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Vergonha oficializada

São 2,2 milhões de palestinos submetidos a uma punição coletiva cruel e degradante, uma vingança desmedida conta o massacre dantesco de 7 de outubro de 2023

Garoto palestino vasculha lixão no campo de refugiados de Al-Bureij, no centro da Faixa de Gaza: fome disseminada  -  (crédito: Eyad Baba/AFP)
Garoto palestino vasculha lixão no campo de refugiados de Al-Bureij, no centro da Faixa de Gaza: fome disseminada - (crédito: Eyad Baba/AFP)

Primeiro, você destrói prédios, casas, infraestrutura. Torna inabitável cidades inteiras. Força o deslocamento massivo das pessoas reiteradas vezes. Ataca hospitais e ambulâncias. Bloqueia o acesso à ajuda humanitária e usa drones e tanques de guerra para disparar contra civis indefesos e famintos, que clamam por comida. Depois, anuncia a criação de uma "cidade humanitária" para abrigar 600 mil pessoas, que serão revistadas na entrada e impedidas de sair. Enquanto isso, você e um grande amigo telefonam para conhecidos de outros países e os sondam sobre a possibilidade de receberem a população de um território habitado há décadas por ela.

É preciso "dar nome aos bois". O que está colocado aqui em cima é exemplo de diáspora forçada, crime contra a humanidade, limpeza étnica, segundo especialistas. São 2,2 milhões de palestinos submetidos a uma punição coletiva cruel e degradante, uma vingança desmedida conta o massacre dantesco de 7 de outubro de 2023. Diga-se de passagem: horrível, torpe e totalmente injustificável. Tudo isso acontece com a cumplicidade e anuência de um amigo poderoso ante o silêncio do restante do mundo. 

O anúncio feito por Netanyahu de que Israel e EUA procuram países para "receber" os palestinos de Gaza é digno de vergonha. Sob o disfarce de ação humanitária, a fim de prover mais qualidade de vida para um povo que perdeu quase tudo (mas não a dignidade e o desejo de lutar por um Estado independente), querem retirá-lo de seu lar e frustrar a possibilidade de criação do Estado palestino.

O desmonte tem ocorrido na Cisjordânia, onde Israel anuncia assentamentos judaicos em terras palestinas, como se delas fosse o dono.  O premiê Benjamin Netanyahu ainda teve a pachorra de indicar o amigo Donald Trump para receber o Nobel da Paz. Talvez alguém diga que Trump pressionou pelo cessar-fogo entre Irã e Israel.  Verdade. Mas, antes disso, despejou bombas sobre centrais nucleares Iranianas. Que paz é essa?

Vivemos uma distopia. Nas redes sociais, seguidores da extrema-direita enaltecem a matança em Gaza e muitos chegam a associar todo e qualquer palestino ao grupo terrorista Hamas. A imensa maioria de habitantes da Faixa de Gaza é gente comum, como eu e você. Gente que trabalha, que tem esperança, que almeja uma vida plena de paz. Gente que ama os filhos, que se orgulha com a formatura deles, que sonha em casar e constituir família. Gente que tem profundos laços históricos com a terra.

Não haverá paz no Oriente Médio se não for implantada uma solução baseada em dois Estados, com palestinos vivendo em uma Gaza reconstruída, inclusive por Israel, e na Cisjordânia, totalmente desocupada. Qualquer coisa além disso é receita para desastre, ódio e vingança. Não haverá paz deslocando-se um povo para pôr fim a um território que a ele pertence. Ninguém precisa ser gênio para entender que essa fórmula está fadada ao mais absoluto fracasso.

postado em 09/07/2025 06:00
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