O papa de todas as fés

Alerta do papa mostra a importância da economia ecológica: "tudo está interligado"

Francisco propôs um sistema econômico que integre ecologia com a noção de bem comum, incluindo o bem-estar

"O Barco Hospital é o anúncio de Jesus Cristo", disse o papa sobre o projeto que leva o seu nome - (crédito: Divulgação/Arquidiocese de Obdos)

Em uma sala, na qual o papa Francisco recebeu, em setembro de 2022, mais de mil economistas e empresários — em sua maioria jovens — que chegavam para participar do encontro A economia de Francisco, em Assis (Itália), havia um grande painel, no qual estava escrito "não é utopia". A frase fazia referência às visões de que a proposta do pontífice não encontra respaldo no pensamento econômico e, por isso, não é factível.

A proposta de Francisco é resgatar os fundamentos da economia, cuja finalidade é atender as necessidades básicas das pessoas e promover o desenvolvimento, com responsabilidade social e respeito à ecologia.

Na Encíclica Laudato Si, publicada em 2015, denuncia um modelo de desenvolvimento predador, em que se difundiu uma cultura individualista e egocêntrico, descumprindo o que lhe foi designado no livro do Gênesis, com o papel de cuidar da obra da criação. O mercado do lucro e o consumo desmedido acabam por destruir a vida e, muitas vezes, o próprio homem. O documento apregoa uma "ecologia integral", em que a economia esteja centralizada na natureza e no homem — e não o dinheiro.

"A finança sufoca a economia real. Não se aprendeu a lição da crise financeira mundial e, muito lentamente, aprende-se a lição do deterioramento ambiental", diz um trecho do documento.

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, conhecida mundialmente pela defesa da preservação da natureza, descreve o papa como uma liderança que teve "presença epifânica" no mundo, usando um termo religioso para se referir ao caráter revelador e iluminado da mensagem que ele deixou a toda a humanidade, consciente da urgência em se promover ações concretas de transformação do modelo atual, como a transição energética e combate à pobreza.

"Ele trouxe palavras bastante integradas com as necessidades e buscou percorrer caminhos que procuraram apontar soluções", comenta Marina, citando como exemplo que ele defendeu a transição energética como "um novo ciclo de prosperidade".

"Ele tinha esse olhar que mostrava para o mundo que é preciso promover o desenvolvimento levando prosperidade para todos. E prosperidade não é sinônimo de riqueza. Um indivíduo pode ser próspero sem ser rico e ser rico sem ser próspero."

Citando a Laudato Si, Marina aponta a preocupação do papa em mostrar a interdependência entre todos os sistemas — sociais, econômicos e ambientais. "Dentro dessa visão de ecologia integral, ele engloba todos os aspectos da vida, dos indivíduos e da natureza. Ele está nos dizendo que, quando agredimos a natureza, agredimos todos os fazeres humanos".

Na citação de Marina, está implícita a expressão "tudo está interligado", que o papa repete várias vezes na Encíclica, referindo-se às consequências nefastas de uma economia que não atenta aos temas ambientais e sociais.

"Tudo está interligado. Por isso, exige-se uma preocupação pelo meio ambiente, unida ao amor sincero pelos seres humanos e a um compromisso constante com os problemas da sociedade", diz um dos trechos.

"Pensando no bem comum, hoje precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, coloquem-se, decididamente, a serviço da vida, especialmente da vida humana. A salvação dos bancos a todo o custo, fazendo pagar o preço à população, sem a firme decisão de rever e reformar o sistema inteiro, reafirma um domínio absoluto da finança que não tem futuro e só poderá gerar novas crises depois duma longa, custosa e aparente cura", reforça outro.

Querida Amazônia

Além da Laudato Si, a atenção do papa às questões ambientais está na exortação apostólica (carta menor do que uma encíclica) Laudate Deum, sobre a crise climática e no Querida Amazônia, documento final do Sínodo sobre a Amazônia.

O tema da economia ecológica aparece em vários capítulos do documento, no qual o papa fala em "quatro grandes sonhos". O primeiro é a realização dos direitos dos mais pobres da região. O segundo, "que preserve a riqueza cultural". O terceiro, "que guarde zelosamente a sedutora beleza natural", e por último, que os cristãos sejam "capazes de se devotar e encarnar na Amazônia".

A preocupação do papa com a região amazônica foi registrada logo que assumiu o pontificado, em 2013. Na visita que fez ao Brasil, pediu que olhássemos para a Amazônia. Foi então que o frei Francisco Belotti, presidente da Associação e Fraternidade São Francisco de Assis na Providência de Deus, entidade filantrópica de São Paulo, teve a ideia do barco hospital.

Em um encontro, durante a jornada mundial da juventude, o papa perguntou ao frei se os franciscanos já estavam na Amazônia, encorajando que enviassem uma missão. Frei Francisco, então, passou a assumir a Santa Casa de Óbidos, iniciando uma trajetória de mais de 10 anos dos Frades Franciscanos na região amazônica.

Hoje são duas embarcações: o Barco Hospital Papa Francisco e o Banco Hospital João XVIII, que veio primeiro.

 

Por Edla Lula
postado em 28/04/2025 04:40
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