Opinião

O que a China pode nos ensinar sobre a formação de professores

Em 2018, o governo chinês lançou um plano nacional para transformar o país em líder global de tecnologia e inovação. Formar bons professores era essencial para alcançar a meta

Alunos estudam matemática em sala de aula -  (crédito: Divulgação/Instituto TIM)
Alunos estudam matemática em sala de aula - (crédito: Divulgação/Instituto TIM)

PATRICIA MOTA GUEDES — Mestre em políticas públicas pela Universidade de Princeton e em administração pública pela Universidade de Massachusetts Amherst. Superintendente do Itaú Social

Uma visita à China para conhecer de perto o avanço tecnológico, especialmente no campo da inteligência artificial e suas aplicações, nos trouxe reflexões valiosas sobre a formação de professores. Em 2018, o Ministério da Educação chinês lançou o Plano Nacional para Educação, que tem como objetivo transformar o país em líder global de tecnologia e inovação. "Não tem como alcançarmos essa meta sem professores bem formados nas escolas", destacou Wang Hao, vice-secretário de educação de Xangai. Essa foi a mensagem mais enfatizada por gestores, professores e especialistas em tecnologia e um dos aprendizados mais marcantes para o nosso diversificado grupo de pesquisadores e representantes da sociedade civil e poder público brasileiro que participaram dessa experiência. 

Embora não seja possível — nem desejável — simplesmente simular o sistema educacional chinês, a reflexão foi inevitável: no Brasil, o que temos a celebrar em termos de formação docente? Nesse sentido, em 2024, dois marcos importantes se destacam: as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para a Formação Inicial de Professores e a revisão do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) voltado às licenciaturas.

As novas DCNs visam elevar os padrões de qualidade da formação inicial dos educadores. Um dos principais avanços é a exigência de que cursos a distância (EaD) ofereçam, no mínimo, 50% das aulas de forma presencial. É inadmissível que futuros docentes sejam formados sem uma carga significativa em sala de aula e sem um estágio ou residência qualificados. O senso comum não aceita algo assim para outras profissões que também afetam vidas, como a medicina e a enfermagem, por exemplo. Para que as diretrizes sejam implementadas de forma eficaz, é essencial que o Ministério da Educação (MEC) apoie as instituições de ensino superior, como posicionou o movimento Todos pela Educação.

Esse suporte busca reverter um quadro em que seis em cada 10 professores no Brasil se formam por meio de cursos a distância, segundo o Censo da Educação Superior. Uma predominância que impacta toda a educação básica, desde a educação infantil, como bem aponta, em artigo, Heloisa Morel, do Instituto Península, e Haroldo Rocha, do Movimento Profissão Docente. 

Um exemplo claro da fragilidade na formação dos professores, que reflete na qualidade de suas práticas, foi identificado na pesquisa Avaliação da qualidade da educação infantil, realizada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, LEPES (USP/Ribeirão Preto) e Itaú Social em 12 municípios. Segundo o estudo, mesmo em redes com melhores recursos, práticas pedagógicas essenciais, como a leitura de histórias para crianças, não ocorrem em metade das turmas observadas. Os resultados do Saeb em matemática para o 5º ano do ensino fundamental também mostram que a formação inicial de professores precisa melhorar em áreas estratégicas, como o campo do letramento matemático. 

A falta de valorização da formação docente e o baixo interesse pela profissão também são fatores que contribuem para altos índices de desistência nas licenciaturas. Em áreas como ciências exatas, cerca de 70% dos estudantes abandonam os cursos, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). De acordo com os resultados do Enade 2021, o desempenho dos estudantes ficou abaixo de 50 numa escala de zero a 100 em 17 cursos de formação de professores. Para mitigar esse cenário, o MEC anunciou o Enade Licenciaturas, que avaliará não apenas o conhecimento teórico, mas também a prática, por meio de estágios. A avaliação dos cursos — e seu fechamento, quando necessário — é peça-chave para que as DCNs não fiquem apenas no papel.

A carência de professores especialistas e a qualidade deficiente das licenciaturas têm um impacto profundo nos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano). Nessa etapa, os estudantes deixam o modelo em que tinham um único professor pedagogo nos anos iniciais e passam a ter contato com vários docentes a partir do 6º ano. Sem profissionais bem preparados, essa transição se torna ainda mais desafiadora.

As iniciativas do governo federal representam avanços significativos, mas precisam ser acompanhadas de apoio efetivo para sua implementação. O próximo Plano Nacional de Educação (PNE) deve incluir metas concretas para fortalecer a formação dos professores. Também é importante aprender com alguns estados e municípios que têm progredido com políticas docentes lideradas por governadores e prefeitos de diferentes orientações partidárias.

Esses são os primeiros passos para a valorização da carreira do professor, que precisa incluir, ainda, ajustes em outros desafios, como jornadas de trabalho — remuneração justa, dedicação integral em uma escola — e planos de carreira bem estruturados. O caminho é longo, mas inegociável se queremos garantir uma educação de qualidade — não igual à da China ou de qualquer outro país, mas considerando toda a potência e pluralidade dos contextos brasileiros para que todos nossos professores e estudantes tenham condições de ensinar e aprender muito bem.

 


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postado em 17/01/2025 06:00 / atualizado em 17/01/2025 11:01
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