ARTIGO

Trump e a cruzada pela ignorância

O pôster de Trump Templário é uma das muitas representações visuais kitsch do mandatário norte-americano como cruzado

. -  (crédito:  AFP)
. - (crédito: AFP)

Um Donald Trump rejuvenescido — mas ainda alaranjado — olha em frente, sem encarar o observador. É como se vislumbrasse os percalços da jornada que tem adiante, sem, porém, duvidar do sucesso a ser logrado. Ornado com a indumentária completa, Donald Trump não é mais o magnata eleito presidente dos Estados Unidos — é a própria encarnação da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão. 

Vendido no eBay a US$ 24,99, o pôster de Trump Templário é uma das muitas representações visuais kitsch do mandatário norte-americano como cruzado. Há versões diversas da obra criada por inteligência artificial (IA) em formatos também variados — pôster, adesivo, foto para porta-retrato. Todas, ícones de um movimento que vai além do puro mau gosto estético: a apropriação, pela extrema-direita, de estereótipos medievais. 

Se também os progressistas incorporaram anacronicamente a Idade Média ao discurso político (aqui, como símbolo de obscurantismo), os neoconservadores atribuem ao período a ideologia do "cidadão de bem". A Europa medieval encrusta-se no imaginário dos extremistas simbolizando valores religiosos, hierarquia, patriarcado, imobilidade social e — principalmente, como parece o caso dos "neotemplários" — aversão ao estrangeiro (especialmente o imigrante não branco). 

A Idade Média idealizada para os valores da extrema-direita contemporânea apropria-se do passado para justificar xenofobia e genocídio, reforçando o nacionalismo e as polícias anti-imigração. Nos Estados Unidos, "Make American Great Again" é praticamente uma releitura do grito de guerra dos cavaleiros templários, o "Deus vult" (Deus quis). 

Para o Brasil, país com maior diversidade genética global, como atestou, recentemente, um estudo da Universidade de São Paulo (USP), a apropriação de um ideário distorcido da Idade Média é particularmente problemático. Se, aqui, a pauta anti-imigratória não é tão forte, também nos Trópicos há de se mobilizar uma armada para combater tudo o que não se encaixa no modelo do "cidadão do bem". As armas levantam-se contra minorias, tentam atacar o feminismo, a política reparadora de cotas e de transferência de renda, a democracia, a diversidade sexual e religiosa.

No século 21, a prospecção de "neocruzados" ocorre principalmente em ambientes on-line. Além de publicações em redes sociais, os extremistas de direita recorrem a fóruns do Reddit e ao Telegram, entre outros, para arregimentar jovens por meio de vídeos e jogos que transformam os Templários em heróis digitais. 

A perpetuação da ignorância parece uma das missões da extrema-direita. Agora, ao eleger um novo inimigo — a educação superior —, o cavaleiro Trump evidencia ainda mais o perigo de se deturpar a história. Com escudo e espada, está ele a atacar nada menos que uma das instituições de raiz medieval, a universidade. Resta saber como os neoconservadores resolverão a questão.

 


postado em 10/07/2025 06:00
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