
ADEMAR K. SATO, graduado em administração e em direito, pós-graduado em ciências sociais, mestre em economia, monge budista, ex-regente do Templo Budista de Brasília
Quando fui preso, em Salvador da Bahia em 1977, depois de retornar de Santiago do Chile, em que trabalhei no governo socialista do Allende, fiquei muito admirado com a vigília da Operação Doi-Cod,que seguiu meus passos dia e noite por dois meses, antes da prisão. Na época, não havia o avanço técnico da comunicação digital, o clima político interno era de ditadura militar e a configuração geopolítica mundial era outra.
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Agora, fiquei espantado com o poder da informática que seguiu e registrou conversações particulares trocadas por celular entre o ex-presidente e seu filho. É verdade que hoje vivemos a democracia em Estado de Direito, graças à Constituição Federal promulgada em 1988, após o longo período de anos de chumbo, que abortou movimentos culturais importantes como o Cinema Novo e a Bossa Nova. E a geopolítica mundial mudou, especialmente após o advento do século 21.
A conversação telefônica revelada e amplamente divulgada pelos meios de comunicação é tipicamente familiar, o filho preocupado com o pai que aponta a sua imaturidade, o retrucar e a entrada de terceiros fazem parte do drama cotidiano, da história humana universal. Três pontos me chamaram atenção.
O primeiro ponto é quando o filho diz "se a anistia light passar, os Estados Unidos não irão mais ajudar". Ou seja, ele está chamando o pai de covarde e este lhe respondendo: "Cresça e apareça". E um terceiro toma o partido do pai, chamando o filho de "babaca".
Mas quem é babaca? Aquelas que invadiram as edificações da Praça dos Três Poderes no Distrito Federal, quebrando o Patrimônio Nacional Histórico e Cultural? E também os doadores que enriqueceram os patrocinadores, pai e filho, com indícios de terem se escondido atrás das próprias mulheres?
- Leia também: A democracia pede passagem: o cidadão como protagonista no palco das políticas públicas
Mas o filho continua: "Quero que você olhe para mim e enxergue-o..." Opa!Esse é o segundo ponto que diz respeito ao Estado Democrático de Direito que constitui os Três Poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Lembramos que famosos teóricos e praticantes da política já disseram que democracia dá muito trabalho, mas sempre indica o avanço civilizatório em busca da justiça social e progresso ético. Isso está na linha evolutiva da humanidade, requerendo coragem e dignidade para defender a autonomia e a soberania nacional.
Aí, vem o terceiro ponto que é a possibilidade de candidaturas independentes para pleitos majoritários na nossa Constituição Cidadã, pois, no Supremo Tribunal Federal, há vários agravos regimentais de mandados de injunção de controvérsias interpretativas, quanto ao significado e alcance da exigência de filiação partidária.
Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, que atuaram intensamente pela elaboração e aprovação da Carta Magna, chamada de Constituição Cidadã, eram contra a candidatura avulsa como indicador ético na direção da redemocratização e na ampliação e garantia de direitos civis, sociais, políticos e econômicos. Contudo, e com muito respeito aos dois, as condições objetivas mudaram.
É verdade que o direito do consumidor é representado pela consolidação da classe média. Entretanto, a injustiça social que acompanha a desigualdade crescente de renda e a insegurança nas ruas como nas casas e até no trabalho — burnout — fazem muita gente saudosa da ditadura ignorar a opressão, a tristeza e a depressão vigente nos anos de chumbo. Há o retorno da política tradicional que não quer o povo participando diretamente.
No cenário nacional, devemos aproveitar o declínio do império que emergiu no século 20 impondo o poder do dólar desvinculado de qualquer lastro, a não ser a especulação financeira e a indústria armamentista. Podemos aproveitar o tarifaço que nos leva à multipolaridade e consolida a nossa integração público-privado, buscando a reurbanização consciente de que temos a responsabilidade de cultivar a natureza e a amorosidade humana como ética civilizatória.
O Distrito Federal pode dar o exemplo, promovendo o retorno do orçamento participativo e a eleição direta nas administrações regionais para o próprio povo — moradores e concidadãos —, que conhece e sabe dos seus interesses e necessidades, escolha de forma autônoma e independente os seus mandatários diretos.
Democracia sempre, ditadura nunca.