As capitais de 15 estados brasileiros, hoje, se unem em ato organizado pelo movimento Vida Além do Trabalho (VAT) para pedir o fim da escala de trabalho 6x1 — seis dias trabalhados por um dia de folga — e por melhores condições de trabalho. Esta semana, a proposta de emenda constitucional (PEC) apresentada pela deputada Erika Hilton (PSol-SP) alcançou as 171 assinaturas de deputados para que seja, enfim, protocolada na Câmara dos Deputados e, posteriormente, seja encaminhada para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e começar a tramitar.
A repercussão do movimento VAT e a luta por melhores condições trabalhistas trouxe à tona a discussão sobre a necessidade de uma reforma nas regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O tema dividiu opiniões acerca dos impactos da mudança na economia, na produtividade brasileira e na saúde do trabalhador. Segundo o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (FD/UnB) Paulo Henrique Blair de Oliveira, especialista em direito constitucional, o fim da escala 6x1 é um avanço: “O Brasil não está reinventando a roda nem está engatando uma marcha ré. Estamos levantando uma discussão de uma realidade que já se estabeleceu em vários países da Europa”.
Do ponto de vista do professor do Departamento de Economia (Face) da UnB, e doutor em Economia da Indústria e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), José Luis Oreiro, a redução da carga horária semanal gerará custos para os empregadores e enfraquecerá a competitividade brasileira, em particular, na indústria de transformação. “Não vejo como isso pode estimular a criação de emprego, pelo contrário, vai desestimular, reduzindo os postos de trabalhos formais e aumentando a informalidade. No setor de serviços, vão ter que contratar mais trabalhadores e repassar os custos para o consumidor. Então, vamos ter uma aceleração na inflação de serviços”, analisou o docente.
Produtividade
A Advogada trabalhista e professora da Escola de Negócios Saint Paul, Claudia Abdul Ahad Securato concorda que a redução de 44 horas para 36 horas semanais, sem reduzir o salário dos trabalhadores, vai onerar o empregador. Mas ela entende que haverá ganhos,que poderão compensar o aumento de gastos. Ela acredita, por exemplo, que haverá aumento dadas contratações pelo regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). E cita ainda o aumento da produtividade nas empresas. Com base na experiência estrangeira, especialmente europeia, ela diz que a mudança trará mais saúde mental, o que melhora o desempenho do trabalhador e, consequentemente, a produtividade. “O trabalhador tem mais segurança, mais tempo com a família, e adoece menos no trabalho, o que gera menos custo para empresa”.
O economista discorda: “A China e o México, países com renda per capita igual à do Brasil,têm carga horária anual maior que a nossa. Então, se você reduz a jornada de trabalho aqui,vamos ficar menos competitivos frente a esses países. E isso vai ser mortal para nossa indústria”. Para o presidente da Associação Comercial de São Paulo(ACSP), Roberto Mateus Ordine, a PEC de Erika Hilton é um retrocesso e “expõe o trabalhador a um perigo maior do que o atual”. “Ele vai ser penalizado ou com a perda de emprego ou com preços mais altos. Não é possível acabar com a 6x1 e manter preços. Se tivéssemos uma economia mais pujante, conseguiríamos dar mais benefícios ao trabalhador”, assinalou.
Conquista histórica
A jornada 6x1, no Brasil, foi instituída no governo Getúlio Vargas e integra a CLT, também criada por ele. A carga horária foi definida pelos decretos 21.186 e 21.364, publicados em 1932. O primeiro, direcionado aos comerciários, diz que “a duração normal do trabalho efetivo dos empregados em estabelecimentos comerciais, ou secções de estabelecimentos comerciais, e em escritórios que explorem serviços de qualquer natureza, será de oito horas diárias, ou 48 horas semanais, de maneira que a cada período deseis dias de ocupação efetiva corresponda um dia de descanso obrigatório”. o segundo, como mesmo teor, vale para o setor da indústria. O documento oficializa o domingo como dia de descanso.
À época, a regulamentação da jornada foi considerada uma vitória histórica da classe trabalhadora, que vivia tempos de exploração demão de obra.
Mudanças profundas
Para especialistas, a mudança na CLT não pode acontecer sozinha. “Precisamos investir fortemente na educação para alcançar índices positivos de produção que sejam comparáveis com outros países”, afirma Cláudia Securato.
O economista Oreiro acrescenta que “a condição de saúde do trabalhador muitas vezes é afetada por condições fora do trabalho, como moradia, qualidade do ar, transporte público, alimentação, acesso a um bom sistema de saúde”.“A jornada de trabalho não começa quando o trabalhador chega no emprego, começa quando ele sai de casa. Nas grandes metrópoles brasileiras, o tempo gasto em um ônibus ou em um trem lotado é de 3h para ir e 3h para voltar. Se querem de fato melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores celetistas, é muito mais interessante, do ponto de vista econômico, investir em mobilidade urbana, e oferecer aos trabalhadores um transporte público de qualidade”, reforçou o economista.
Informalidade
Oreiro observa que a redução da carga de trabalho semanal ainda deixa a maior parte da população economicamente ativa à margem dessas melhorias. “Mais de 50% da força de trabalho está na informalidade ou está desempregada. O motorista do Uber vai continuar fazendo as 12 horas. Isso vai afetar a “elite” dos trabalhadores brasileiros, que são os que têm carteira assinada”.
Para o professor Paulo Henrique, só haverá avanços se a discussão englobar negociações nos diferentes setores da economia e da vida social. “Temos de encontrar uma forma mais inteligente de produção. Não há nenhum tipo de engenharia administrativa que funcione com os funcionários que adoecem por esgotamento, por burnout, ainda mais no mundo onde tudo gira em torno do cumprimento de metas. É hora de discutir este assunto forma adulta, sem preconceito.”