
Foi há cinco anos, quando o Sars-Cov2 nos lembrou de nossa fragilidade perante um organismo infinitas vezes menor do que um grão de areia. Com os parques fechados, moradores da Octogonal passaram a usar a Quadra 3, jamais construída, como um centro de lazer ao ar livre improvisado. Eu passeava por lá — devidamente mascarada — com meu cachorro, quando ouvi.
Uma pequena família comemorava o aniversário de um menino que não devia ter mais do que 7 anos. Bandeirinhas e balões pregados na árvore, mesa dobrável com bolo e docinhos, "Parabéns" entoado, como toda festinha infantil. Antes do grand finale — o apagar das velas —, alguém falou: "Faça um desejo!". Sem pensar, a criança gritou, com as mãos para o alto: "A vacina de covid".
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Esse era o desejo de todos nós, que víamos pela televisão corpos empilhados em hospitais europeus e cadáveres largados em sacos nas ruas de Tegucigalpa, porque não havia gente nem lugar suficiente para enterrar as vítimas da pandemia. Não era exagero midiático: é quase impossível encontrar alguém que não tenha perdido um parente, amigo ou conhecido no ápice da pandemia.
Vacinas salvam vidas, e há centenas, senão milhares, de artigos científicos comprovando, estatisticamente, uma queda expressiva nas hospitalizações e mortes por covid depois que as primeiras doses começaram a ser aplicadas. Porém, a desinformação e a desigualdade no acesso afastam muitas pessoas das campanhas de imunização.
Se, por um lado, entre 1980 e 2023, a cobertura vacinal contra doenças como difteria, tétano, pólio e tuberculose dobrou globalmente, desde 2010, o progresso foi revertido em diversos países, com declínio na imunização de sarampo em 100 de 204 nações analisadas por um estudo publicado na revista The Lancet. O mesmo levantamento mostra que, em 2023, 15,7 milhões de crianças não receberam nenhuma dose de vacina no primeiro ano de vida, sendo 53% na África Subsaariana.
Os autores do artigo ressaltam, porém, que há mais do que desigualdade nesse fenômeno. Vinte e um de 36 países de renda alta registraram queda na cobertura vacinal, incluindo 12% de declínio na imunização de sarampo na Argentina, e 8% e 6% de redução na terceira dose de difteria e tétano na Finlândia e na Áustria, respectivamente.
Na segunda-feira, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou que o Brasil voltou à lista dos países com mais crianças não imunizadas. A nação do Zé Gotinha ocupa a 17 ª posição no ranking. Em 2023, 103 mil não haviam sido vacinadas, número que subiu para 229 mil no ano seguinte.
Por aqui, diferentemente da África Subsaariana, não faltam doses. O acesso também é fácil, até nas escolas há vacinação. A única explicação que resta é a desinformação, alimentada por grupos radicais e, muitas vezes, estimulada por discursos políticos sem qualquer fundamentação científica.
Que o menininho da Octogonal sopre mais velas, desejando, agora, que os brasileiros voltem a confiar nas vacinas. Desde o século 19, elas nos protegem contra varíola, febre-amarela, pólio, meningite, tétano, hepatite, sarampo e tantas outras doenças letais que, se hoje parecem inofensivas, é porque foram neutralizadas pela imunização em massa.