ARTIGO

Uso de drogas e CNH: o que os cabelos dos jovens podem revelar e que o volante não perdoa

É inadmissível que o Estado conceda o direito de dirigir a um usuário frequente de drogas, expondo a sociedade a riscos. O exame toxicológico de larga janela é a única ferramenta eficaz para identificar esse comportamento

Governo Lula vetou a exigência do
Governo Lula vetou a exigência do "teste do cabelo" para a primeira CNH - (crédito: Fábio Cortez/DN/D.A Press)

RODOLFO RIZZOTTO, coordenador do Programa SOS Estradas e fundador da entidade de apoio a vítimas Trânsito Amigo

Logo que o presidente Lula vetou o trecho do PL 3.965/2021, que exige exame toxicológico de larga janela ("teste do cabelo") para candidatos à primeira  Carteira Nacional de Habilitação (CNH), especialistas debatiam sua validade, e defensores da liberação das drogas comemoravam. Nas mídias sociais, milhares de usuários assumidos de drogas publicaram no Instagram e no Twitter opiniões como: "Finalmente, pai Lula fez uma por nós. Nunca ia tirar minha CNH com esse exame"; "Eu também ia enrolar mais uns anos"' e "Lulinha vetou o exame toxicológico. Te amo, Lula".

O temor desses usuários é compreensível: o exame do cabelo detecta uso frequente de drogas, revelando comportamentos incompatíveis com a direção segura. Alucinações, lapsos cognitivos tornam o condutor um risco. O veto presidencial permitirá que esses jovens obtenham a CNH apesar de assumirem publicamente que usam drogas.

Para os defensores da liberação das drogas — inicialmente, da maconha —, o exame toxicológico é visto como um inimigo a ser combatido, pois compromete o futuro do mercado. Até especialistas em segurança viária se equivocam e interpretam que a CNH é um direito pleno. Na realidade, trata-se de uma concessão do Estado condicionada à aprovação em exames teóricos, práticos, médicos e psicológicos. O candidato aprovado recebe uma permissão para dirigir, válida por um ano, podendo obter a CNH definitiva apenas se não cometer infrações graves e gravíssimas.

Do ponto de vista da segurança viária, é inadmissível que o Estado conceda o direito de dirigir a um usuário frequente de drogas, expondo a sociedade a riscos. O exame toxicológico de larga janela é, atualmente, a única ferramenta eficaz para identificar esse padrão de comportamento.  Sua aplicação na primeira habilitação exerce um papel essencial de prevenção — como já ocorre com os motoristas profissionais das categorias C, D e E, que há anos reivindicam o mesmo rigor para os condutores iniciantes.

Desde a sua implementação, em 2016, o exame revelou uma realidade alarmante. Estudos anteriores, com urina e saliva, apontavam cerca de 5% de usuários de anfetaminas. Mas, com o exame do cabelo, constatou-se que 30% dos caminhoneiros de cargas comuns e 50% de cargas perecíveis usavam drogas frequentemente, com predomínio da cocaína (85%).

Em 2016, o Brasil tinha 13,2 milhões de motoristas nas categorias C, D e E. Com a exigência do exame, a renovação dessas categorias caiu em cerca de 30%. Atualmente, são 11,5 milhões. Mantido o crescimento entre 2011 e 2015, o total hoje seria de 16 milhões. Essa diferença é a "positividade escondida", de motoristas que não fazem o exame porque sabem que serão reprovados e, ao não cumprirem uma obrigação legal, perdem a habilitação. 

Comparando 2015 (sem exigência do exame) com 2017 (aplicação plena), dados da PRF indicaram redução de 34% nos sinistros com caminhões e 45% com ônibus. O Ministério Público do Trabalho registrou queda de 60% nos laudos positivos entre 2015 e 2019. O que revelou a importância do exame na preservação de vidas e no combate à exploração desses motoristas. Alguns especialistas defendem testes na pista, com equipamentos que detectem o uso recente de substâncias. Mas a realidade da fiscalização nas vias públicas é bem diferente. 

De acordo com a  Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE/IBGE) 2019, 12,1% dos adolescentes relataram ter usado drogas ilícitas, ante 8,2% em 2009 — aumento de 47%. Já o World Drug Report 2025, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), mostra crescimento de quase 20% no uso entre jovens de 15 a 24 anos de 2013 a 2023. Exigir o exame na primeira habilitação ajuda a frear esse avanço do consumo de drogas no Brasil, especialmente entre jovens, porque poderemos garantir que 100% que obtêm a permissão para dirigir não serão usuários frequentes.

A medida, ainda, é essencial para a defesa da vida, uma vez que, segundo o Censo de 2022, acidentes de trânsito são uma das três principais causas de morte de jovens de 15 a 34 anos no Brasil, sendo que cerca de 50% desses casos estão relacionados ao uso de drogas e álcool na direção. Esse fato ocorre em todo o planeta há mais de 20 anos.

O veto presidencial deve ser derrubado pelo Congresso em nome da vida, da segurança e da prevenção. O exame de larga janela é uma medida cientificamente fundamentada, com impacto comprovado, que pode contribuir em várias áreas da saúde pública e atividades de risco.

Por Opinião
postado em 09/07/2025 06:05
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