
Por Márcia Lopes - Ministra das Mulheres, e Luiz Marinho - Ministro do Trabalho e Emprego - Há dois anos, a Lei nº 14.611/2023, sancionada pelo presidente Lula, transformou em norma o que já era princípio constitucional: trabalho igual deve corresponder a salário igual, sem distinção de gênero — e com transparência, por meio da publicação de relatórios. A exigência passou a valer para empresas com 100 ou mais empregados, impondo rotina de relatórios semestrais sobre remuneração e critérios de promoção — ainda que o preceito constitucional se aplique a todas. Não se trata de inovação, mas de cumprimento: a Consolidação das Leis do Trabalho prevê, desde 1943, igualdade para trabalho de igual valor.
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A realidade, no entanto, mostra que o tempo das mulheres segue valendo menos. O 3º Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, divulgado em março pelos ministérios do Trabalho e das Mulheres, apontou que as mulheres ganham, em média, 20,9% a menos que os homens. A diferença aumenta nos cargos de direção e gerência. Entre empresas com ao menos três mulheres e três homens nesses cargos, apenas 25% têm esse perfil. E o abismo se aprofunda ao observar a realidade das mulheres negras, cuja renda média não chega a R$ 2.900, frente aos mais de R$ 4.700 recebidos, em média, por homens — valor inferior à metade do rendimento médio de homens não negros (R$ 6 mil).
É crucial insistirmos que "função igual, salário igual é uma necessidade". Nosso governo defende a lei como instrumento de mudança. A empresa que se recusa a encarar os próprios números escolhe manter desigualdades. Não se trata de expor dados pessoais, mas de a empresa olhar para dentro, reconhecer onde pode e deve se corrigir, contratando mais mulheres e promovendo-as a cargos com maiores remunerações e responsabilidades.
As resistências são visíveis. Houve tentativas de judicializar os relatórios, sob o argumento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Mas o que a lei exige é transparência institucional — não quebra de sigilo individual. A fiscalização, até o terceiro relatório, caminhou ao lado da orientação. Mas, como alertado desde o início, o descumprimento sistemático — pela não publicação dos relatórios ou pela não correção das desigualdades nos salários de contratação e na remuneração — levará à autuação.
O Brasil não está sozinho nesse percurso. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta, em relatório recente, que, em 2024, mulheres ainda recebem globalmente 77,4 centavos para cada dólar ganho por um homem. Melhor que os 70 centavos registrados em 2004, mas ainda distante da equidade. Ao sancionar a Lei da Igualdade Salarial, o Brasil se alinhou a iniciativas de outras nações que também adotaram legislações específicas, como França, Islândia, Canadá e Reino Unido.
Se a lei for cumprida, o impacto será coletivo. Estima-se que R$ 95 bilhões poderiam ser injetados na economia brasileira em 2025 se os salários das mulheres fossem proporcionais à sua participação no mercado de trabalho. Mas a transformação exige mais que relatórios. Requer políticas públicas de cuidado, educação, incentivo à presença feminina em espaços de decisão, combate à discriminação e revisão de estruturas que naturalizam a desigualdade.
A sobrecarga invisível que recai sobre as mulheres — fruto da dupla ou tripla jornada — configura verdadeira pobreza do tempo, que lhes rouba o direito ao descanso, ao desenvolvimento e à autonomia, perpetuando desigualdades de gênero e reforçando ciclos de exclusão social. Garantir o valor do tempo das mulheres não é só uma questão de justiça, mas um imperativo para construir uma sociedade em que todas possam exercer sua autonomia, criatividade e dignidade sem o peso da exaustão.
Destacam-se, nesse sentido, a Política Nacional de Cuidados (Lei nº 15.069/2024), que reconhece o trabalho de cuidado como responsabilidade coletiva e tem o objetivo de reduzir a sobrecarga que recai sobre as mulheres. Somam-se a essa agenda o Plano Nacional de Igualdade Salarial e Laboral, com mais de 80 ações para enfrentar desigualdades no trabalho, e o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, que incentiva a inclusão, permanência e ascensão de mulheres, especialmente negras, em médias e grandes empresas.
Dois anos após sua promulgação, a Lei da Igualdade Salarial está em fase de consolidação. A diferença agora é que o país tem um instrumento legal que impõe transparência e responsabilidade. Cabe ao Estado monitorar, às empresas se adequarem e à sociedade cobrar. Igualdade não se alcança por inércia. Exige escolha, insistência e vigilância.
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