ARTIGO

É preciso uma nova onda na educação brasileira

Ter acesso à escola é apenas o ponto de partida, mas não de chegada. Precisamos preparar adequadamente os estudantes para os novos ambientes do mundo do trabalho

PRI-0307-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-0307-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

Mozart Neves Ramos titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados – polo Ribeirão Preto da USP

Este artigo foi inicialmente inspirado na matéria produzida pelo jornalista Fernando Canzian intitulada Menos de 2% das crianças pobres no Brasil atingem a renda dos mais ricos, publicada na Folha de S.Paulo de 5 de junho último. Essa matéria, por sua vez, teve como referência os dados do novo Atlas da Mobilidade Social do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), plataforma de acompanhamento de políticas públicas com foco na ascensão social.

Nessa reportagem, impressiona a baixíssima mobilidade social do nosso país. Grosso modo, a tendência de quem é pobre é continuar pobre nas próximas gerações, pois a probabilidade de uma criança brasileira que faz parte da metade mais pobre ter ascensão social capaz de colocá-la entre os 10% mais ricos quando adulta é menor do que 2%. Como disse o jornalista, dois terços delas muito provavelmente permanecerão entre os 50% mais pobres na vida adulta, e apenas 10,8% subirão ao patamar dos 25% mais ricos.

Após tomar conhecimento dessa matéria, li no jornal O Globo o artigo Imobilidade dos mais pobres: uma ameaça ao país, do professor Ricardo Henriques — um dos grandes formuladores de políticas públicas em nosso país, também inspirado no mesmo Atlas. Segundo ele, os indicadores de baixa mobilidade social se agravam quando fazemos o recorte social, evidenciando, mais uma vez, que o racismo estrutural impõe obstáculos adicionais àqueles que já partem de condições sociais mais vulneráveis. Ainda segundo ele, tais indicadores seriam ainda piores no Brasil sem a ampliação do acesso à escola e de programas como o Bolsa Família — com o que também concordo.

Tudo isso me fez lembrar a época em que iniciamos, há 20 anos, o movimento Todos pela Educação, com o propósito de mobilizar a sociedade em favor da causa da qualidade da educação. De lá para cá, evoluímos relativamente pouco, apesar do aumento de escolaridade dos brasileiros. A minha crença é que não basta apenas ampliar o acesso à escola se ela não preparar adequadamente as nossas crianças e os nossos jovens para o exercício da cidadania e para o mundo do trabalho, como apregoa o artigo 205 da Constituição Federal.

Tal crença tem como respaldo um estudo feito entre 1980 e 2010 comparando o aumento de renda por ano de escolaridade. Nesse estudo, ficou muito claro que a produtividade no Brasil não vem respondendo a aumentos de escolaridade. Enquanto no Chile, nosso vizinho, a população adulta teve um ganho de U$ 3 mil por ano a mais de escolaridade nesse período, no Brasil o ganho foi de apenas U$ 200. Na Coreia, de U$ 6,8 mil!

Outros estudos mostram que há uma clara relação entre o aumento de escolaridade e o aumento do PIB per capita. Contudo, verificam-se dois movimentos nessa relação. Até oito anos de escolaridade, nota-se um crescimento suave no PIB per capita. Dos oito anos em diante, há um crescimento que poderíamos dizer exponencial; porém, há países em que, apesar disso, o PIB per capita não cresce na velocidade esperada — ficando abaixo da curva de crescimento, diferentemente de outros que ficam muito acima — e são exatamente aqueles países que, entre outras coisas, oferecem à população uma educação de alta qualidade.

Isso posto, a pergunta que nos vem naturalmente é sobre o que chamamos de qualidade na educação. Para mim, é aquela que promove uma formação integral dos nossos estudantes, indo muito além dos aspectos meramente cognitivos. Isso se torna ainda mais relevante quando estamos — como agora, e como será ainda mais daqui para a frente — num ambiente disruptivo, no qual as mudanças estruturais não serão mais lineares, e sim exponenciais.

Por isso, entendo que ter acesso à escola é apenas o ponto de partida, mas não de chegada. O resultado de aumentar a escolaridade sem preparar adequadamente nossos estudantes para os novos ambientes do mundo do trabalho - especialmente agora, que estão fortemente influenciados pela inteligência artificial (IA) - é que a desigualdade social em nosso país só irá aumentar, e não vamos, portanto, romper com esse quadro de imobilidade social entre os mais pobres. 

Apesar dos avanços sociais em nosso país, inclusive no campo da educação — e aqui não quero, de forma alguma, deixar de reconhecer isso —, para andarmos na velocidade do mundo contemporâneo, precisamos de uma nova onda, capaz de ir além do acesso à escola e dos programas como o Bolsa Família — e aqui não estou discordando do professor Ricardo Henriques, mas apenas tentando demonstrar que, sem uma nova onda, ficaremos ainda mais para trás em relação aos países mais desenvolvidos.

 

 

Por Opinião
postado em 03/07/2025 06:00
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