Artigo

Luxo sobre o sangue

A ideia de Donald Trump de erguer um resort na Faixa de Gaza, depois de expulsar os palestinos de sua própria terra, é abjeta, macabra, sombria, tosca, repugnante e insensata

Fumaça sobe ao céu depois de ataque a Jabalia, no centro de Gaza  -  (crédito: Bashar Taleb/AFP)
Fumaça sobe ao céu depois de ataque a Jabalia, no centro de Gaza - (crédito: Bashar Taleb/AFP)

Quem terá a coragem de se hospedar em uma suíte luxuosa e saber que, naquela terra, 60 mil seres humanos foram exterminados em uma guerra de vingança? Quem terá sangue frio para tomar banho na piscina, ante a visão idílica do Mar Mediterrâneo, ciente de que ali tanto sangue inocente foi derramado? Quem será desumano o bastante para se fartar em um dos banquetes dos hotéis de luxo, o mesmo local em que crianças morreram de fome e cães famintos comeram pedaços de corpos? Quem será bizarro o bastante para se lambuzar de glamour e requinte em uma região que foi sinônimo de horror, miséria, subjugo, dominação e ódio?

A ideia de Donald Trump de erguer um resort na Faixa de Gaza, depois de expulsar os palestinos de sua própria terra, é abjeta, macabra, sombria, tosca, repugnante e insensata. Faltam adjetivos, sobram revolta e indignação. É a força do capital sobrepondo-se a qualquer lógica de humanidade. É a megalomania de um poderoso que despreza o sofrimento de um povo. O projeto de 38 páginas obtido pelo jornal The Washington Post é um atestado da baixeza de quem deveria, por direito e dever, usar o próprio poder em benefício da humanidade.

Como o presidente Trump pode sequer imaginar ser digno de receber o Prêmio Nobel da Paz? Como espera estar no mesmo patamar de um Nelson Mandela, de um Martin Luther King Jr., de uma Madre Teresa de Calcutá, de um Adolfo Pérez Esquivel, de um Dalai-Lama? Não se faz a paz com a demagogia. Não se grita ao vento, aos quatro cantos, que foi o responsável pelo fim do conflito, enquanto em sua gaveta existe um plano deliberado de erguer um império sobre o sangue alheio. Isso está longe de paz. É um crime.

Para conseguir transformar a Faixa de Gaza em um polo turístico e de alta tecnologia, Trump pretende dar uma esmola aos 2,5 milhões de palestinos: US$ 5 mil a cada morador de Gaza "interessado" em abandonar o território, além de subsídios para cobrirem gastos com comida e aluguel durante quatro anos. Isso tem nome: suborno. A lógica: os Estados Unidos dão o dinheiro, desde que o palestino abandone a própria terra e saia do caminho para que Trump encampe mais uma ferramenta para enriquecer. Sim, suborno escorado em um completo desconhecimento da história da causa palestina. Desconhecimento ou desinteresse em uma saída pacífica para o conflito no Oriente Médio?

Não são hotéis erguidos sobre o sangue de inocentes, nem indústrias tecnológicas construídas sobre os túmulos de civis que trarão a paz ao Oriente Médio. A solução para o fim de décadas de ódio e de horror passa pelo fim da ocupação israelense e pela criação de um Estado palestino independente e soberano. Uma Palestina reconhecida pela comunidade internacional como uma nação livre, sem a presença de tropas estrangeiras e com o direito a prosperar. Qualquer outra coisa é receita para o desastre e para um ciclo de vingança e de banho de sangue. Em nome de 60 mil mortos, dos quais 20 mil crianças, espero que Trump abandone esse plano.

 


postado em 03/09/2025 06:00
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