
A mais recente divergência entre os poderes Executivo e Legislativo no Brasil tem como principal pano de fundo a busca por justiça tributária. Enquanto o governo procura diminuir desigualdades, a partir de medidas como o aumento do IOF e a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil, a maioria do Congresso defende corte de gastos sem aumento de tributos, a chamada austeridade, como alternativa para equilibrar essa balança. Não se trata de embate apenas brasileiro.
Dados do Relatório Mundial sobre Desigualdade, publicado em 2022, indicam a necessidade de uma discussão internacional sobre a distribuição de renda. O levantamento mostra que apenas 10% da população global concentra 52% da renda dos países. "Em média, um indivíduo dos 10% mais ricos da distribuição de renda global ganha 87.200 euros (cerca de R$ 560 mil) por ano, enquanto um indivíduo da metade mais pobre da distribuição de renda global ganha 2.800 euros (cerca de R$ 18 mil) por ano", ressalta a publicação.
Nesse sentido, requer atenção a proposta apresentada por sete ganhadores do Nobel de Economia em um artigo publicado ontem no jornal francês Le Monde. Simon Johnson (2024), Daron Acemoglu (2024), Abhijit Banerjee (2019), Esther Duflo (2019), Paul Krugman (2008), George Akerlof (2001) e Joseph Stiglitz (2001) defendem "uma taxa mínima de 2% sobre a fortuna dos bilionários" em todo o globo.
A medida geraria cerca de US$ 250 bilhões (aproximadamente R$ 1,36 trilhão) em receitas fiscais, provenientes de apenas cerca de 3 mil pessoas, segundo cálculos do grupo. Esses valores seriam ainda maiores se estendidos a todos com patrimônio acima dos US$ 100 milhões (cerca de R$ 545 milhões). "Esse dispositivo é eficaz, pois combate todas as formas de otimização, independentemente da sua natureza. É direcionado, pois se aplica apenas aos contribuintes mais ricos e apenas àqueles que recorrem à otimização fiscal. E é necessário, porque é difícil pedir a qualquer grupo social que faça sacrifícios antes de garantir que os mais ricos não escapem da tributação", argumentam.
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Vale lembrar que o Brasil já se posicionou favoravelmente à taxação dos ultrarricos quando presidiu o G20 no ano passado — a representação foi repassada à África do Sul em 2025. "Com total respeito à soberania tributária, nós procuraremos nos envolver cooperativamente para garantir que indivíduos de patrimônio líquido ultra-alto sejam efetivamente tributados. A cooperação poderia envolver o intercâmbio de melhores práticas, o incentivo a debates em torno de princípios fiscais e a elaboração de mecanismos antievasão, incluindo a abordagem de práticas fiscais potencialmente prejudiciais", lê-se na declaração final da cúpula, divulgada em novembro.
Para que a ideia dê certo, é preciso ressaltar os "mecanismos antievasão" citados na declaração. Nada adianta se apenas um ou dois países, ou até mesmo um bloco econômico, decidir por tal taxação de maneira isolada. Como já acontece com os chamados paraísos fiscais, é comum que detentores de enormes patrimônios procurem alternativas para burlar as regras contra a desigualdade.
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A Europa é o maior exemplo. Lá, é contumaz a divisão do patrimônio de empresas a partir das chamadas holdings familiares, nas quais os lucros se acumulam sem a devida tributação. No Brasil, não é muito diferente, por exemplo, com o mercado das apostas esportivas, instalado em paraísos fiscais. A mudança desse paradigma requer muita vontade e articulação política. Mas, se a humanidade quer ter um futuro mais equilibrado, tal discussão precisa ser prioridade entre os detentores do poder.
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