Contas públicas

Governo Lula prepara último Orçamento da gestão

Analistas avaliam que Ploa de 2026, que será enviado ao Congresso nesta semana, terá receitas superestimadas e despesas subestimadas. Neste ano, a meta fiscal é de deficit zero, com limite de tolerância de um rombo fiscal de até 0,25% do PIB

Por que a resposta do governo ao tarifaço amplia o drama das contas públicas -  (crédito: Platobr Politica)
Por que a resposta do governo ao tarifaço amplia o drama das contas públicas - (crédito: Platobr Politica)

A equipe econômica do presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviará ao Congresso Nacional, nesta sexta-feira, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2026. Essa será a proposta do último Orçamento do governo, coincidindo com as eleições presidenciais. A expectativa é de que o texto que será enviado ao Executivo contenha projeções de despesas subestimadas e de receita superestimadas para que as contas fechem, pelo menos, no papel.

Em abril, quando o governo encaminhou o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2026, ao Congresso, técnicos da equipe econômica admitiram que havia um buraco de R$ 118 bilhões, por conta de receitas ainda não confirmadas para que o Executivo consiga entregar o piso da meta fiscal e não mais o centro da meta. Procurados pelo Correio, os ministérios do Planejamento e da Fazenda não comentaram o assunto. Analistas estimam que o governo consiga encampar algumas medidas de aumento de receita entre R$ 55 bilhões e R$ 59 bilhões.

Nesse sentido, Lula seguirá em busca de receitas extras, que não são recorrentes, para cobrir novas despesas obrigatórias — que superaram R$ 30 bilhões por ano a partir de 2026 — ou seja, o famoso cobertor curto. Enquanto isso, o novo arcabouço fiscal mantém o descrédito desde o primeiro ano (2024), quando a meta foi modificada poucos meses após o anúncio para adequar o aumento de gastos. Outro sinal de descrédito do governo com a política fiscal foi a falta de ministros no anúncio do PLDO de 2026, como é praxe.

Neste ano, a meta fiscal é de deficit zero, com limite de tolerância de um rombo fiscal de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), ou seja, de até R$ 31 bilhões, e analistas reconhecem que o governo deverá cumprir a meta fiscal mas pelo piso graças ao desconto de parte das despesas com precatórios, que deve somar R$ 44,1 bilhões. E, para 2026, a meta fiscal prevista no PLDO é de um superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) de 0,25% do PIB, ou R$ 34,3 bilhões. Esse saldo positivo, no entanto, também só deverá ser alcançado devido aos descontos de gastos do cálculo da meta superiores ao limite do piso, como precatórios, de R$ 55,1 bilhões.

Alerta

Diante do cenário, especialistas ouvidos pelo Correio apontam que as despesas seguem crescendo sem que o governo faça ajustes do lado dos gastos — o que mina a credibilidade de que a atual gestão tenha qualquer compromisso com a responsabilidade fiscal. Eles lembram que, como a dívida pública bruta em girado próximo a 80% do Produto Interno Bruto, um dos fatores que pesam na decisão do Banco Central em manter a taxa básica de juros (Selic), atualmente em 15% ao ano, em patamares elevados por um "período bastante prolongado".

Os cálculos deles indicam que, para a dívida pública parar de crescer é necessário um superavit primário de 2,5% do PIB, algo ainda distante da realidade. "Com o cenário atual de juros, é preciso um esforço fiscal de 2,5% do PIB, pelo menos, para a dívida pública estabilizar, o que seria um corte muito significativo de gastos", destaca Tiago Sbardelotto, economista da XP Investimentos.

Pelas estimativas da instituição, o rombo fiscal só deverá ser zerado, sem os descontos, em 2029. "Mas esse é um cenário em que consideramos que o arcabouço deverá ser mantido até lá, mas sabemos que, em 2027, será preciso rediscutir essa regra fiscal", alerta. Segundo Sbardelotto, a estratégia do governo tem sido diferente do que nos outros anos, porque ele deixava para definir tudo do Orçamento aos 45 do segundo tempo, mas, neste ano, "antecipou a estratégia de aumentar receita para o ano seguinte e garantiu uns R$ 55 bilhões".

