Artigo

Insubordinada sou eu!

A ironia dos fatos é que o artigo listava uma série de situações em que algumas pessoas se dizem aliadas na causa antirracista, mas não agem contra o racismo ou, pior ainda, dizem não entender ou não saber o que fazer, como se o racismo tivesse nascido ontem na nossa sociedade

"Essas mulheres majoritariamente brancas não conseguiram lidar com a insubordinação de uma única mulher preta periférica no grupo" - (crédito: Caio Gomez)

CINTIA COLARES, jornalista profissional, poeta, ativista em letramento racial

Esses tempos, recebi um comunicado de exclusão de um clube de leitura de mulheres ditas insubordinadas e feministas. Curiosamente, a expulsão ocorreu no trimestre de leituras de autoras negras, leituras essas que deveriam servir para fomentar debates racializados. Mulheres ditas feministas e insubordinadas acionaram uma advogada para cima da integrante do grupo que participava de uma bolsa integral, concedida por ser uma mulher negra, a única retinta, periférica e mãe solo naquele grupo.

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Motivo alegado no comunicado: o fato de eu ter publicado um artigo antirracista no site de notícias Brasil de Fato. A mediadora supôs que eu estaria falando sobre o que acontecia no grupo, o que entrega que ela tinha ciência de que vinham acontecendo práticas racistas no grupo. Mulheres ditas feministas e insubordinadas acionaram uma advogada porque, na visão de uma delas, era inaceitável uma mulher negra se insubordinar e escrever um artigo expondo as práticas racistas recorrentes naquele espaço.

A ironia dos fatos é que o artigo listava uma série de situações em que algumas pessoas se dizem aliadas na causa antirracista, mas não agem contra o racismo ou, pior ainda, dizem não entender ou não saber o que fazer, como se o racismo tivesse nascido ontem na nossa sociedade. A ironia maior ainda foi elas acharem que, se falei sobre racismo, somente poderia ser sobre elas. Rés confessas e pretensiosas. Infelizmente, elas não são as únicas a praticarem racismo numa sociedade estruturalmente racista.

Essas mulheres majoritariamente brancas não conseguiram lidar com a insubordinação de uma única mulher preta periférica no grupo, uma única voz em um grupo de mais de 40 mulheres brancas. Então, elas passaram a dizer em coro frases de revirar o estômago de pessoas negras: "Você está imaginando coisas: Racismo não existe aqui."; "Você é quem está nos ofendendo e sendo agressiva e ingrata, afinal recebemos você aqui…"; "Minha avó era negra."; "Tive uma babá negra que considero quase da família."

O comunicado de exclusão foi encaminhado a mim pela mediadora sem qualquer diálogo. Logo após o envio do documento, veio a remoção dos grupos de WhatsApp do clube de leitura. Na sequência, veio o bloqueio nas redes para que eu não pudesse argumentar publicamente sobre esse descarte da única mulher negra periférica no grupo.     

A medida, explicitamente, visava a um efeito intimidador: denuncie as práticas racistas que vivenciou nesse grupo de mulheres privilegiadas e nos voltamos contra você! A mediadora de um grupo feminista tentou intimidar outra mulher enviando um comunicado jurídico para exclusão de um grupo de leitura? Sim, foi isso mesmo que você leu!

Ué, mas e a sororidade? Uma não solta a mão da outra? Enquanto todas não forem livres não seremos livres? Ah, não, isso é para e entre mulheres. Mulheres, nesse contexto, elas consideram somente as mulheres brancas, privilegiadas que provocaram ou se omitiram frente a essa violência contra uma mulher negra. Algumas ainda saíram em defesa dessa repugnante e escancarada tentativa de silenciamento de uma mulher negra, atitude previsível no bom e velho estilo pacto da branquitude.

Motivos para excluir a mulher negra que falou sobre racismo? Motivos para tentar intimidar a mulher negra que fala sobre práticas racistas no cotidiano, inclusive, de pessoas que se dizem aliadas e ostentam orgulhosas em suas bios nas redes sociais a autodenominação de antirracistas, mas, se uma mulher negra trouxer episódios de racismo para o debate, dizem não saber o que espera que elas digam ou façam? Motivos para gastar com a contratação de uma assessoria jurídica para excluir uma mulher negra de um grupo de WhatsApp? 

A mediadora confiou no pacto da branquitude para sustentar a exclusão de uma mulher negra por opinar sobre racismo. Porém,  a ação dela surtiu, justamente, o efeito contrário, pois aqui estou escrevendo este artigo, além de outros que publiquei denunciando a tentativa de silenciamento. Isso porque o que elas carregam apenas no nome do grupo eu exerço em atitude cotidianamente: insubordinada sou eu!

Quando olho para esse episódio, eu me pergunto o que Sojourner Truth já percebia e questionava há muito tempo e acrescento: Para a branquitude, incluindo algumas mulheres brancas feministas, eu não sou uma mulher? Você, eu, nós sabemos a resposta.

 

Por Opinião
postado em 30/08/2025 06:03
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