ARTIGO

Um mundo novo

Esse mundo fascinante da internet que agora o Instagram está me proporcionando é, para mim, um mundo novo, cheio de seduções e medo

PRI-1807-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-1807-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

JOSÉ SARNEY, ex-presidente da República, escritor e imortal da Academia Brasileira de Letras

Estou mergulhado num terreno diferente e fascinante, a internet. Realmente, seu mundo para mim estava distante, mas era sempre objeto das minhas preocupações: a maior de todas, a luta entre o livro e a invasão digital.

Lembro-me de que a primeira vez em que enfrentei o problema, objetivamente, foi quando, há mais de 20 anos, num almoço do Elio Gaspari, ele levantou o tema ao me dizer que, examinando e meditando sobre o domínio da internet, chegara à conclusão de que duas coisas não acabariam: o jornal e o livro. Com ele concordei imediatamente.

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Passado o tempo, sempre preocupado com essa luta, participei de alguns debates sobre o assunto, o primeiro deles quando, convidado pela ONU, tive oportunidade de participar como debatedor da Conferência de Bilbao, com o desafio de ter a companhia de grandes pensadores mundiais sobre o impacto da era digital nos direitos individuais, na privacidade e nos direitos humanos, quando verificamos que esses direitos estavam ameaçados e que não existia mais a proteção, com a garantia de que esses direitos seriam sempre sagrados. Eu, então, apresentei a minha constatação de que a verdade e a mentira também passavam pela mesma ameaça. Participou do meu painel o grande pensador mundial sobre os impactos da internet em nossa vida, Manuel Castells.

Afirmei ainda que, já naqueles anos, a quantidade de versões sobre determinado fato eram tantas que passara a ser difícil saber onde estava a verdade e a mentira. Quem escolheria a verdade verdadeira para nós passara a ser os aplicativos e seus algoritmos, que, não sendo exclusivos, teriam outros concorrentes que fariam outra escolha e, assim, tínhamos que escolher entre os que escolheram por nós.

Depois, há oito anos, fui convidado a proferir a conferência inaugural da segunda maior feira mundial do livro, em Guadalajara. Na maior feira literária do mundo, a de Frankfurt, na Alemanha, foi lançada a tradução alemã do meu livro Saraminda. No México, naquele mundão de livros e autores, escolhi o tema de minha preferência: O livro e a internet. Naquele ambiente desenvolvi a minha conclusão, com fidelidade ao mesmo conceito que Elio Gaspari desenvolvera havia 20 anos: o de que o livro não iria acabar, pois tem uma tecnologia que lhe assegura esse lugar: cai e não quebra; pode ser conduzido para qualquer lugar; aonde você for, pode levá-lo consigo; não precisa de energia para funcionar; tem todos os programas de computador, porque há livro para qualquer assunto; e muitas outras vantagens para competição. Recordo com saudades que lá estavam o Vargas Llosa e a minha querida Nélida Piñon, que nos deixaram. Nélida, não só a sua saudade, como também a obra importante na literatura brasileira. E tivemos ainda a companhia de Paulo Coelho — que, da Europa, me avisou estar me seguindo no Instagram. 

Esse mundo fascinante da internet que agora o Instagram está me proporcionando é, para mim, um mundo novo, cheio de seduções e medo — por exemplo, quando vejo os milhares de seguidores e de visitantes interessados no meu corte de cabelo e nas bolas que acerto na minha fisioterapia. Mas a oportunidade maior de que estou desfrutando é poder falar dos livros de minha autoria e dos livros que marcaram minha vida e dizer que, nessa parte, embora seja o decano da Academia Brasileira de Letras, fui o mau pai da minha obra, pois a minha maior preocupação foi com a sua acolhida no exterior, e não aqui, onde as pessoas viam o político, e não o escritor. Já escrevi 123 títulos, em 168 edições, algumas em várias edições, como Saraminda e O dono do mar, agora em agosto reeditadas pela Ciranda Cultural, uma das maiores editoras do Brasil, com quem assinei contrato de direitos autorais por cinco anos, confiando na vontade do Criador de manter-me vivo até lá.

Mas a verdade é que devo também acrescentar que as nossas previsões, minha e do Elio Gaspari, não foram absolutamente vitoriosas. Os jornais estão sendo dizimados e obrigados a se mutilar, como aconteceu com muitos, transformando-se em tabloides. Perderam os anúncios para as redes sociais e as assinaturas para a internet, migrando para o formato digital.

No caso dos livros, o ataque veio com as enciclopédias: todas foram assassinadas, e a Wikipedia as devorou completamente.

Agora estou me rendendo também aos novos tempos, sendo um velho de 95 anos, de calça jeans e cavanhaque, gritando que troquei os eleitores por leitores do meu Instagram!

 

 


Por Opinião
postado em 18/07/2025 06:01
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