
Mozart Neves Ramos — titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados – polo Ribeirão Preto da USP
Este artigo foi inicialmente inspirado na matéria produzida pelo jornalista Fernando Canzian intitulada Menos de 2% das crianças pobres no Brasil atingem a renda dos mais ricos, publicada na Folha de S.Paulo de 5 de junho último. Essa matéria, por sua vez, teve como referência os dados do novo Atlas da Mobilidade Social do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), plataforma de acompanhamento de políticas públicas com foco na ascensão social.
Nessa reportagem, impressiona a baixíssima mobilidade social do nosso país. Grosso modo, a tendência de quem é pobre é continuar pobre nas próximas gerações, pois a probabilidade de uma criança brasileira que faz parte da metade mais pobre ter ascensão social capaz de colocá-la entre os 10% mais ricos quando adulta é menor do que 2%. Como disse o jornalista, dois terços delas muito provavelmente permanecerão entre os 50% mais pobres na vida adulta, e apenas 10,8% subirão ao patamar dos 25% mais ricos.
Após tomar conhecimento dessa matéria, li no jornal O Globo o artigo Imobilidade dos mais pobres: uma ameaça ao país, do professor Ricardo Henriques — um dos grandes formuladores de políticas públicas em nosso país, também inspirado no mesmo Atlas. Segundo ele, os indicadores de baixa mobilidade social se agravam quando fazemos o recorte social, evidenciando, mais uma vez, que o racismo estrutural impõe obstáculos adicionais àqueles que já partem de condições sociais mais vulneráveis. Ainda segundo ele, tais indicadores seriam ainda piores no Brasil sem a ampliação do acesso à escola e de programas como o Bolsa Família — com o que também concordo.
Tudo isso me fez lembrar a época em que iniciamos, há 20 anos, o movimento Todos pela Educação, com o propósito de mobilizar a sociedade em favor da causa da qualidade da educação. De lá para cá, evoluímos relativamente pouco, apesar do aumento de escolaridade dos brasileiros. A minha crença é que não basta apenas ampliar o acesso à escola se ela não preparar adequadamente as nossas crianças e os nossos jovens para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho, como apregoa o artigo 205 da Constituição Federal.
Tal crença tem como respaldo um estudo feito entre 1980 e 2010 comparando o aumento de renda por ano de escolaridade. Nesse estudo, ficou muito claro que a produtividade no Brasil não vem respondendo a aumentos de escolaridade. Enquanto no Chile, nosso vizinho, a população adulta teve um ganho de U$ 3 mil por ano a mais de escolaridade nesse período, no Brasil o ganho foi de apenas U$ 200. Na Coreia, de U$ 6,8 mil!
Outros estudos mostram que há uma clara relação entre o aumento de escolaridade e o aumento do PIB per capita. Contudo, verificam-se dois movimentos nessa relação. Até oito anos de escolaridade, nota-se um crescimento suave no PIB per capita. Dos oito anos em diante, há um crescimento que poderíamos dizer exponencial; porém, há países em que, apesar disso, o PIB per capita não cresce na velocidade esperada — ficando abaixo da curva de crescimento, diferentemente de outros que ficam muito acima — e são exatamente aqueles países que, entre outras coisas, oferecem à população uma educação de alta qualidade.
Isso posto, a pergunta que nos vem naturalmente é sobre o que chamamos de qualidade na educação. Para mim, é aquela que promove uma formação integral dos nossos estudantes, indo muito além dos aspectos meramente cognitivos. Isso se torna ainda mais relevante quando estamos — como agora, e como será ainda mais daqui para a frente — num ambiente disruptivo, no qual as mudanças estruturais não serão mais lineares, e sim exponenciais.
Por isso, entendo que ter acesso à escola é apenas o ponto de partida, mas não de chegada. O resultado de aumentar a escolaridade sem preparar adequadamente nossos estudantes para os novos ambientes do mundo do trabalho - especialmente agora, que estão fortemente influenciados pela inteligência artificial (IA) - é que a desigualdade social em nosso país só irá aumentar, e não vamos, portanto, romper com esse quadro de imobilidade social entre os mais pobres.
Apesar dos avanços sociais em nosso país, inclusive no campo da educação — e aqui não quero, de forma alguma, deixar de reconhecer isso —, para andarmos na velocidade do mundo contemporâneo, precisamos de uma nova onda, capaz de ir além do acesso à escola e dos programas como o Bolsa Família — e aqui não estou discordando do professor Ricardo Henriques, mas apenas tentando demonstrar que, sem uma nova onda, ficaremos ainda mais para trás em relação aos países mais desenvolvidos.
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