
HUMBERTO SILVA, presidente do Grupo de Ação do Rotary para Erradicação da Hepatite
A luta contra as hepatites virais não pode desaparecer quando se passa o mês de conscientização sobre a doença, o Julho Amarelo. Silenciosa e subestimada, essa doença continua ceifando vidas no Brasil e no mundo. Segundo o Ministério da Saúde, mais de 1,6 milhão de brasileiros vivem com hepatite B ou C — e a maioria sequer sabe. Muitas vezes, ela só se revela quando já provocou danos graves ao fígado, sendo responsável por quase 100 mil mortes anuais no país.
No cenário global, os números impressionam: de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 300 milhões de pessoas convivem com hepatite B ou C. A cada ano, cerca de 1,3 milhão morrem em decorrência da doença, responsável por 80% dos casos de cirrose e câncer de fígado. É uma das principais causas de morte por doenças infecciosas, à frente de enfermidades muito mais conhecidas. A boa notícia é que a hepatite pode ser prevenida, tratada e, em muitos casos, curada. Seu maior inimigo é o silêncio.
Eu conheço esse silêncio. Em 2010, eu estava prestes a viajar para assistir à Copa do Mundo na África do Sul quando, durante a preparação para vacinas, meu médico sugeriu que eu fizesse um teste de hepatite. Achei exagero: eu me sentia saudável. O resultado, porém, mudou minha vida: hepatite C. Sem tratamento, meu fígado falharia e eu morreria.
Foi um choque descobrir que, provavelmente, eu carregava o vírus desde a infância, após uma transfusão de sangue aos oito anos. Vivi quase 40 anos com o inimigo no corpo, sem perceber. Graças ao tratamento, venci a doença — e fiz um voto: dedicaria o resto da minha vida a alertar outras pessoas e lutar para que ninguém morresse no silêncio.
Essa decisão me levou a fundar a Associação Brasileira de Portadores de Hepatite (ABPH) e o movimento Hepatite Zero, que se uniu ao Grupo de Ação do Rotary para a Erradicação da Hepatite (RAGH, na sigla em inglês), a fim de ampliar essa batalha. O RAGH é um grupo de membros e experts do Rotary dedicado à eliminação das hepatites virais no mundo. Criado no Brasil, o grupo coordena campanhas globais de testagem, conscientização e encaminhamento para tratamento em colaboração com governos e a OMS.
Hoje, atuo como presidente do RAGH, coordenando, a partir do Brasil, uma rede mundial de voluntários que já realizou mais de 3 milhões de testes, encaminhou milhares de pessoas para tratamento e promoveu campanhas que salvam vidas em comunidades distantes — do interior do Brasil a Bangladesh, da Nigéria a Taiwan. É esse trabalho coletivo, com o apoio do Rotary e de voluntários no mundo inteiro, que sustenta o nosso sonho: alcançar Hepatite Zero até 2030.
Ao lutar para alcançar o Hepatite Zero até 2030, o trabalho do Rotary apoia e está alinhado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3 da Organização das Nações Unidas (ONU): Saúde e Bem-Estar, que prevê entre suas metas a eliminação das hepatites virais como problema de saúde pública na próxima década, assim como a redução de outras doenças infecciosas.
O Rotary tem um papel único nessa luta. Por intermédio dos esforços da organização para erradicar a paralisia infantil, o mundo aprendeu lições e estratégias importantes que estão sendo aplicadas para enfrentar outros desafios de saúde, como a hepatite. Graças à capilaridade de seus 1,2 milhão de associados no mundo, chegamos a comunidades que nem a OMS alcançaria sozinha.
Além disso, no Brasil, desde 2019, a ABPH e o Hepatite Zero têm uma parceria formal com o Ministério da Saúde, com apoio do RAGH e dos Rotary Clubs brasileiros, em testagens de hepatite B e C em todo o país. E, no mundo, conduzimos a maior ação de testagem da história: 50 países, 1,5 milhão de testes, mais de 10 mil diagnósticos positivos e encaminhados a tratamento.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Agora, estamos prontos para dar o maior passo da nossa história. Lançamos a maior campanha contra a hepatite do mundo, com ações em 200 países, mobilizando clubes do Rotary, autoridades de saúde e voluntários em todos os continentes. A meta é simples e ousada: tirar a hepatite das sombras, ampliar testagem e vacinação, identificar infectados e garantir que recebam cuidados antes que seja tarde.
O Julho Amarelo pode ter acabado, mas o risco continua. Vacinar-se contra hepatite B, fazer o teste rápido disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) e apoiar campanhas de conscientização são atitudes que salvam vidas. Eu sou prova disso: fui diagnosticado a tempo e pude reescrever meu futuro.
A hepatite é silenciosa, mas nós não podemos ser. Cada pessoa testada, cada vida salva, é um passo a mais para um mundo onde ninguém morra por falta de informação ou cuidado. O silêncio custa vidas. Falar, agir e prevenir salva.