ARTIGO

Uma nova Lusitânia

O escritor Hélio Barros nos oferece um instigante romance que revela um aspecto pouco conhecido da nossa história colonial: a relação entre a metrópole lusitana e a vida no sertão nordestino

PRI-0309-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-0309-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

CRISTOVAM BUARQUE, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)

O professor Hélio Barros deu grande contribuição ao Brasil por ser um dos pioneiros na promoção das Olimpíadas do Conhecimento, que funcionam como estímulo ao estudo e à autoestima de centenas de milhares de estudantes. Agora, o escritor Hélio Barros nos oferece um instigante romance que revela um aspecto pouco conhecido da nossa história colonial: a relação entre a metrópole lusitana e a vida no sertão nordestino.

O livro O romance da Nova Lusitânia começa com um longo diálogo entre amigos, provavelmente em 1777, em uma cidade ao norte de Portugal. Ao longo do diálogo, um dos amigos conta o que viu durante os anos que viveu na colônia, provocando os companheiros quanto às dificuldades nas relações com a metrópole. Para eles, metrópole e colônia estavam unidas pelo rei e por Cristo, mas havia uma dúvida permanente sobre o que viria a acontecer e o que seria melhor para a relação entre Portugal e aquela terra imensa, estranha, habitada por indígenas, africanos e até por europeus cada vez menos portugueses: os brasilianos.

Apesar de certo ufanismo sobre um país que teria surgido por inspiração de Cristo aos cruzados, percebe-se pessimismo quanto à capacidade de Portugal manter o controle de um território tão grande, distante, isolado e habitado por brejeiros racialmente misturados entre brancos, negros, índios em constante concubinato. Esse pessimismo é resumido por um dos participantes do diálogo ao lembrar que Portugal era um país pequeno, incapaz, segundo ele, de alimentar a própria população de forma autônoma, por depender economicamente de outras praças.

Nesse longo debate entre os cinco amigos, Hélio Barros reconstitui de forma convincente — pode-se dizer, magistral — o que provavelmente era o imaginário em Portugal no fim do século 18, tanto sobre o futuro do próprio país, dependente da Espanha, França e Inglaterra, quanto sobre o destino da colônia ser uma Nova Lusitânia, ou um novo país independente, como as colônias inglesas na América do Norte ensaiavam. Essa reconstituição revela o domínio de um escritor sólido, tanto no conhecimento da história quanto na capacidade de mergulhar na mente dos portugueses da época.

Hélio Barros demonstra esse domínio com maestria: o conhecimento histórico e a habilidade narrativa para dar vida às mentalidades do século 18. Também se destaca ao imaginar e descrever o despertar de um menino de 14 anos que, escondido na casa de seu pai anfitrião do encontro de amigos, ao escutar o debate dos adultos sobre a Nova Lusitânia, adquire o desejo de viver a aventura da emigração. Esse menino transforma-se no personagem principal do romance: sua fuga de casa por terra até o porto, a travessia do Atlântico, a chegada ao Recife e a marcha até o alto sertão pernambucano. A narrativa da travessia marítima e do percurso terrestre no sertão, na passagem do século 18 para o 19, acende uma luz que raramente vemos nos livros de história e em poucos romances conseguiram captar. Hélio Barros preenche lacuna na literatura brasileira ao criar um enredo onde os detalhes da vida no sertão pernambucano compõem um fascinante ambiente de rotinas laborais e domésticas, dúvidas, esperanças, ousadias e coragem em uma região remota.

O livro retrata a constante ambiguidade de quase todos os personagens, divididos entre a fidelidade ao rei e a Portugal e o sonho de independência da colônia — uma tensão que viria a ser resolvida com a solução mágica da independência sob um imperador filho do rei da metrópole. O realismo do livro se evidencia pela total ausência das palavras "escola" ou "educação" no imaginário da época — exceto pela preocupação do protagonista com a formação em Coimbra de apenas dois de seus mais de 20 filhos.

Além do deslumbramento literário e do conhecimento histórico adquirido, ao ler O romance da nova Lusitânia, o leitor tem a sensação de que, apesar das radicais mudanças ocorridas, ainda persiste o descaso com a educação da população. Felizmente, o escritor é um educacionista e, ao lado do belo romance, nos trouxe as Olimpíadas do Conhecimento, que estão nos ajudando a mudar essa característica secular e dar os passos necessários para uma nova Nova Lusitânia.

 


Por Opinião
postado em 03/09/2025 06:06
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