
ALEXANDRE NEPOMUCENO, chefe-geral da Embrapa Soja, pesquisador da Embrapa e membro titularda CNTBio na vaga de especialista em biotecnologia e MARIO TYAGO MURAKAMI, vice-presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio) e diretor do Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR) do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM)
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Décadas de desenvolvimento agrícola e de crescente protagonismo na liderança em inovação global trouxeram inúmeros aprendizados ao agronegócio brasileiro, mas um deles é indiscutível: o papel central exercido nessa jornada pela cooperação e pela troca de conhecimentos científicos. Tal aprendizado é evidente ao se analisar a forma como se desenvolveu o bem-sucedido sistema agrícola brasileiro. O trabalho colaborativo entre diversos atores da cadeia — envolvendo produtores, academia, instituições de pesquisa e iniciativa privada, aliado à consolidação de marcos legais estáveis nas décadas recentes (Lei de Patentes, Lei de Proteção de Cultivares, Lei de Biossegurança e Lei de Sementes) — foi o que propiciou acelerados saltos de produtividade e um sistema produtivo mais robusto e resiliente, abrindo caminho para a agricultura brasileira ocupar o papel de alimentar próximo de um bilhão de pessoas ao redor do mundo.
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Também é cada vez mais visível como os frutos da cooperação se estendem para além das fronteiras brasileiras. Exemplos não faltam: novos mercados são frequentemente abertos ao sistema agropecuário nacional, que demonstra enorme capacidade de adequação aos mais rígidos protocolos fitossanitários e regulatórios mundo afora, além de um trabalho cada vez mais intenso de cooperação internacional para regulamentação e aprovação de novas tecnologias, sobretudo de eventos biotecnológicos.
No Brasil, por exemplo, a área cultivada com culturas anuais esteve próxima a 70 milhões de hectares, sendo que a vasta maioria desta área é com produtos desenvolvidos pela biotecnologia e em cultivos subsequentes durante a mesma safra, consolidando o país como um dos líderes globais na adoção dessas tecnologias. A introdução da biotecnologia, desde 1996, permitiu, junto com outras tecnologias, trazer ganhos substanciais de produtividade por área, permitindo que a produção agrícola brasileira crescesse exponencialmente sem a necessidade de expansão desproporcional da área cultivada.
Globalmente, a adoção da biotecnologia contribuiu para uma redução significativa no uso de pesticidas, diminuição das emissões de gases de efeito estufa e aumento do sequestro de carbono, principalmente por meio do facilitamento da implementação da técnica de plantio direto em grandes áreas, manejo que além de incrementar o sequestro de carbono, favorece a preservação de água e nutrientes no solo. O uso desta prática somente foi possível devido à biotecnologia das plantas resistentes a herbicidas. Todos esses ganhos trazidos pela biotecnologia vieram junto com o aumento da produtividade e, consequentemente, da produção de alimentos, fibras e biocombustíveis. Tais avanços são cruciais para atender à crescente demanda global por alimentos de forma sustentável.
Uma aproximação mais estratégica entre instituições científicas e regulatórias nacionais e suas congêneres ao redor do mundo pode impulsionar os ganhos advindos de novos eventos biotecnológicos e viabilizar tecnologias que ampliem a eficiência e a competitividade no agronegócio. O exemplo mais ilustrativo é o da aproximação técnica entre Brasil e China, em que um protagonista na produção mundial de grãos e alimentos atua em parceria com o principal mercado consumidor global, com ambos caminhando juntos em prol da segurança alimentar e da transferência de tecnologias.
Um dos aspectos centrais dessa cooperação reside na possibilidade de harmonizar normas regulatórias. A colaboração nesta área permitirá avançar o fluxo de produtos biotecnológicos entre os dois países, garantindo que inovações desenvolvidas para a agricultura brasileira possam ser rapidamente adotadas pelos produtores. Sendo um país em sua maioria de clima tropical, o Brasil tem em sua agricultura uma pressão maior de pragas, doenças e outros estresses provocados pelas mudanças climáticas globais. Assim, é necessário que toda inovação desenvolvida possa chegar de forma rápida e eficiente ao campo, para que se possa ampliar a segurança, qualidade e competitividade da produção. Com isso, atenderemos a uma demanda nacional, além de alcançar outros mercados como o chinês, contribuindo de forma segura e eficiente para a segurança alimentar do Brasil e global.
A compreensão mútua das exigências de segurança alimentar e ambiental da China e o alinhamento das práticas brasileiras com esses padrões são passos essenciais para a consolidação dessa parceria. A previsibilidade regulatória é um fator-chave para o investimento de longo prazo, para que essas inovações cheguem ao setor.
O ciclo virtuoso gerado a partir da maior cooperação internacional pode ser sintetizado em inovações disponíveis mais rapidamente para os agricultores, práticas mais sustentáveis empregadas em toda a cadeia e mais alimento à disposição de uma população global crescente. Uma colaboração mais próxima entre mercados estratégicos como Brasil e China transcende a dimensão comercial para se firmar como uma parceria estratégica em pesquisa, desenvolvimento, regulamentação e sustentabilidade.