redescoberta do Odair José?
Eu penso que este é um tempo novo que é acoplado ao tempo antigo. Eu sou um cantor de rádio. Na minha época, você lançava um disco, um vinil, fosse um compacto simples ou LP e ia para as rádios e trabalhava para elas. Você só chegava às pessoas por meio do rádio, que era único meio de comunicação que levava a informação e a música. Agora, nesse novo tempo, como artista, a gente não pode desconhecer as plataformas, os streamings e essas coisas todas. Essa é a realidade que nós estamos vivendo. Eu sei que o público vai procurar meus novos trabalhos nas plataformas. Você falou, o povo pode buscar qualquer coisa e é um público. É um público jovem que está lá, um público de outra geração. Mas o antigo também está aprendendo a ir pra lá. O pessoal realmente senta, põe no Spotify e escuta tudo, escuta o que ele quer. É uma coisa que você tem que prestar muita atenção, tem que trabalhar muito. A coisa é confusa e é prazerosa.
A sua música atravessou gerações também entre os fãs. Como é o sentimento de continuar relevante ao longo do tempo e ver famílias inteiras nos seus shows?
Isso é interessante, isso acontece muito. Eu estou com 76 anos, há 55 anos que estou aqui. Eu escuto muito que quem indicou as músicas foi o pai ou o avô. Porque existe uma lógica, do cara, que tem 25 anos de idade não ter uma tendência de curtir o artista que o pai dele ou o avô dele curtiu. Ele vai curtir e se identificar com o artista da época dele, da geração dele. Isso é natural. Aí, quando o cara vai, porque conheceu a música por meio do pai ou do avô, eu fico feliz. Eles vão até um pouco com o pé atrás e quando chegam lá, de um modo geral, 100% saem de lá dizendo que gostaram muito, e acontece muito eu voltar nos lugares e esses jovens estarem lá de volta. Isso é muito interessante.
Com 76 anos de idade e mais de 50 de carreira você continua aparecendo, ganhando prêmios, lançando discos nos streamings e discutindo assuntos relevantes recentemente. Qual o trabalho que você sente de se manter atual e de manter a sua música e a sua temática conversando com a atualidade?
Eu costumo contar para as pessoas um exemplo quando eu vou falar disso. Em 1968, no Rio de Janeiro, eu conheci o Raulzito, que depois, mais tarde, o Brasil conheceu como Raul Seixas. No meu trabalho que eu fiz em 1969, o Raulzito estava lá comigo, tem música dele, ele tocouguitarra, me ajudou a produzir. Naquela ocasião, a gente conversava, o Raul era mais velho do que eu, uns quatro anos, e ele tinha mais informação, muito mais do que eu. Então, eu ouvia muito o que ele falava e eu discutia com ele: de que maneira a gente poderia colocar o nosso trabalho na mídia e na boca do povo. Porque já tinham vários estilos consagrados, a gente ia entrar como? Acabou que ele achou a maneira dele e eu achei a minha. E qual foi? Eu faço músicas buscando que elas tenham relevância no dia a dia das pessoas. Eu faço músicas sobre minhas observações, sobre o que eu vejo. É mais do que eu vejo do que eu sinto. Por isso que eu estou sempre falando, estou sempre trazendo pra uma pauta e jogando uma luz em algum problema, em algum tema. Primeiro, eu sou um compositor. O compositor tem, por obrigação, que acompanhar o tempo que vive. Como sou um compositor que falo sobre as minhas observações, tenho a obrigação de estar falando sobre o meu tempo, sobre aquilo que eu estou vendo no momento. A minha preocupação é que minhas músicas sejam relevantes. Para elas serem relevantes, eu tenho que estar antenado com o que está acontecendo. Tenho mais de 75 anos e quase 60 observando para fazer música. Se você faz sucesso, você já está no meio, então parece que muita coisa não mudou. As pessoas repetem, às vezes, os mesmos erros e muito menos nos acertos. Percebi que se você é humano e faz música observando humanos, você corre o risco de estar atualizado (risos).
Você mencionou Raul Seixas. Ele é um dos seus parceiros, amigos e colegas de carreira que já não estão mais conosco. O quanto o seu trabalho, seus discos, esses clássicos e esses shows pelo Brasil também não dizem respeito a todas essas memórias e essas pessoas que hoje não podem estar com você?
Cara, é louco isso. Porque, de repente, eu me pego pensando nisso. A gente tem a obrigação profissional de procurar sempre estar bem e fazer o trabalho da melhor forma possível. No meu caso, eu às vezes me olho e digo: ‘Eu tenho que fazer o melhor aqui, porque a minha convivência com a história do que eu faço, o que eu já convivi, o que eu já vi, o que eu já aprendi, o que eu já escutei, as pessoas com as quais eu me relacionei para como chegar até aqui, tudo isso é muito importante. Eu não posso dizer para mim que eu não sei o que eu estou fazendo, eu tenho a obrigação de saber. Faço isso em respeito a amigos meus, que não estão mais aqui e que poderiam estar. Eu mesmo poderia não estar, a vida é muito efêmera. Do nada, você perde a vida. Viver não é uma certeza de nada. Tenho até uma música que diz que a morte é a última emoção da vida. Eu abusei muito de muitas coisas, quando mais jovem e tenho amigos que fizeram o mesmo. Alguns não cuidaram muito bem do corpo e aceleraram um pouco a partida, outros já tinham mesmo um problema do corpo e não duraram tanto tempo, outros estão por aí tocando ainda e outros não trabalham mais. Eu continuo trabalhando, sinto e ainda dou conta de fazer. Tenho as minhas restrições em algumas coisas, mas acho que o corpo ainda acompanha o que a cabeça está querendo fazer. Acho que está indo junto. A hora que eu perceber que não dá mais, eu mesmo vou dizer: ‘não vou mais subir no palco, não vou mais ficar fazendo coisas, porque eu não estou apto a fazer’.
O que você considera importante em sua vida?
Eu tive o privilégio de conviver com muita gente. É uma coisa muito rica. As pessoas às vezes perguntam para mim, se eu tenho uma vida muito rica e digo que sim. ‘Você tem quantas fazendas?’ perguntam. Eu respondo: ‘Não, não é nesse sentido. Minha riqueza é outra’. Foi muito bom viver até aqui, ter convivido com essas pessoas, esses talentos, todos, essas pessoas dentro da sua complexidade. Você aprende, você observa. Eu estive com o Raul um pouco antes dele morrer, encontrei ele no aeroporto de São Paulo. Nós conversamos bastante e naquele momento nós conversamos, inclusive, sobre o negócio de trocar de vício. Porque você larga um vício quando você pega outro. Eu falei que existia uma teoria sobre para o Raul e ele falou que já tinha ouvido falar disso. Eu falei: ‘para largar um vício, você tem que assumir outro’. A gente estava tomando um uísque, na época. Hoje, não bebo mais, há 18 anos que eu não bebo nada de álcool, não fumo. Eu sou um careta total. Mas no encontro falei para ele que estava trocando balcão da boemia, da loucura, pelo vício do corpo. Contei: ‘Eu vou para as academias, eu vou para o exercício físico’. Eu fiz, Ele até tentou fazer, mas não deu e não seguiu em frente. Essas vivências são a minha grande riqueza. E eu caminho com isso na minha memória, é por lembranças como essas do Raul que me sinto um privilegiado.
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