
O avanço da transição energética no Brasil tem revelado iniciativas que unem inovação tecnológica, impacto social e preservação ambiental. Um exemplo vem do aproveitamento de resíduos agroflorestais que, antes descartados, agora ganham novo destino como fonte de energia renovável. A casca da castanha de baru e o coco de piaçava, subprodutos comuns em comunidades rurais do Cerrado e do estado da Bahia, tornaram-se insumos estratégicos para a produção de biodiesel, solução desenvolvida pela Binatural. Segundo André Lavor, CEO e cofundador da empresa, a ideia nasceu da observação de que esses materiais eram desperdiçados pelos produtores locais. "Transformamos um passivo em solução energética eficiente, com poder calorífico superior ao da lenha", contou, em entrevista ao Correio.
A Binatural foi pioneira no uso da casca do baru e, mais recentemente, do coco de piaçava como biomassa. Como surgiu a ideia de transformar esses resíduos em fonte energética para as caldeiras da usina?
Essas ideias nasceram do campo, em diálogo direto com os produtores. No caso do baru, percebemos que a casca era tratada como resíduo incômodo, descartada em aterros e gerando custos adicionais para as cooperativas. Transformamos esse passivo em solução energética eficiente, com poder calorífico superior ao da lenha. A piaçava surgiu a partir da parceria com agricultores familiares da Bahia, pois identificamos a abundância do coco, tradicionalmente desperdiçado após a retirada das fibras. A inovação veio de enxergar valor no que era subaproveitado, conectando conhecimento técnico com a vocação local.
Quais foram os principais desafios técnicos para adaptar esses resíduos agroflorestais ao processo industrial de produção de biodiesel?
Cada biomassa exige um processo de adequação. Com a piaçava, por exemplo, tivemos que desenvolver protocolos específicos para garantir a moagem, secagem e transporte adequados, sem comprometer a eficiência das caldeiras. Com o baru, o desafio foi comprovar em escala industrial aquilo que só existia em estudos acadêmicos. A superação desses obstáculos reforça nosso papel em transformar ciência em prática e inovação em resultado.
A Binatural destaca o impacto positivo para a agricultura familiar. De que forma essas iniciativas têm fortalecido economicamente os pequenos produtores parceiros?
Na prática, transformamos resíduos em fonte de renda. Hoje, centenas de famílias conseguem vender aquilo que antes era descartado, garantindo um fluxo de caixa mais estável e fortalecendo cooperativas locais. No caso da piaçava, por exemplo, asseguramos a compra anual de 200 mil quilos de coco, movimentando mais de meio milhão de reais em contratos. Esse modelo permite que o agricultor familiar seja protagonista da transição energética, ampliando renda e fortalecendo economias locais.
O Cerrado e a Bahia são territórios de forte simbolismo cultural e biodiversidade. Como a Binatural equilibra inovação industrial e preservação ambiental nessas regiões?
Nosso princípio é que não existe transição energética sem regeneração ambiental. No Cerrado, ao valorizar o baru, incentivamos o cultivo sustentável de uma árvore nativa, fortalecendo a biodiversidade e reduzindo a pressão sobre a extração predatória. Já na Bahia, com a piaçava, trabalhamos junto a cooperativas que utilizam práticas agroecológicas e sistemas agroflorestais, conciliando produção agrícola com preservação da Mata Atlântica. Esse equilíbrio é o que garante que a inovação caminhe com a conservação.
Estudos já apontavam o potencial energético da casca do baru e do coco de piaçava. O que faltava para que essa aplicação fosse viabilizada em escala industrial?
Faltava alguém assumir o risco de transformar teoria em prática. Nós acreditamos nesse caminho e investimos para que a adaptação fosse viável em escala. O resultado mostra que é possível substituir a lenha por biomassa renovável de maior eficiência, gerando impacto positivo não apenas no processo industrial, mas também na renda de comunidades rurais.
Como a adoção dessas biomassas impactou a produtividade, os custos operacionais e a pegada de carbono da Binatural?
O impacto é triplo: eficiência, economia e sustentabilidade. O coco de piaçava demonstrou alto poder calorífico, garantindo ganhos de produtividade e redução de custos operacionais. A casca do baru, por sua vez, superou a lenha de eucalipto em desempenho. Além disso, ambas as biomassas reduziram significativamente nossa pegada de carbono, reforçando o papel da Binatural na descarbonização da matriz energética.
A empresa investe em parcerias com cooperativas locais. Qual é o papel dessas organizações na viabilização e expansão dos projetos?
As cooperativas são o elo essencial. Elas organizam a colheita, padronizam a qualidade e garantem escala de fornecimento. No caso da Coopafbasul (Cooperativa dos Agricultores Familiares do Baixo Sul), por exemplo, a parceria permite não só a venda do coco de piaçava, mas também a produção dos sacos de juta utilizados no transporte, agregando valor à própria cadeia. Esse modelo gera desenvolvimento comunitário e amplia o alcance social das iniciativas.
O Brasil é um dos maiores produtores de biodiesel do mundo. De que forma iniciativas como a da Binatural podem inspirar outras empresas do setor energético?
Mostramos que é possível inovar com impacto social e ambiental reais. O Brasil tem vocação para liderar a transição energética e, ao valorizar resíduos locais, provamos que há caminhos para unir produção de energia, geração de renda e conservação ambiental. Esse é um modelo que pode ser replicado em diferentes territórios e cadeias produtivas.
Além do baru e da piaçava, vocês já estudam ou testam o aproveitamento de outros resíduos agroflorestais ou urbanos no processo produtivo?
Sim. Estamos continuamente avaliando novas matérias-primas, incluindo resíduos urbanos como óleo de cozinha usado (UCO), já incorporado em nossa produção. O objetivo é diversificar as fontes renováveis, sempre priorizando soluções que unam eficiência energética e impacto social positivo.
Como avalia o impacto do recente aumento da mistura obrigatória de biodiesel no diesel, tanto para o setor energético quanto para os produtores parceiros?
O avanço para o B15 é uma conquista coletiva. Ele estimula a produção nacional, reduz emissões e gera renda para milhares de agricultores familiares. Para empresas como a Binatural, significa ampliar nossa capacidade de inovação e fortalecer parcerias no campo, garantindo que a transição energética brasileira seja, ao mesmo tempo, robusta e inclusiva.
Quais são os próximos passos da Binatural em termos de inovação sustentável e expansão de projetos que unam energia limpa, geração de renda e conservação ambiental?
Estamos atentos a três frentes: novas biomassas, economia circular e logística sustentável. Já temos projetos que reduzem resíduos plásticos, preservam água e operam transporte 100% com biodiesel. Nosso próximo passo é consolidar esse ecossistema regenerativo, ampliando iniciativas que façam do biodiesel não apenas uma alternativa energética, mas um vetor de transformação social.
Que propostas o setor de biodiesel levará para a COP30?
Acreditamos que a COP30 será uma oportunidade para mostrar ao mundo como o Brasil pode liderar com soluções práticas e escaláveis. Defendemos a ampliação da mistura obrigatória, a valorização da agricultura familiar e o reconhecimento do biodiesel como ferramenta de mitigação climática imediata.
Como garantir que a transição energética seja justa e inclusiva, considerando as necessidades e potencialidades das comunidades rurais?
A transição só será justa se incluir quem está na base da cadeia. Isso significa valorizar agricultores familiares, investir em cooperativas e assegurar que a renda gerada pela energia limpa circule nas comunidades locais. Nosso modelo de negócio já comprova que é possível, o desafio é escalar e inspirar mais atores a seguirem o mesmo caminho.