
Manuele Porto Cruz — teóloga, psicóloga e mestre em Filosofia pela Universidade de Brasília (UnB). Professora no curso de Filosofia da FATEO
No último 8 de maio, o mundo ouviu novamente o tradicional Habemus papam! — e, com ele, foi apresentado ao novo líder da Igreja Católica: o cardeal Robert Francis Prevost, agora papa Leão XIV. Sua eleição chamou atenção não apenas por ser o primeiro papa nascido nos Estados Unidos, mas também pelo simbolismo que já se delineia em torno de seu nome e de suas primeiras palavras como pontífice.
Nascido em Chicago, em 1955, e membro da Ordem de Santo Agostinho, Prevost tem uma longa trajetória pastoral iniciada no Peru, em 1985. Atuou por décadas como pároco, professor e, posteriormente, bispo de Chiclayo. Em 2023, foi chamado ao Vaticano para liderar o Dicastério para os Bispos e a Pontifícia Comissão para a América Latina — cargos que ocupava até sua eleição como papa. Trata-se, portanto, de alguém com sólida experiência em contexto latino-americano, marcada pelo serviço e proximidade com populações frequentemente invisibilizadas.
A escolha do nome Leão XIV não parece ter sido aleatória. Ao evocar Leão XIII — papa da encíclica Rerum Novarum, marco inaugural da Doutrina Social da Igreja —, o novo pontífice sugere uma atenção especial às grandes questões sociais do presente: desigualdade, crise ambiental, exclusão e autoritarismo. Esse gesto, vindo de alguém com dupla nacionalidade, norte-americana e peruana, carrega implicações não só eclesiais, mas também políticas. Sua decisão de discursar em espanhol em sua primeira aparição pública reforça esse vínculo simbólico com os povos do Sul Global, em contraste com narrativas nacionalistas, xenófobas e economicamente protecionistas que ainda ganham força em algumas partes do mundo — inclusive nos Estados Unidos, onde figuras como Donald Trump promovem uma concepção de liderança marcada pelo confronto e pela retórica divisiva. A defesa de uma "paz desarmada" ressoou fortemente, podendo ser lida tanto como uma metáfora espiritual quanto como uma crítica à lógica bélica e aos mecanismos de violência e dominação que operam nas esferas política e econômica. Dessa maneira, reflete o compromisso do novo papa com a resolução pacífica de conflitos e a promoção de uma cultura de paz.
Embora ainda seja cedo para definir os contornos de seu pontificado, os sinais emitidos por Leão XIV sugerem uma continuidade em relação ao legado de Francisco, cuja marca inconfundível foi a centralidade dada à sinodalidade, ao diálogo com o mundo contemporâneo e à proximidade concreta com os que sofrem. Essas dimensões, mesmo já presentes em pontificados anteriores, ganharam com Francisco uma força pastoral e representação particular, especialmente voltada às periferias — geográficas e existenciais. Leão XIV, por sua vez, parece reafirmar essas direções, porém com um tom mais moderado, tanto na expressão quanto na forma de condução. A escolha de vestes mais ornamentadas do que as usadas por Francisco — embora ainda comedidas — pode ser lida como um esforço por manter o equilíbrio entre a dignidade do ministério papal e a simplicidade exigida pelo Evangelho.
Sendo agostiniano, Leão XIV também herda uma espiritualidade que valoriza o afeto mútuo e o progresso intelectual como fundamentos da vida comunitária e missionária. Essa tradição, marcada por um impulso inclusivo e internacional, parece já informar sua visão de uma Igreja que constrói pontes, com humildade e caridade, na escuta mútua e na busca da justiça. Não por acaso, seus primeiros gestos como papa indicam o desejo de uma Igreja que caminha unida, sem romper com suas raízes, mas atenta às urgências destes tempos, à disposição para servir e ao encontro com diferentes realidades.
Neste momento em que tantas instituições atravessam crises de confiança, o olhar se volta a Roma não à procura de um soberano, mas de uma referência ética, espiritual e humana. Leão XIV se apresentou como alguém disposto a exercer essa liderança com coragem e senso de missão. Resta agora acompanhar os próximos passos deste pontificado que começa sob o signo do compromisso e da escuta.
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