
Com o passar do tempo, é natural pensar mais sobre a morte. Quando já perdemos algumas pessoas, como nossos pais e amigos próximos e queridos, ganhamos a experiência do luto, tão única, íntima, pessoal e diversa, que entra para o rol daquelas coisas que a gente só conhece verdadeiramente vivendo e deixando o outro viver. Morte e luto são temas tabus, mas não deveriam.
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Escolhi falar sobre isso porque nesta semana, mesmo sem procurar, fui impactada por conteúdos de perfis no Instagram, podcasts e entrevistas que, por coincidência (ou não), chegaram em cascata até mim. Você pode estar aí pensando que sou a bobinha caindo no conto do algoritmo, e até pode ser. Mas tenho minhas suspeitas de que não foi só isso não. Guardo-as para mim.
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Até que li, no print da revisão, a matéria de Júlia Giusti na capa do caderno Trabalho & Formação Profissional, editada por Ana Sá e publicada hoje. Arlene Rosa dos Reis é necromaquiadora, ou melhor, tanatopraxista, o nome técnico para aquela pessoa que arruma o morto para o funeral. Ela também atua na reconstrução facial e na preparação dos corpos. Um trabalho delicado, humano, cheio de respeito e solenidade, ao menos é assim que ela o trata.
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Todos os que trabalham próximos à morte — de coveiros a médicos de cuidados paliativos — precisam lidar com os preconceitos relacionados à sua profissão. Conviver de perto com a morte, no entanto, pode ser um bonito caminho de aprendizado. Uma frase de Arlene me tocou especialmente: "Os médicos resgatam vidas; e nós, do pós-morte, resgatamos as memórias".
Outra ideia que ouvi em um podcast e que guardei pra mim foi que as pessoas próximas que morrem levam com elas um testemunho da vida da gente. Minha mãe, quando se foi, levou com ela uma visão única que tinha sobre mim. Ninguém nunca saberá de mim como ela. É muito doido pensar sobre isso, mas isso me traz a certeza de que reverenciar a memória dos amores que partiram é importante. Talvez por isso eu goste imensamente dos obituários e sempre defendi que é importante fazê-los nas páginas de jornais. Não apenas de famosos, mas também das pessoas comuns, porque nenhuma vida é banal, sempre será importante para alguém.
A finitude não precisa ser um susto. Ela é um processo que vivemos desde o nascimento (e essa frase já virou clichê, eu sei). Mas é preciso de fato falar, compreender e até poder celebrar a morte, que nada mais é do que uma fase natural da vida. É de mau gosto falar de morte em pleno domingo? É triste ou pesado? Não é, não deveria ser.
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Precisamos naturalizar a morte, a ponto de podermos escolher e programar nosso próprio funeral da mesma forma como pensamos em batizados, casamentos, festas de aniversários. É tudo parte da vida. Eu tratarei de deixar escrito um testamento bonito, que não seja uma divisão de bens, talvez palavras, fotos e vídeos de momentos, porque preciso eternizar meu testemunho de algumas vidas importantes exatamente como aprendi em Finisterra, o ponto final da jornada física e espiritual do Caminho de Santiago.
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