
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, autorizou a Nvidia a retomar a venda de seus chips avançados H200, usados em inteligência artificial (IA), a "clientes aprovados" na China. A liberação, que também alcança outras empresas americanas do setor, como a AMD, sinaliza uma inflexão na política de restrições tecnológicas.
Em publicação nas redes sociais, Trump afirmou que a medida busca "proteger a segurança nacional, criar empregos nos Estados Unidos e manter a liderança americana em inteligência artificial".
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A liberação ocorre após semanas de articulação do presidente-executivo da Nvidia, Jensen Huang, que esteve em Washington para defender a flexibilização das restrições. A fabricante, líder global em semicondutores e uma das empresas mais valiosas do mundo, vinha impedida de comercializar seus chips mais avançados no mercado chinês, em meio à disputa tecnológica entre Washington e Pequim.
O CEO da Nvidia também afirmou, no mês passado, que a China deve ultrapassar os Estados Unidos na corrida pela IA. Já na última semana, o executivo disse que os norte-americanos ainda lideram a disputa, mas que a China, por ter maior flexibilidade regulatória e vantagens no custo de energia, obriga os EUA a "correrem na frente" para manter a liderança global.
Huang, também criticou recentemente o que chamou de "cinismo" no Ocidente, especialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido, e afirmou que a "multiplicação" de novas regras têm dificultado a coordenação interna da empresa.
Ele contrastou esse ambiente regulatório com os subsídios energéticos chineses, que tornam mais barato operar centros de dados no país e desenvolver alternativas domésticas aos chips da Nvidia. "A energia lá é de graça", afirmou durante o Future of AI Summit, em Londres.
O advogado e especialista em Direito Migratório Wilson Bicalho define a inteligência artificial como o "petróleo do século 21". Segundo ele, a China vem crescendo de forma consistente nas últimas décadas, com investimentos expressivos no setor de tecnologia. "Essa disputa entre Estados Unidos e China vai gerar uma corrida, assim como tivemos a corrida armamentista entre Estados Unidos e Rússia há algumas décadas. Agora teremos uma corrida pela tecnologia entre essas duas potências", disse.
Interdependência
Para Edson Agatti, economista com foco internacional e diretor-executivo da Hayek Global College, a decisão indica que considerações econômicas acabaram pesando mais do que a estratégia política originalmente anunciada por Washington. "A liberação mostra que, no fim, o custo econômico para os EUA e o lobby das big techs falaram mais alto do que a estratégia política do Trump", afirmou.
Agatti avaliou que o movimento expõe o grau de interdependência entre as duas maiores economias do mundo, apesar do discurso recorrente de desacoplamento. "Escancara que EUA e China estão muito dependentes um do outro economicamente, apesar do discurso de desacoplamento. Isso mostra a força dos mercados na influência política."
Segundo ele, a decisão também enfraquece a estratégia americana de controle sobre tecnologias consideradas sensíveis. "O controle tecnológico perde força porque as ameaças do Trump ficaram menos críveis. Planejamento estatal nesse nível costuma falhar quando confrontado com a pressão por inovação", avaliou.
Na avaliação do economista, a flexibilização reforça a percepção internacional de falta de coerência na política externa dos Estados Unidos em relação à China. "Quando os princípios mudam, a confiança internacional diminui", enfatizou.
Mesmo em caso de vitória chinesa nessa corrida, o especialista em Relações Internacionais Ricardo Caichiolo acredita que os EUA se manterão no topo da liderança mundial e que a possibilidade de o país norte-americano entrar em crise é "remota". "Caso haja uma necessidade de realocação de recursos para garantir sua supremacia tecnológica, isso pode eventualmente desestabilizar sua economia."
Segundo o especialista em Direito Migratório Wilson Bicalho, na China o ambiente é mais flexível, a mão de obra é "infinitamente" mais barata e o próprio Estado lidera os investimentos em tecnologia, enquanto, nos Estados Unidos, o desenvolvimento é conduzido majoritariamente por empresas privadas.
"Já vimos isso acontecer, por exemplo, com os carros elétricos. Os Estados Unidos resolveram a questão colocando uma tarifa absurdamente alta sobre os veículos, para que eles não colidissem com a indústria de automóveis americana, que é gigante. Contudo, em termos de produção de carro elétrico, os Estados Unidos já estão ficando muito para trás, principalmente em relação à China" , lembrou.
O advogado comentou que a China sempre enxergou Taiwan como parte de seu território e considera essencial a reunificação para controlar a produção de chips de ponta. "Para os Estados Unidos, proteger Taiwan era proteger também uma estrutura tecnológica e militar que os ajudaria. Aquela região sempre foi conflituosa, mas devido à relevância da produção de chips em Taiwan, Taiwan se tornou uma peça importantíssima, muito relevante, no tabuleiro."
Interesses geopolíticos
O especialista em IA Luciano Bravo, CEO da Inteligência Comercial, afirma que a disputa entre China e Estados Unidos é movida por interesses geopolíticos e de segurança nacional, já que a IA tem aplicações militares, comerciais e de vigilância. Ele destaca que poder computacional, acesso a GPUs, design de chips e concentração de talentos determinam quem consegue treinar modelos de ponta.
"A China respondia aos embargos norte-americanos com política industrial de subsídios e esforços de autossuficiência em chips e infraestrutura. No curto prazo os controles ampliariam vantagem americana; no médio prazo a China reduz dependências locais. Essas estratégias geravam mercados externos mais fragilizados, porém internos fortes", concluiu Bravo.
Paralelamente às decisões políticas envolvendo EUA e China, a Nvidia mantém posição central no avanço da inteligência artificial. O Financial Times escolheu Huang como Pessoa do Ano, destacando seu papel na transformação do setor em um momento em que a companhia lidera um dos maiores ciclos de investimento privado já registrados. Segundo o jornal, a escolha reflete "o papel que ele desempenhou nessa transformação".
Em entrevista ao Financial Times, Huang relatou um telefonema do presidente Donald Trump, recebido em seu aniversário, que marcou o início de uma relação direta entre o governo norte-americano e a Nvidia. O contato simbolizou a aproximação entre Washington e a empresa em meio à crescente centralidade da inteligência artificial na disputa tecnológica global.
Impulsionada pela demanda por chips voltados à IA, a Nvidia tornou-se a empresa mais valiosa do mundo. Huang afirmou ao jornal que vê a companhia no centro da "construção de uma indústria inteira que produz inteligência digital".
Em 29 de outubro deste ano, a Nvidia alcançou US$ 5 trilhões em valor de mercado, tornando-se a primeira empresa de capital aberto a atingir esse patamar. O desempenho reflete o interesse crescente de investidores ao longo de 2025, impulsionado pela expansão acelerada da inteligência artificial. No acumulado do ano, as ações da companhia negociadas na Bolsa de Nova York registram valorização de 36%.
O avanço ocorre em meio a questionamentos sobre a possível formação de uma bolha no setor. Sobre o tema, Huang afirmou que os aportes seguem critérios rigorosos. "Os investidores que de fato assinam os cheques são bastante disciplinados", disse.
*Estagiários sob a supervisão de Rafaela Gonçalves

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