ARTIGO

O Brasil vai liderar pelo exemplo: COP30 e o fundo das florestas tropicais

O Fundo de Florestas Tropicais para Sempre é um modelo autossustentável de financiamento proposto pelo Brasil na COP28. A expectativa é de que, durante a COP30, outros países anunciem suas contribuições

PRI-2910-OPINI -  (crédito: Maurenilson)
PRI-2910-OPINI - (crédito: Maurenilson)

PAULA WOJCIKIEWICZ ALMEIDA e MARIANA MARIANI — respectivamente, coordenadora e pesquisadora do Centro de Pesquisa em Direito Global e do Centro de Excelência Jean Monnet, ambas da FGV Direito Rio

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O presidente Lula anunciou aporte de US$ 1 bilhão no Fundo de Florestas Tropicais para Sempre (TFFF). Em discurso, frisou que "os recursos para conservação (de florestas) são escassos" e que "não haverá solução possível para as florestas tropicais sem o protagonismo de quem vive nelas".

O TFFF é o mais novo instrumento de uma extensa lista de iniciativas internacionais de governança de florestas, que teve início com a Conferência de Estocolmo em 1972, quando 113 países reconheceram a importância de uma ação coordenada no seu monitoramento e conservação. Tornando-se cada vez mais ambiciosas, as metas de conservação vêm sendo constantemente atualizadas. Em 2021, em Glasgow, a Declaração dos Líderes sobre Florestas e Uso da Terra estabeleceu o compromisso de desmatamento zero até 2030. 

Os grandes países emissores também apresentam legislações ambiciosas: com o Lacey Act, os Estados Unidos proíbem a comercialização de plantas que tenham sido extraídas em violação a alguma lei estadunidense. No Reino Unido, a Forest Risk Commodity Regulation visa restringir a importação de produtos provenientes de áreas desmatadas. Já na China, a Lei de Florestas obriga o Estado, proprietário das florestas, a adotar metas de responsabilidade e performance em relação aos recursos florestais.

No âmbito regional, a União Europeia adotou o Regulamento Anti-Desmatamento, medida baseada em mercado que busca impor aos comerciantes obrigações de diligência para evitar que commodities fruto de desmatamento sejam comercializadas na região. A norma teve sua vigência alterada para o fim de 2025, contudo, e há indicativos de que um novo pedido de adiamento possa mudar a vigência para o fim de 2026. 

Apesar de décadas de compromissos, o desmatamento persiste, tendo o mundo perdido 28,3 milhões de hectares de florestas em 2023. Nesse âmbito, o TFFF surge como uma promessa de mecanismo inovador, com o racional subjacente de tornar a conservação economicamente vantajosa.

Apresentado pelo Brasil durante a COP28, o Fundo busca recompensar financeiramente países que conservem suas florestas tropicais por meio de pagamentos anuais vinculados à verificação por satélite da preservação de hectares de floresta. A iniciativa é organizada em dois braços: um fundo de investimento, TFIF, que mobilizará recursos públicos e privados para financiar os pagamentos aos países participantes; e a Tropical Forest Facility, TFF, a qual será responsável pela gestão do programa — o que inclui coordenar o sistema de monitoramento de florestas e fazer a gestão do sistema de recompensas. 

O Fundo adota um modelo autossustentável ao prever, pelo TFIF, o investimento em títulos de renda fixa no mercado internacional, para gerar retornos superiores ao custo de capital. O objetivo é criar incentivos previsíveis e de longo prazo. Assim, entes públicos e privados investirão no Fundo — o qual gerenciará os recursos, aportando seu capital em um portfólio de ativos de renda fixa, gerando retorno financeiro em um spread esperado de 2,5 a 3% ao ano. Com os dividendos, será feito o pagamento da dívida sênior e dos juros sobre o capital investido. Ao fim, os pagamentos para os Estados-membros que conservaram suas florestas serão feitos. 

Cada país participante poderá receber até US$ 4 por hectare preservado, com descontos proporcionais em casos de desmatamento: para cada hectare desmatado, até 100 hectares deixam de ser remunerados. Pelo menos 20% dos recursos devem chegar diretamente a povos indígenas e comunidades locais. A expectativa é de que o TFFF triplique o volume atual de financiamento internacional não reembolsável para florestas.

Ao anunciar a contribuição bilionária no Fundo, Lula disse que o Brasil lideraria pelo exemplo, ao ser o primeiro país a se comprometer com o TFFF. A expectativa é de que, durante a COP30, outros países anunciem suas contribuições. Ao adotar um modelo autossustentável de financiamento, o TFFF se diferencia de iniciativas existentes de financiamento climático, as quais são inexoravelmente dependentes de doações ou são quase que exclusivamente formadas por aportes governamentais.

 Ainda pairam dúvidas, contudo, sobre a real participação das comunidades locais no Fundo, tanto na gestão quanto no recebimento de benefícios. A natureza dos investimentos feitos pelo TFIF também deverá ser acompanhada com cautela para evitar que, em nome do combate ao desmatamento, não sejam feitos investimentos ambientalmente irresponsáveis. 

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postado em 29/10/2025 06:00
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