
Não era tão comum jogadores de futebol nascidos no Brasil escolherem defender outras bandeiras, mas a globalização também os alcançou. O meia paulistano Marcos Senna é ídolo na Espanha graças ao título da Euro-2008. O caminho foi o mesmo trilhado pelo catarinense de Imbituba Jorginho, hoje no Flamengo e campeão do principal torneio de seleções do Velho Continente com a Itália em 2021. Natural de São Bernardo do Campo (SP), Deco jogou duas Copas do Mundo por Portugal. Há outros vários exemplos, porém o movimento inverso ainda é raridade na bola, mas chama a atenção nos esportes de inverno a 53 dias da abertura dos Jogos Olímpicos de Milão-Cortina.
Temos cinco talentos dos esportes gelados que escolheram, no bom sentido, entrar numa fria vestindo verde-amarelo. Norueguês de Oslo, Lucas Braathen Pinheiro é o nosso “Haaland” no esqui alpino. Outro nórdico é Christian Oliveira Soevik na mesma modalidade. Luca Mérimée-Mantovani é o francês mais brasuca do snowboard. Gaia Brunello, do biatlo, defendia o orgulho italiano no biatlo até o ano passado. Conhecida pelos Alpes, a Suíça lapidou o snowboarder Patrick Burgener, mas foi “trocada”. Ele escolheu se naturalizar brasileiros e honrar origem da mãe, como conta em entrevista ao Correio.
Burgener nasceu em Lausanne, em 1º de junho de 1994. É filho de Pauline, natural do Líbano, mas viveu como refugiada no Rio de Janeiro por mais de uma década antes de se mudar para a Suíça na década de 1960 para estudar biologia. “Sempre foi meu sonho fazer a transição. No ano passado, eu estava no Brasil e senti no meu coração que deveria fazê-la, porque se eu não faço agora, nunca mais faria. É um grande processo. Foi uma das melhores decisões da minha vida”, celebra.
A oficialização da naturalização veio em setembro. Três meses depois, Burgener ostenta o melhor resultado do Brasil na história da modalidade: o quarto lugar na etapa da China na Copa do Mundo. A competição é especial, pois foi a primeira dele sob a bandeira brasileira. A próxima etapa será em Copper Mountain, no Canadá, de 17 a 19 de dezembro.
Aos 31 anos, tem maturidade para entender que, embora o país natal seja potência nos esportes de inverno, o ciclo chegou ao fim. A história com a seleção suíça começou aos 14 anos. Trajetória de respeito, com bronzes nos Mundiais de 2017 e 2019, além da 5ª posição nos Jogos Olímpicos de Inverno PyeongChang, em 2018, e 11º em Pequim-2022. Na temporada 2024/2025, encerrada em março, foi campeão da European Cup Premium, em Laxx, na Suíça.
O snowboarder nunca foi acomodado. Por essa e outras, transcendeu a modalidade e tornou-se multifacetado. Curte surfar, andar de skate, capoeira e até luta kung-fu. Outro grande exemplo é a veia artística. Devido à educação dos país e aos períodos fora de treinos e competições, sobretudo por causa de lesões, aprendeu a tocar seis instrumentos e tornou-se músico conhecido. Lançou os Eps The Route (2018), Icar (2019), Better Man (2020) e California Sun (2022) e o álbum PAT The Album (2023).
No Spotify, possui quase 64 mil ouvintes mensais. A faixa mais reproduzida na plataforma é Staring at the sun e tem mais de 7 milhões de reproduções. No Instagram, são 180 mil seguidores. Comunicação com os fãs não é problema: ele fala inglês, francês, alemão e um pouco de árabe. Considera-se um filho do mundo e precisou sete meses para aprender a falar um bom português. Troca poucas palavras e, quando não sabe o que dizer, recorre aos dicionários e tradutores digitais para aprender.
Talvez, a principal característica de Burgener seja a espontaneidade. Durante a conversa, lembra a dificuldade durante a infância de se adaptar à escola. Ele tinha dificuldade de concentração em tarefas, foi diagnosticado com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e, aos 13 anos, deixou de vez o ambiente de estudo. Mas isso não é um tabu para ele. Toda a energia foi canalizada em atividades ao invés de medicamentos que o tornariam mais “calmo”.
“Eu não gostei da escola, segui meu coração. Eu me tornei um profissional de esporte, depois, com as lesões, entrei na música e, agora, com a mudança de nacionalidade. São projetos que muitas pessoas do meu convívio diziam que eram arriscados”, detalha.
“Quero inspirar o pessoal a seguir os seus sonhos, porque as histórias mais loucas são exatamente as histórias que você tem que seguir. Na minha vida, o primeiro com a escola foi isso”, enfatiza.
O mais brasileiros dos suíços é o 11º colocado do ranking mundial do snowboard halfpipe. Ele é o favorito do Brasil a uma vaga para os Jogos de Milão-Cortina. Augustinho Teixeira é outro candidato do país a uma vaga. A classificação para o megaevento será encerrada em janeiro e premiará os 25 mais bem posicionados.
Competir no norte da Itália seria como estar em casa, pois apenas 4h de carro separam Lausanne, a cidade natal de Burgener, de uma das sedes da próxima Olimpíada. “Doarei tudo que eu tenho. É uma oportunidade para de mostrar o snowboard e contribuir com mais do que antes, porque quero disputar por um país tão grande como o Brasil”, discursa.
Burgener segue morando na Europa, mas deseja vir mais vezes ao Brasil. Recentemente, esteve por aqui e conheceu o escritório da Confederação Brasileira de Desportos na Neve (CBDN), em São Paulo. Tocou em um bar na Vila Madalena, conheceu o litoral paulista na visita a Ubatuba. Teve tempo para “turistar” no Rio de Janeiro e se encantar pelas praias.
Na próxima vinda, deseja ir ao Nordeste e a Florianópolis. Brasília também está nos planos, mas perde por um quesito: não tem praia. Futebol? Ele adora. Acompanhou a Copa do Mundo de 2002 e vibrou com o penta. No Brasil, encantou-se pelo Flamengo e viu de perto o Botafogo.

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