
VALDIR OLIVEIRA, Ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal
Braçanã é um distrito do município de Rio Bonito, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Foi de lá que surgiu a inspiração para Luiz Vieira e Arnaldo Passos fazerem a música Menino de Braçanã, lançada em 1953. Essa música retrata, com simplicidade, a inocência de uma criança que precisa voltar para casa antes de escurecer, promessa feita para sua mãe e que deve ser cumprida. E foi essa música que marcou a minha infância. Foi em um fusca azul, dirigido por Dona Maryland, que eu e meus irmãos íamos para o colégio João XXIII, em Fortaleza. Ela nos ensinava a cantar de casa à escola que "quem anda com Deus não tem medo de assombração, e eu ando com Jesus Cristo no meu coração". Essa é a história da minha vida. Ter coragem para enfrentar os percalços da vida, porque ando com Deus e tenho Jesus Cristo no meu coração.
No último dia 2, minha mãe encerrou o ciclo nessa passagem. Dona Maryland seguiu sua caminhada na eternidade, mas deixou um legado de resiliência e coragem com a forte mensagem de nunca desistirmos dos nossos sonhos. Não foi vida fácil. Desde a saída da cidade de Milagres, interior do Ceará, para a capital, assumiu a missão de alfabetizar crianças, jovens e adultos na escola pública. E assim fez. Alfabetizou os filhos antes da escola. Era regra na minha casa: primeiro com ela, depois com a escola. Os adultos que cruzaram a sua vida e que não sabiam ler e escrever eram libertados por Dona Maryland. Essa era minha mãe. Personalidade forte, decidida e de alma linda. Tinha amor pela missão de alfabetizar, sabia que esse era o caminho para libertação.
O amor foi o condutor da sua vida. A relação com meu pai foi a de um amor simbiótico que a fez perder o brilho nos últimos anos, depois de sua morte. Eram tardes ouvindo Roberto Carlos e escrevendo cartas de amor para quem foi a mola mestra da sua existência. Pouco interessa se a vida não lhe proporcionou só momentos felizes. Para ela, o registro era de pura felicidade e saudade de alguém que tinha deixado um vazio imenso em seu coração. Ninguém cantou o amor como Roberto Carlos, mas hoje posso dizer que ninguém viveu o amor com tanta força como Dona Maryland. Ela se foi. Ela foi encontrar a parte que estava faltando na sua vida, porque não conseguiu aceitar a expressão "até que a morte os separe". Hoje, Dona Maryland e Seu Valdir estão juntos na caminhada eterna.
O sentido do libertar as pessoas pela alfabetização tomou conta da sua vida. Minha mãe sempre foi daquelas que tinha opinião sobre política. Defendeu quem acreditou e no que acreditou. Não media esforços para lutar por isso. Votou em todas as eleições. Na última eleição, em 2022, avisou ao meu irmão que queria votar. Já com dificuldade de mobilidade, com 80 anos, não queria abrir mão da escolha democrática. De cadeira de rodas, foi da sua casa, na 309 Sul, até o colégio La Salle, onde exerceu seu último ato pela democracia. Na ida, pediu ao meu irmão que queria um adesivo do seu candidato. Colocou no peito e seguiu para a urna. A cada número digitado, sentia falta da foto que era a sua escolha principal. E dizia isso, porque minha mãe sabia o que queria.
Perdemos, nessa passagem, mais uma democrata, mas ela deixou mais uma lição, que nunca devemos deixar de lutar pelo que acreditamos. Ela sempre lutou e escolheu quem a representava. Até os seus 80 anos, Dona Maryland lutou por um país e uma cidade que queria. Seu legado nos ensinou e será acompanhado. Não desistiremos dos nossos sonhos, porque pedido de mãe sempre deve ser atendido.
Perder uma mãe é uma dor profunda. O poeta Drummond pergunta porque Deus permite que uma mãe vá embora. E ele continua mais à frente dizendo que, se fosse o rei do mundo, decretaria a proibição de uma mãe falecer. Segundo o poeta, mesmo que esteja velho, o filho deve ficar sempre junto de sua mãe. É esse meu sentimento. O que não diz o poeta é que esse encontro dar-se-á na eternidade, quando , então, os filhos se reunirão novamente às suas mães e continuarão sua jornada.
Dói muito a sua partida, minha mãe. Não imaginava que ia doer tanto. Seu colo e suas palavras estão deixando um vazio que eu não imaginava sentir já tão perto dos meus 60 anos. No nosso último encontro, na sua luta pela vida, beijei a sua testa e disse baixinho no seu ouvido que te amava, e te amarei eternamente. Não foi fácil escrever esse artigo, Dona Maryland, mas, acompanhando a sua fé, siga em paz, e Deus a acompanhe.