Artigo

A demora para julgar assassinato de Beto Freitas revela descaso

Vale ponderar que, aos negros ou negras que infringem a lei, ou cometem qualquer tipo de infração penal, muitas vezes, a pena capital, ou seja, a morte, é aplicada pelos próprios agentes policiais, com a condenação sumária sem chance de defesa

opini 1801 -  (crédito: kleber sales)
opini 1801 - (crédito: kleber sales)

Maria Helena dos Santos

No final de dezembro último, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) decidiu pela liberdade de três réus, até então presos sob a acusação de espancar e matar João Alberto Silveira Freitas, conhecido como Beto Freitas. O crime aconteceu nas dependências de uma unidade do supermercado Carrefour em Porto Alegre/RS, em 19 de novembro de 2020 e a repercussão teve alcance nacional.

É preocupante e causa indignação essa notícia de soltura da prisão dos acusados de serem responsáveis pelo assassinato do cidadão negro Beto Freitas. Quanto a autoria do crime, não há nenhuma dúvida, pois as imagens do brutal assassinato falam por si. Por outro lado, a decisão deferida pela 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 17 de dezembro, expõe a morosidade e o descaso que sugerem uma espécie de desleixo com que o Poder Judiciário vem tratando este caso.

Ainda que, do ponto de vista legal, justifique-se o fim da manutenção da prisão dos três réus, diante do prazo manifestamente desproporcional de suas prisões preventivas, pois o processo está pendente de julgamento. Ressaltamos que são 58 meses em que a família do Beto Freitas aguarda por Justiça e, ainda, não há data prevista para o julgamento.

A comunidade negra gaúcha e brasileira jamais esquecerá nítido crime com contornos racistas, perpetrado por dois homens brancos, e que culminou na morte de um homem negro às vésperas do Dia da Consciência Negra. A Justiça gaúcha negou, este ano, a hipótese de motivação racial para o crime, mas nós sabemos que o motivo da morte violenta de Beto foi por ele ter um corpo negro. Destaca-se que a ausência de condenação e de cumprimento de pena pelos criminosos racistas provoca, nessa comunidade e em vários setores da sociedade, uma sensação de que as "vidas negras NÃO importam" ao Poder Judiciário e à sociedade em geral, o que nos preocupa sobremaneira e viola a nossa humanidade.

Vale ponderar que, aos negros ou negras que infringem a lei, ou cometem qualquer tipo de infração penal, muitas vezes, a pena capital, ou seja, a morte, é aplicada pelos próprios agentes policiais, com a condenação sumária sem chance de defesa. São casos frequentes de inúmeros assassinatos não justificáveis de jovens negros(as) por agentes públicos, sem que tais "representantes do Estado" sejam apresentados ao Poder Judiciário para que lhes sejam aplicados, com rigor, os trâmites de um processo legal.

Em contrapartida, parece-nos que, quando os mesmos jovens negros (as) são as vítimas, o Poder Judiciário, por vezes, não demonstra a mesma atenção e celeridade para a apuração e a condenação dos culpados. "O que me preocupa não é o grito dos maus, mas sim, o silêncio dos bons", como nos ensinou Martin Luther King. Portanto, para que a sensação de impunidade não se amplie e a justiça no caso do "Beto Freitas" seja feita, considerando-se que este caso ganhou repercussão nacional e internacional, por ter ocorrido dentro de uma empresa multinacional.

Além disso, para que não paire qualquer dúvida quanto à lisura, atenção e aplicação rigorosa dos preceitos legais, reiteramos nossa preocupação e indignação, expressas neste artigo, requerendo ao Poder Judiciário a conclusão deste processo com a maior brevidade possível, agilizando o seu julgamento, que, certamente, esperamos que concluirá pela condenação e a punição exemplar aos culpados. Pretendemos que o caso sirva de exemplo a outros racistas, que parecem debochar das instituições quando violam, aviltam, atentam contra a vida e a humanidade de pessoas negras.

A Constituição Federal, no seu artigo 5º, preconiza que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à  igualdade, à segurança e à propriedade". Portanto, devem ser aplicados a todos tais preceitos constitucionais.

Seguimos acreditando na Justiça, por mais que casos como esse nos causem estranheza, traga preocupação, indignação e, até mesmo, um certo constrangimento. Por isso, pedimos e exigimos justiça no caso do assassinato de Beto Freitas, por seus familiares e por toda a comunidade negra gaúcha e brasileira. E lembramos, oportunamente, as palavras de Desmond Tutu: "Se você fica neutro em situação de injustiça, você escolhe o lado do opressor".

Jornalista, ativista social negra, mestranda em Educação, diretora de Comunicação da Frente Negra Gaúcha*

Correio Braziliense
postado em 18/01/2025 06:00
x