Desse montante, R$ 28 bilhões devem vir com polêmico o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) - que parou no Supremo Tribunal Federal (STF) para entrar em vigor após resistência do Legislativo - e outros R$ 20 bilhões devem ser provenientes dos aumentos de tributos previstos na Medida Provisória 1303/25, como o fim das isenções das Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCA).

Os outros R$ 7 bilhões devem vir com a reoneração gradual da folha de pagamentos, se não houver nova prorrogação. "Acredito que eles devem incluir alguma receita com leilões de áreas de exploração do petróleo para o próximo ano, o que elevaria essa receita para uns R$ 59 bilhões, pelas nossas estimativas", destaca Tiago Sbardelotto.

O economista-chefe da ARX Investimentos, Gabriel Leal de Barros, especialista em contas públicas, aposta que o governo deve lançar mão de um novo refis, programa de renegociação de dívidas tributárias, para tentar fechar o buraco do Orçamento do próximo ano, incluindo a antecipação de recebíveis da estatal Pré-Sal Petróleo SA (PPSA). "O governo só deve adotar medidas pelo lado da receita, o plano é unilateral e exclusivo pelo lado da receita e, para isso, devem considerar as receitas com o decreto de IOF e MP 1303/25", ressalta.

Alternativas viáveis

Na avaliação dos especialistas, há descaso com a questão fiscal por parte do Executivo e do Legislativo, pois o PLDO de 2026 deveria ter sido aprovado pelo Congresso antes do envio do Ploa. "Essa é mais uma das evidências do descaso com que a questão fiscal e orçamentária é tratada no Brasil", afirma economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto.

Deve-se repetir, assim, a estratégia do Ploa de 2025, que nasceu em bases irrealistas, apenas corrigidas em maio do corrente. Ele indica que o governo federal deve seguir buscando o piso da meta, ou seja, utilizando totalmente o espaço da regra para calibrar o contingenciamento de despesas e acomodações de gastos imprevistos.

Para o professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Benito Salomão, é preciso um maior compromisso das autoridades com as metas fiscais, como existe com as metas de inflação e reconhece que as regras fiscais recentes, tanto o teto de gastos quanto o arcabouço fiscal, foram feitas para serem descumpridas. "O governo está aumentando as despesas para cumprir as promessas de campanha. Isso não podemos negar, mas o problema é que estamos vendo um aumento considerável do endividamento público", alerta.

Segundo ele, o melhor modelo é a regra do superavit primário, que deixou de ser cumprida desde 2014, mas foi a que teve maior sobrevida. "O problema é calibrar e comunicar. As escolhas políticas precisam ser mais transparentes e a política fiscal precisa valer", observa.

Ajuda

Por outro lado, os analistas reconhecem que a Proposta de Emenda à Constituição 66/2023, a chamada PEC dos Precatórios, deve ajudar o governo a cumprir a cumprimento da meta fiscal a partir de 2027, ano considerado crítico para o arcabouço fiscal, porque o aval do STF para o desconto de parte dos precatórios na conta do resultado primário termina no ano que vem.

Com a mudança, o governo poderá abater a totalidade do pagamento de precatórios, o que seria algo em torno de R$ 112 bilhões — mais do que o total estimado para despesas discricionárias em 2026: R$ 91 bilhões, o menor patamar desde 2022, segundo dados da XP.

O diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Alexandre Andrade, reconhece que o projeto deve auxiliar o Executivo a cumprir a meta a partir de 2026, com um alívio de R$ 113,7 bilhões nas contas, pelas estimativas da entidade ligada ao Senado, para o cumprimento da meta de resultado primário. Contudo, em 2026, segundo ele, o governo precisará, ainda, de um esforço de R$ 80,7 bilhões para cumprir a meta fiscal pelo piso. 

 

 


postado em 25/08/2025 03:55
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